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26/12/2006 - 09h52

Novo presidente da Ancine prevê "ciclo de desenvolvimento"

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SILVANA ARANTES
da Folha de S.Paulo

O diretor Manoel Rangel, nomeado neste mês presidente da Agência Nacional do Cinema, diz que "o Brasil tem a chance de ser uma nova Hollywood, guardadas as proporções e as diferenças do nosso jeito de filmar, de criar, de fazer cultura".

Mas Rangel sabe que, antes de cumprir a ambição de "satisfazer não só o mercado interno, mas também oferecer ao mundo algo da diversidade cultural do Brasil", a indústria nacional deve superar os entraves de um mercado "concentrado e distorcido", sua condição atual.

É na implementação da lei do Fundo Setorial do Audiovisual (aprovada neste mês pelo Congresso, com novos mecanismos de fomento ao cinema e mais margem de ação à Ancine) que Rangel avista "um novo ciclo de desenvolvimento", deixando para trás a fase da "retomada".
O ciclo que (provavelmente) termina foi o que viu a produção nacional recuperar vigor, amparada nas leis de renúncia fiscal, mas também abrir mão do empenho em conquistar público. O resultado é que a participação do filme brasileiro nas bilheterias está em queda. Desse e de outros paradoxos ele fala na entrevista a seguir.

Folha - O ano de 2006 teve bilheteria insignificante para a maioria dos filmes brasileiros, além de um número maior de filmes concluídos do que estreados. Há excesso de produto ou gargalo na distribuição?

Manoel Rangel - A produção de filmes brasileira cresceu efetivamente desde 2003. Temos a cada ano cerca de cem títulos sendo filmados; cerca de 80 sendo concluídos e chegamos a dobrar o número de lançamentos. Estamos satisfeitos com isso? Não, porque há inúmeros problemas cercando a produção e a exibição desses filmes. São distorções de um ciclo que vivemos desde 1991 [início da Lei Rouanet] até 2003.

Foi um ciclo exitoso de retomada do cinema brasileiro, mas é um período em que o foco da política cinematográfica foi exclusivamente na produção. Os filmes realizados debaixo dessa política tiveram que lidar com as distorções do mercado no Brasil --um parque exibidor muito pequeno, em que os ingressos acabam sendo muito altos, por causa dessa limitação das salas e de outras distorções, como a que fez com que o uso da meia entrada não tivesse nenhum tipo de controle, saltando de 30% para 70%.

Folha - A bilheteria do filme brasileiro está em queda desde o recorde de 21% do mercado em 2003. Não é indício de desinteresse do público pela produção nacional?

Rangel - 2003 é um ponto fora da curva. Deve ser visto como um ano excepcional. O "market share" [parcela do mercado] do filme brasileiro cresceu ao longo desses anos, em relação a 2002 e a toda a década anterior. De 1990 a 2002 nunca ultrapassamos o patamar de 10%, que foi ultrapassado extraordinariamente em 2003, batendo nos 22%. Fizemos 14,4% em 2004; 12% em 2005 e estamos fechando 2006 com 12%. Houve diminuição de público neste ano, não só do filme brasileiro, mas também do estrangeiro.

Tivemos um grande sucesso nacional ["Se Eu Fosse Você", público de 3,6 milhões]; dois ou três filmes com resultado interessante e um grande número com resultado muito limitado. Uma parte dessas questões tem a ver com o perfil dos filmes. É natural que documentários tenham um público menor.

Há outro conjunto de filmes que poderiam ter um resultado melhor, se tivessem lançamentos mais robustos, se o circuito exibidor estivesse mais ramificado em segmentos da população diferentes do A e B e se esses filmes tivessem contado com um planejamento mais intenso da idéia de que são uma obra de arte e também um produto que será comercializado.

Folha - Essa é uma defesa da idéia de que os filmes tenham necessariamente associação com uma distribuidora antes de serem filmados?

Rangel - Não seria taxativo em dizer associação anterior com distribuidora, mas diria um pensamento na fase de produção fortemente marcado pela idéia do lançamento comercial.

