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02/12/2006 - 00h01

Voz de Bandeira redefine sua poesia; ouça

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SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

"Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo", declama Manuel Bandeira, num verso de "Profundamente". Sua voz é áspera, cortante e parece mesmo vinda de uma outra dimensão.

Sim, é um pouco fantasmagórico escutar o autor, morto há 38 anos, ler pausadamente, com seu forte acento pernambucano, os famosos poemas ("Vou-me Embora Pra Pasárgada", "Estrela da Manhã", "O Cacto"), que estávamos acostumados a ver, desde a escola, ali, presos ao papel impresso.

Mas conhecer a obra de um dos maiores poetas brasileiros, inspiração dos modernistas e inovador no uso do verso livre, por meio de sua própria fala, é uma maneira de compreender, de uma forma mais completa, a riqueza de seu legado.

Ouça Manuel Bandeira declamando "Evocação do Recife"

"50 Poemas Escolhidos pelo Autor", livro que chega agora ao mercado, traz esse bônus mais do que especial. Um CD com 25 desses poemas lidos pelo próprio Manuel Bandeira (1886-1968) e registrados originalmente em três LPs, nos anos 50. "Nas gravações, é possível notar a dureza e a precisão que condizem com o modo de ser de seus poemas", diz o ensaísta e professor de literatura Davi Arrigucci Jr.

"Fica claro o equívoco que a crítica sempre cometeu, ao retratá-lo como um poeta sentimental. Esses registros mostram que isso não era verdade", completa o autor de "Humildade, Paixão e Morte" (Companhia das Letras), em que analisa a obra do poeta.

Os LPs que deram origem ao disco foram lançados pelo selo Festa, que também fez gravações de outros poetas, como Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto. Já a antologia que compõe o livro foi realizada pelo próprio Bandeira, também na década de 50, para a coleção "Cadernos de Cultura", do Ministério da Educação e Cultura.

O lançamento faz parte da reedição da obra do poeta que a editora Cosacnaify iniciou com a publicação de "Crônicas da Província do Brasil" e que seguirá até meados de 2008. Serão mais de dez volumes, que reunirão todas as crônicas, nos livros "Flauta de Papel (1957) "Andorinha, Andorinha" --uma antologia organizada por Carlos Drummond de Andrade quando Bandeira fez 80 anos. Na seqüência, serão lançados os livros com traduções de teatro e os trabalhos ensaísticos.

Poemas falados

No CD, a voz pausada e o tom solene de Bandeira não soam como sinais de erudição, muito pelo contrário. A evocação dos modos de falar do povo e de elementos folclóricos é freqüente e então se percebe como os sons das ruas de cidades em que viveu (como Rio e Recife) se incorporavam à sua poesia.

Em "Berimbau", ele uiva para chamar o saci. Em "Evocação do Recife", canta imitando as meninas que brincavam na rua: "Roseira dá-me uma rosa/ craveiro dá-me um botão". "A poesia de Bandeira se alimenta da oralidade popular, para a qual tinha um ouvido acurado. A fala brasileira é fundamental em sua poesia, que promoveu um casamento sui generis entre o culto e o popular. Essa é a graça de sua lírica", diz Arrigucci.

Para o crítico, o pernambucano se apropriava da cultura popular sem artificialismo, diferentemente do modernista Mário de Andrade. "Bandeira foi um gênio da naturalidade, pois tomava essas referências sem a afetação que se nota em Mário de Andrade", diz.

Tuberculose

Bandeira nasceu no Recife no dia 19 de abril de 1886, em uma família de poucas posses. Em 1903, mudou-se para São Paulo para tentar se matricular na Escola Politécnica, onde pretendia estudar arquitetura. Tinha então 18 anos, e descobriu que estava com tuberculose. "O ócio obrigatório a que foi condenado por causa da doença foi preenchido pela sua imaginação poética", diz Arrigucci.

A enfermidade também o fez ficar obcecado com certos temas e referências, por exemplo, a nostalgia da infância, a morte, a descoberta do sexo e do erotismo e a tristeza. "Bandeira tinha uma ironia trágica com relação ao mundo. Sua lírica referia-se à morte como exaltação do corpo; o erotismo era um modo de aprender por meio da libertinagem, um modo de se familiarizar com o fim da vida".

Apesar de não participar da Semana de Arte Moderna, em 1922, Bandeira teve uma relação estreita com os modernistas, e se correspondeu bastante com Mário de Andrade. "Ele foi o São João Batista do modernismo", diz Arrigucci, que o define também como "o maior poeta pós-simbolista do Brasil, e um dos poucos capazes de criar um universo lírico".

Agora esse universo ressurge, com o timbre e o sotaque do seu criador.

50 poemas escolhidos pelo autor
Autor: Manuel Bandeira
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 49 (88 págs.)

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