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15/11/2006 - 02h00

Reichenbach destrói sonho de ascensão

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JOSÉ GERALDO COUTO
Colunista da Folha de S.Paulo

Numa noite fria de novembro, numa casinha modesta no alto do bairro paulistano da Freguesia do Ó, Carlos Reichenbach, 61, roda uma cena de seu novo filme, "Falsa Loura".

À sua volta, uma porção de jovens atores, técnicos e assistentes ávidos por ajudar e aprender. Depois de um breve ensaio diante da câmera, o diretor grita: "Roda!", e tudo se põe em movimento.

Silmara (Rosanne Holland), a falsa loura do título, sai de seu quarto e encontra na sala três rapazes, um deles seu namorado, o cantor de rock Bruno de André (Cauã Reymond). Fica irritada, pois tinha planejado sair só com Bruno, e a conversa com o namorado soa ríspida.

De pé na porta da cozinha, o pai da moça (João Bourbonnais, experiente
ator de teatro), um ex-presidiário condenado por um incêndio criminoso, observa tudo sem abrir a boca.

Enquanto os namorados discutem, a câmera operada pelo diretor de fotografia Jacob Solitrenick avança num lento "travelling" frontal, até que Bruno diz a Silmara que vai esperá-la do lado de fora e os três rapazes saem da casa entre risinhos cafajestes.

Basta o ator Cauã Reymond aparecer no jardim da casa para que uma multidão de crianças e adolescentes até então mantida em respeitoso silêncio exploda em gritinhos e suspiros.

Formado no duro front das produções baratas da Boca do Lixo, Reichenbach se dá por satisfeito com a primeira tomada. "Vamos fazer mais uma, pra garantir?", pergunta em tom de pedido uma jovem assistente. "Ninguém notou nada, mas o João diz que olhou sem querer para a câmera."
Acabam fazendo mais dois "takes", e o último deles é o que prevalece.

Alguém sugere a inserção de um plano aproximado do personagem Bruno, Carlão reage: "Ah, não, cinema quadrado não é comigo. Essa cena se resolve num plano só".

Essa inversão do que costuma acontecer num set convencional retrata bem o modo de filmar de Reichenbach, diretor que insufla em sua equipe o entusiasmo pelo cinema de risco.

Depois de "Garotas"

"Falsa Loura", em sua gênese, integraria uma série de seis filmes sobre operárias do ABC paulista. Por problemas de produção, a série se reduziu ao longa "Garotas do ABC" (2004).

Silmara, a falsa loura, é uma bela jovem que trabalha numa fábrica para sustentar o pai e o irmão caçula, um cabeleireiro. Ela se envolve com dois ídolos populares, o roqueiro Bruno e o cantor romântico Luís Ronaldo (Mauricio Mattar) --e é sacaneada por ambos.

"É da família dos meus filmes femininos, como "Lilian M" e "Anjos do Arrabalde'", diz Reichenbach. "A diferença é que aqui há um olhar mais implacável com a visão ingênua da protagonista quanto às possibilidades de ascensão social."

Como costuma acontecer no cinema do diretor, "Falsa Loura" funde o erudito e o popular, o cult e o brega, cinema japonês e bailão de periferia.

No elenco, entre as colegas de Silmara, estão Suzana Alves, a Tiazinha, e Djin Sganzerla, filha do cineasta Rogério Sganzerla e da atriz Helena Ignez. "Gosto de filmar portas, cozinhas, cantos da casa, esse universo doméstico, cotidiano. Isso vem do cinema japonês."

Do ponto de vista dramático, porém, e do foco no universo proletário, Reichenbach identifica no cinema italiano a principal referência do filme. "Há muito de Valério Zurlini, sobretudo de "A Moça com a Valise", mas também do Antonio Pietrangeli de "Conheço Bem Essa Moça" e dos finais chocantes do Damiano Damiani."

Esses comentários são feitos entre uma tomada e outra, em meio à azáfama dos técnicos, e prosseguem durante o jantar da equipe num refeitório improvisado. Carlão respira cinema 24 horas por dia.

"É também um semimusical, dada a profissão dos dois protagonistas masculinos", diz o diretor. A trilha sonora é de Nelson Ayres e Marcos Levy e inclui uma canção cedida por Paulo Ricardo e outra composta pelo próprio Reichenbach.

"O Levy é um grande arranjador de soul music, costuma trabalhar com a Paula Lima e a Sandra de Sá. E o Nelson Ayres é um dos maiores compositores para cinema que existem."

"Falsa Loura", segundo o diretor, terá fortes contrastes de ambientes. "Há esta casinha, que parece uma prisão, e há os grandes espaços da fábrica, dos shows e bailes, com 200 pessoas." Também serão ressaltados contrastes urbanos e sociais.

"A abertura será uma grande panorâmica de São Paulo, sob uma música que remete às trilhas de Les Baxter para filmes dos mares do sul. Mas mostro um paraíso ao contrário, que é a dureza da cidade", diz o cineasta, com o entusiasmo de um iniciante.

"Falsa Loura" vai custar cerca de R$ 3,5 milhões e deverá ficar pronto no primeiro semestre de 2007.

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