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18/01/2007
-
09h16
TETÉ RIBEIRO
Colaboração para a Folha de S.Paulo
Depois que "Babel" recebeu o Globo de Ouro de melhor filme na categoria drama, na última segunda-feira, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu agradeceu aos jornalistas estrangeiros que votam na premiação fazendo graça com sua condição de mexicano que atravessou a fronteira e foi parar em Hollywood.
O prêmio foi entregue pelo ex-ator forçudo e atual governador republicano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, um imigrante que virou um notório caçador de imigrantes ilegais e que ouviu de Iñárritu a provocação "juro que meus papéis estão todos em dia".
O timing não poderia ser melhor. "Babel", que estréia amanhã no Brasil, é falado em cinco línguas, rodado em três continentes e trata justamente das dificuldades de entendimento entre as diferentes culturas. O elenco reúne Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael García Bernal, atores japoneses e atores --e não-atores-- do norte da África.
São quatro histórias entrelaçadas, um tipo de narrativa que o diretor já havia usado em seus longas anteriores, "Amores Brutos" e "21 Gramas". "Tenho a impressão de que estou fazendo sempre o mesmo filme", disse ele em entrevista à Folha durante o Festival de Toronto, no Canadá, em setembro do ano passado. Confira trechos da conversa a seguir.
FOLHA - Assim como os seus filmes, você está expandindo -começou fazendo comerciais no México, chegou ao cinema mexicano e, agora, ao cinema de Hollywood.
ALEJANDRO IÑÁRRITU - Na superfície, sim, estou expandindo, atingindo mais gente. Mas meus três filmes são muito semelhantes. Tenho a impressão de que estou fazendo sempre o mesmo filme, em diferentes versões. Todos eles falam de pais e filhos e de perdas importantes. Acredito que eles funcionem como uma trilogia.
FOLHA - É por isso que você manteve o mesmo roteirista, Guillermo Arriaga, e o mesmo diretor de fotografia, Rodrigo Pietro, apesar de contratar atores cada vez mais caros?
IÑÁRRITU - Não, mantenho esses profissionais exatamente porque eles são baratos [risos]. Eu preciso contratar uns mexicanos por pouco dinheiro para conseguir pagar o Brad Pitt.
FOLHA - O que foi preciso para que se superasse a barreira da língua nas filmagens? Mais tempo, mais dinheiro, mais paciência?
IÑÁRRITU - Há muitas formas de superar a barreira da língua. Nós damos um jeito de nos comunicar, seja usando mímica, urros ou o movimento dos olhos. O mais difícil de traduzir não é a linguagem, mas o ponto de vista, o jeito de ver a vida, o que é permitido ou não em cada cultura, o que é considerado certo ou errado, gentil ou grosseiro, essas sutilezas.
FOLHA - Quer dizer que tradutores não seriam suficientes para que todo mundo se entendesse?
IÑÁRRITU - Não, e esse é o tema do filme. A maior barreira é a que existe dentro de cada sociedade, dentro de cada pessoa. Não são barreiras físicas, são barreiras sociais, emocionais, como o preconceito, os arquétipos. Quem vê uma pessoa de origem árabe hoje em dia já pensa que pode ser um terrorista, assim como quem vê um mexicano já acha que é um bêbado. Isso, sim, me interessa.
FOLHA - Os mexicanos nos seus filmes não fazem muito para mudar essa idéia...
IÑÁRRITU - Não tenho a intenção de mostrar os mexicanos de um jeito mais palatável para o resto do mundo. A vida no México é complicada, e há muita gente como a personagem da Adriana Barraza [Amelia], que deixa seus filhos para trás, atravessa a fronteira ilegalmente para cuidar dos filhos dos outros e ganhar algum dinheiro. Não quero julgar meus personagens, cada um vive sua vida como acha que deve. É por isso que a história é complexa, não há mocinhos nem bandidos.
FOLHA - Você tem um ponto de vista claro sobre o incidente no Marrocos. A turista americana é atingida por uma bala, e isso vira notícia no mundo todo antes que ela consiga ser atendida por um médico. A busca pelo "culpado" é imediata.
IÑÁRRITU - Claro, há um comentário político embutido nessa história, e é o meu ponto de vista sobre a política externa dos EUA. É um autoritarismo absurdo. Quando uma coisa dessas acontece, o governo americano imediatamente imagina que há um inimigo em ação. Qualquer país muçulmano é suspeito, não é por acaso que eles cometem tantos erros. Queria retratar essa loucura naquela parte da narrativa.
FOLHA - Com tudo isso dito, você optou por sair do México e se mudar para a Califórnia. Como essa mudança o afetou?
IÑÁRRITU - Foi complicado tomar essa decisão. Mas, uma vez que a decisão foi tomada, minha família e eu nos unimos e decidimos fazer o melhor com o que estava nas nossas mãos. Profissionalmente foi produtivo, me fez ter novas idéias, mas, pessoalmente, é estranho, não me sinto em casa, tenho saudades do meu país e sei que minha família também sofre com isso.
A jornalista TETÉ RIBEIRO viajou ao Festival de Toronto a convite da Paramount.