Folha - Como exigir compromisso comercial dos filmes brasileiros, se eles se pagam antes do lançamento, já que têm a produção inteiramente subsidiada pelas leis de incentivo?

Rangel - Precisamos estimular a disposição de correr riscos nessa atividade. Nenhuma produtora, quando se lança a realizar um filme, tira de seu horizonte a possibilidade de obter lucro, independentemente de ter um subsídio integral da realização da obra.
Mas é evidente que a mecânica dos incentivos fiscais, da forma como foi concebida nos últimos anos, não estimulou um planejamento obsessivo desse retorno, não colocou isso como uma precondição.

O fato de não haver uma demanda pelo produto brasileiro no conjunto dos segmentos de mercado dificulta [o lucro]. Nenhum filme se paga só no mercado de salas, em nenhum lugar, nem nos EUA. Ter todos os segmentos comprando e pagando o preço justo por um produto brasileiro é importante para a obtenção do retorno.

Com isso não faço uma absolutização do resultado econômico. Acho plenamente justificável que alguns filmes se realizem mais como aposta autoral do que comercial. Uma cinematografia precisa de filmes que levem à descoberta de novos espaços da sensibilidade, para reforçá-la como um todo.

Folha - Diante da tendência de queda de público nas salas, com migração para o mercado de vídeo doméstico, não é anacrônico defender a expansão do parque exibidor?

Rangel - Não, porque, embora haja no contexto internacional uma competição cada vez mais intensa entre o mercado de vídeo doméstico e o de salas de cinema, continua havendo uma valorização importante do mercado de salas.

O déficit que temos no Brasil permite dizer com segurança que estamos muito longe do ponto ótimo do parque exibidor. Temos uma sala de cinema para cada 90 mil habitantes. A Argentina tem uma sala para cada cerca de 40 mil habitantes; o México, uma sala para cada cerca de 35 mil habitantes.

Portanto temos espaço para expansão do nosso mercado de salas. É preciso que a gente tenha no Estado brasileiro essa preocupação, o que significa ter políticas de financiamento.

Folha - O sr. disse que nenhum filme se paga só no mercado de salas. A ausência do filme nacional da TV não é o grande nó no caso brasileiro?

Rangel - Esse é um importante nó do mercado. Há outros, como o fato de os números do mercado de vídeo e DVD ainda serem pouco conhecidos dos produtores e dos agentes econômicos. Temos a programação de TV por assinatura como um mercado importante e também não devidamente potencializado para o filme nacional.

Eu diria que os problemas no mercado de salas, que são gritantes, são apenas a ponta do iceberg. Temos problemas no conjunto dos outros segmentos do mercado. Por isso a Ancine tem uma competência de fomento, outra de regulação e uma terceira, ainda mais radicalmente importante, que é de desenvolvimento econômico.

Folha - Se a oposição das TVs abertas ao projeto da Ancinav pode ser lida como uma recusa ao debate sobre o lugar do filme brasileiro nesse segmento, como a Ancine ainda pretende intervir nessa questão?

Rangel - A decisão do presidente Lula naquele momento, de destrinchar o assunto e decidir que não era oportuno criar uma agência reguladora de todo o audiovisual [a Ancinav] antes de criar um marco regulatório relativo à comunicação social eletrônica foi acertada, no sentido de que responsabiliza a sociedade brasileira por encontrar os caminhos de lidar com as questões da comunicação eletrônica no Brasil.

Mas o presidente tomou também a decisão de dar curso a uma parte importante do projeto da Ancinav, com as ações de desenvolvimento do cinema e do audiovisual e o reforço da Ancine. O presidente deu à Ancine e ao Ministério da Cultura instrumentos para, por outros caminhos, forçar o processo de parceria entre o cinema e a TV.

Um exemplo disso é a criação do Fundo Setorial do Audiovisual [recém-aprovado no Congresso, que aguarda sanção presidencial]. O artigo 3º A dessa lei vai permitir que as televisões e as programadoras de TV por assinatura participem fortemente da produção de filmes e de obras audiovisuais de produção independente para a TV. Esse artigo vai mudar a mentalidade dos executivos de TV e dos produtores independentes, caminhando para uma sinergia.

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