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23/11/2006 - 09h11

Amyr Klink narra saga de construir barco longe do mar em livro

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MARCOS STRECKER
da Folha de S.Paulo

"Linha-d'Água", o novo livro de Amyr Klink, corre o risco de virar um best-seller --como tem acontecido desde a primeira obra que escreveu. Paulistano radicado em Paraty (RJ), ele narra agora as aventuras de construir um barco sofisticado e inovador longe do mar. Descreve também as dificuldades de um empreendedor navegando nas águas turvas da burocracia brasileira. O navegador revela sua admiração pelas soluções simples, que considera as mais geniais. É o caso da jangada cearense, que já tinha chamado a atenção do cineasta Orson Welles, cujos conceitos Klink aproveitou em seu barco.

FOLHA - Você fala muito no livro na valorização da simplicidade e da experiência brasileira, como a das jangadas do Ceará...

AMYR KLINK - Na verdade é a idéia de valorizar a experiência local. Quando fiz a primeira viagem de veleiro, descobri que não queria mais fazer um barco nos moldes convencionais. O barco a vela em geral obedece regras que têm a ver com o mundo das regatas, de filhinhos de papai. E os barcos de pesca têm plataforma de acesso ao mar e vidro em ângulo negativo por causa do sol. O barco de pesca mais genial do mundo é brasileiro, a jangada de piúba. É a única embarcação do mundo que não tem leme. Descobri que aquele barco, que eu achava primitivo quando criança, é de extrema sofisticação. Não só de execução mas conceitual também.

FOLHA - O cineasta Orson Welles filmou essas jangadas quando esteve no Brasil.

KLINK - Sim. Um cara de cinema tem o olho mais afiado para essas coisas. Isso que é legal para quem veleja: você começa a valorizar detalhes técnicos, a sabedoria, a maneira de resolver pequenos problemas. O casco do Paratii 2, um barco ultra-sofisticado, usa o mesmo conceito de uma jangada.

FOLHA - Você critica no livro a forma como o Brasil está transformando portos em aterros...

KLINK - Não sei por que acontece isso. Até hoje é comum falar em arquitetura que somos um país que deu as costas para o mar. O Rio de Janeiro tinha mais de 300 acessos para o mar. Todas as instalações, muros de pedra e atracadouros desapareceram, e no lugar não ficou nada, só aterro e pista. Houve uma desconexão total em relação a um meio de transporte e lazer que no mundo inteiro é hipervalorizado.

FOLHA - Além do aspecto cultural, existe o aspecto econômico...

KLINK - Claro, acabei de ver um noticiário sobre a importância da exploração madeireira da Amazônia. A informação mais legal é que toda a atividade madeireira da Amazônia gera para o Brasil US$ 1 bilhão por ano [cerca de R$ 2,16 bilhões]. Isso não é nada. Cito no meu livro o porto de Palma de Mallorca. A comunidade de lá resolveu mudar a legislação para receber barcos visitantes. Passaram a receber 7.000 veleiros grandes do mundo todo. Devem receber hoje U$ 3,5 bilhões por ano [R$ 7,6 bilhões]. Três vezes e meia o que o Brasil corta de madeira. E a gente carrega esse ônus de que está destruindo o mundo...

FOLHA - Como foi a construção do Paratii 2 em Itapevi? Você narra no livro que foi uma grande aventura a construção do barco longe do mar...

KLINK - O lado mais perigoso do mundo dos barcos é que existe sempre esse envolvimento pessoal. Quando eu comecei a sentir vontade de fazer alguma coisa diferente, percebi que não daria para fazer isso num ambiente formal. Não dá para ficar sem dinheiro em estaleiro, e eu sempre fico sem dinheiro no meio de um projeto. Se você descobre uma idéia melhor não dá para mudar. Aí surgiu a idéia de fazer um estaleiro. Foi uma idéia ousada. Está funcionando até hoje. Se tudo der certo, no final do ano que vem vou fazer um projeto mais maluco ainda, um barco de alta eficiência para trabalhar com passageiros. Não vai ser à vela. O meu sonho é dar uma volta ao mundo usando sebo, lixo de matadouro. Ou fazer uma viagem subpolar usando biodiesel de pinhão bravo ou mamona.

FOLHA - O que você acha do biocombustível?

KLINK - A gente está meio maravilhado com o programa brasileiro. É maravilhoso, de fato. Não só de biodiesel, mas de combustíveis alternativos. Mas tem sempre um outro lado que precisamos questionar, que é o problema da monocultura. A cana-de-açúcar consome as terras mais nobres do Brasil.

FOLHA - A simplicidade é uma idéia básica para o seu futuro barco?

KLINK - Quero usar a eficiência dos catamarãs de competição, o avanço de opções de design e alta eficiência para trabalhar em um regime mais econômico. O Paratii 2, um monstro de um veleiro, é mais barato de manter do que um veleirinho de clube, gasta menos do que um barco que tem um décimo do tamanho. Não enche o saco, não tem coisa para ficar consertando e arrumando.

FOLHA - Você conta no seu livro que perdeu a paciência com um patrocinador. E mesmo assim eles são fiéis, acabam te apoiando...

KLINK - A verdade é que eu perdi muitos... (risos) Sempre tive essa dificuldade, não sei ficar puxando o saco. Tem essa coisa de ficar vestindo camisetas que eu não gosto.

FOLHA - Você diz no livro que o seu estaleiro acabou comprando o "torno do Lula", onde ele teve o acidente, é verdade?

KLINK - É um assunto polêmico... Vimos lá e compramos. Esse torno ficou com a gente muito tempo, agora já foi vendido. Na época o Lula estava distante de ser presidente...

FOLHA - Você está otimista com o governo?

KLINK - Esse problema de ética acho que é uma coisa gravíssima. O Brasil tem que começar a pensar numa maneira de não ir até o fundo do poço, como a Colômbia. Perdi meus tios assassinados lá. A Colômbia viveu um caos que ainda não estamos vivendo, mas para o qual estamos caminhando a passos largos. A Colômbia conseguiu em 16 anos reverter esse processo usando uma estratégia de educação. Tem que parar com essa demagogia de construir escolas e começar a qualificar o ensino.

FOLHA - É verdade que o seu casamento foi fruto de uma aposta?

KLINK - A verdade é que eu não queria casar. Estava numa época meio cômoda nesse aspecto. Mas a Marina é uma mulher determinada. Sei que isso no Brasil é pior do que ser estuprador, mas não consigo gostar de futebol. Mesmo assim queria assistir a Copa [de 94] no meu cais. O Brasil estava jogando assustadoramente mal. Daí surgiu de brincadeira a aposta, se o Brasil ganhasse a Copa eu casaria... Acabei casando... (risos)

Especial
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