Especial
Leia o que já foi publicado sobre o Globo de Ouro
Diretor de premiado "Babel", Alejandro Iñárritu, critica a política externa dos EUA
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Colaboração para a Folha de S.Paulo
Depois que "Babel" recebeu o Globo de Ouro de melhor filme na categoria drama, na última segunda-feira, o diretor mexicano Alejandro González Iñárritu agradeceu aos jornalistas estrangeiros que votam na premiação fazendo graça com sua condição de mexicano que atravessou a fronteira e foi parar em Hollywood.
O prêmio foi entregue pelo ex-ator forçudo e atual governador republicano da Califórnia, Arnold Schwarzenegger, um imigrante que virou um notório caçador de imigrantes ilegais e que ouviu de Iñárritu a provocação "juro que meus papéis estão todos em dia".
O timing não poderia ser melhor. "Babel", que estréia amanhã no Brasil, é falado em cinco línguas, rodado em três continentes e trata justamente das dificuldades de entendimento entre as diferentes culturas. O elenco reúne Brad Pitt, Cate Blanchett, Gael García Bernal, atores japoneses e atores --e não-atores-- do norte da África.
São quatro histórias entrelaçadas, um tipo de narrativa que o diretor já havia usado em seus longas anteriores, "Amores Brutos" e "21 Gramas". "Tenho a impressão de que estou fazendo sempre o mesmo filme", disse ele em entrevista à Folha durante o Festival de Toronto, no Canadá, em setembro do ano passado. Confira trechos da conversa a seguir.
FOLHA - Assim como os seus filmes, você está expandindo -começou fazendo comerciais no México, chegou ao cinema mexicano e, agora, ao cinema de Hollywood.
ALEJANDRO IÑÁRRITU - Na superfície, sim, estou expandindo, atingindo mais gente. Mas meus três filmes são muito semelhantes. Tenho a impressão de que estou fazendo sempre o mesmo filme, em diferentes versões. Todos eles falam de pais e filhos e de perdas importantes. Acredito que eles funcionem como uma trilogia.
FOLHA - É por isso que você manteve o mesmo roteirista, Guillermo Arriaga, e o mesmo diretor de fotografia, Rodrigo Pietro, apesar de contratar atores cada vez mais caros?
IÑÁRRITU - Não, mantenho esses profissionais exatamente porque eles são baratos [risos]. Eu preciso contratar uns mexicanos por pouco dinheiro para conseguir pagar o Brad Pitt.
FOLHA - O que foi preciso para que se superasse a barreira da língua nas filmagens? Mais tempo, mais dinheiro, mais paciência?
IÑÁRRITU - Há muitas formas de superar a barreira da língua. Nós damos um jeito de nos comunicar, seja usando mímica, urros ou o movimento dos olhos. O mais difícil de traduzir não é a linguagem, mas o ponto de vista, o jeito de ver a vida, o que é permitido ou não em cada cultura, o que é considerado certo ou errado, gentil ou grosseiro, essas sutilezas.
FOLHA - Quer dizer que tradutores não seriam suficientes para que todo mundo se entendesse?
IÑÁRRITU - Não, e esse é o tema do filme. A maior barreira é a que existe dentro de cada sociedade, dentro de cada pessoa. Não são barreiras físicas, são barreiras sociais, emocionais, como o preconceito, os arquétipos. Quem vê uma pessoa de origem árabe hoje em dia já pensa que pode ser um terrorista, assim como quem vê um mexicano já acha que é um bêbado. Isso, sim, me interessa.
FOLHA - Os mexicanos nos seus filmes não fazem muito para mudar essa idéia...
IÑÁRRITU - Não tenho a intenção de mostrar os mexicanos de um jeito mais palatável para o resto do mundo. A vida no México é complicada, e há muita gente como a personagem da Adriana Barraza [Amelia], que deixa seus filhos para trás, atravessa a fronteira ilegalmente para cuidar dos filhos dos outros e ganhar algum dinheiro. Não quero julgar meus personagens, cada um vive sua vida como acha que deve. É por isso que a história é complexa, não há mocinhos nem bandidos.
FOLHA - Você tem um ponto de vista claro sobre o incidente no Marrocos. A turista americana é atingida por uma bala, e isso vira notícia no mundo todo antes que ela consiga ser atendida por um médico. A busca pelo "culpado" é imediata.
IÑÁRRITU - Claro, há um comentário político embutido nessa história, e é o meu ponto de vista sobre a política externa dos EUA. É um autoritarismo absurdo. Quando uma coisa dessas acontece, o governo americano imediatamente imagina que há um inimigo em ação. Qualquer país muçulmano é suspeito, não é por acaso que eles cometem tantos erros. Queria retratar essa loucura naquela parte da narrativa.
FOLHA - Com tudo isso dito, você optou por sair do México e se mudar para a Califórnia. Como essa mudança o afetou?
IÑÁRRITU - Foi complicado tomar essa decisão. Mas, uma vez que a decisão foi tomada, minha família e eu nos unimos e decidimos fazer o melhor com o que estava nas nossas mãos. Profissionalmente foi produtivo, me fez ter novas idéias, mas, pessoalmente, é estranho, não me sinto em casa, tenho saudades do meu país e sei que minha família também sofre com isso.
A jornalista TETÉ RIBEIRO viajou ao Festival de Toronto a convite da Paramount.
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