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16/03/2007 - 08h00

"Eu sou pequeno perto de Jobim", diz Henri Salvador ; confira entrevista

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LENEIDE DUARTE-PLON
Colaboração para a Folha, em Paris

Henri Salvador, 89, foi anunciado neste ano em um especial de TV sobre um século da canção francesa como o "inventor da bossa nova brasileira". No palco, disse que sua música "Dans Mon Île" (Na Minha Ilha) "inspirou Tom Jobim a criar a bossa nova" e cantou "Eu Sei que Vou te Amar", de Tom e Vinicius, em versão francesa de Georges Moustaki. Ninguém informou que a canção nem é francesa.

Meses atrás, o jornal "Le Monde" questionava: "Henri Salvador foi, como ele diz, o inventor da bossa nova com a canção 'Dans Mon Île'?". Num programa de rádio, atribuiu-se a ele a criação da bossa nova. Não é de admirar que na Wikipédia (enciclopédia virtual em que qualquer pessoa pode escrever) a informação persista. Ainda que no condicional.

Seu amigo Moustaki, que traduziu "Águas de Março" para o francês, com Tom Jobim, diz à Folha: "Acho que Salvador acredita sinceramente nisso, mas não estou de acordo".

Ao lançar o disco "Révérence", gravado no Rio, Salvador recebe a Folha em seu apartamento na Place Vendôme, em Paris. Estende a mão e pergunta "Como vai você?" para mostrar que ainda fala a língua que aprendeu no Brasil, em 1940. Mas dá a entrevista em francês, reclamando do cansaço da batalha contra um vírus, que o levou ao hospital. O bom humor volta ao falar do Brasil.

Salvador ri de maneira escancarada. Suas gargalhadas ecoam no apartamento. Na entrevista, o velho "crooner" fascinado por músicos brasileiros demonstra espanto ao saber que a batida da bossa nova foi criada pelo violão de João Gilberto ("Verdade? Não sabia.") e diz que é "exagero" chamá-lo de "inventor" do gênero.

Confira a seguir a íntegra da entrevista:

Folha - Por que você gravou o disco "Révérence" no Rio?

Henri Salvador - Gravei no Brasil por causa de Morelembaum. Fui ver Caetano Veloso em Paris, e Morelembaum tocava com ele. Quando ouvi os arranjos, disse a mim mesmo: é esse cara que vai fazer meu próximo disco. Fui vê-lo depois no "New Morning" em Paris e lhe pedi que fizesse os arranjos. Ele disse, "Salvador, com muito prazer, eu conheço você". Para facilitar, eu lhe disse que eu poderia ir gravar no Brasil, assim ele poderia trabalhar em português com os músicos. Ele ficou encantado. Os músicos eram do grupo de Jobim.

Folha - Em que você pensou quando escolheu o título?

Henri Salvador- É a última vez que vou me apresentar em público no palco. Sou um velho. Então, faço a reverência e saio.

Folha - Você começou uma turnê que vai incluir show em Monte Carlo, onde festeja seus 90 anos. Aposentadoria nem pensar?

Henri Salvador - Faço primeiro Monte Carlo, depois a Salle Pleyel e depois o Palais des Congrès. Termino a minha despedida na Ópera de Paris. Detesto a palavra aposentadoria, "retraite" em francês, que quer dizer se retirar. É uma abdicação.

Folha - Então você não se aposenta completamente.

Henri Salvador - Não deixo de gravar meus discos, mas paro de me apresentar ao vivo porque é cansativo e não quero dar a imagem de um velho no palco. Será a última vez que vão me ver no palco. Sou um homem idoso.

Folha - Que compositores brasileiros você canta no disco?

Henri Salvador - Há apenas uma canção de Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, "Eu Sei que Vou te Amar", na versão de Georges Moustaki. As outras são minhas.

Folha - Você disse à imprensa brasileira: "O Brasil está ligado à minha vida e tem a melhor música do mundo". Qual sua relação com a música brasileira?

Henri Salvador - Para mim, é a melhor música não somente porque tem muitos talentos mas porque eles são vanguardistas, se arriscam musicalmente e harmonicamente. Jobim foi muito, muito longe e a maior parte dos compositores são surpreendentes, fazem grandes achados musicais. O maior, porque é o maior, eu o chamo de Deus, é Jobim. Ele é sempre surpreendente. É pura pesquisa musical.

Folha - Qual a importância que a música brasileira teve em sua carreira?

Henri Salvador - Foi muito importante. Para compor, por exemplo. Componho mais facilmente no ritmo da bossa nova, ele inspira melodias.

Folha - E qual a importância do jazz na sua vida?

Henri Salvador - O jazz foi importante no início. Eu admirava os grandes como Count Basie e Duke Ellington. Havia um compositor americano que eu adorava, Cole Porter. Para mim, era um melodista maravilhoso. O jazz foi muito importante no início, depois mergulhei na música brasileira, que é inovadora. No Brasil, há sempre alguém que chega e faz coisas novas. É um país muito rico. E existem músicos que se aproximam de Chopin. Tem um pianista que me deixou abismado num disco.

Folha - Quem é?

Henri Salvador - Não lembro o nome dele.

Folha - Que cantores marcaram seu estilo, suas interpretações?

Henri Salvador - Minhas composições são uma mistura de tudo, de jazz, de bossa nova e da canção francesa também. Meu ídolo no "music hall" era Maurice Chevalier. Ele pegava uma canção sem importância e fazia uma obra-prima. Tecnicamente, eu me inspirei em Frank Sinatra e Nat King Cole para a respiração, a dicção e a escolha das canções. Eles estavam na vanguarda. Foram os melhores cantores dos melhores compositores, com as melhores orquestras. Sinatra dizia que, quando se canta, é melhor cantar uma canção boa que uma ruim; uma canção ruim é ruim para toda a eternidade.

Folha - No especial de televisão para lembrar cem anos de canção francesa, você só cantou uma música, e foi "Eu Sei que Vou te Amar", de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, em versão de Georges Moustaki. Por que você escolheu esta canção num especial sobre a canção francesa?

Henri Salvador - Foi uma feliz coincidência. Quando eu fui ao Brasil, descobri essa canção, que eu não conhecia. Perguntei a Moustaki e ele me disse que ela é um enorme sucesso no Brasil. É uma bela composição que tem uma lógica musical muito linda.

Folha - E foi você quem a escolheu para a festa da canção francesa?

Henri Salvador - Sim. Eu escutei um disco de Jobim maravilhoso, super de vanguarda, com uma grande orquestra, quase sinfônico, formidável. Mas eu não sabia que ele tinha ido tão longe. Era realmente um maravilhoso compositor, lamento não tê-lo conhecido. Eu moro perto do Olympia e eles vieram aqui, Jobim, Vinicius e um grupo. E eu não pude ir.

Folha - Você não conheceu Tom nem Vinicius?

Henri Salvador - Não.

Folha - Mas você conhece João Gilberto?

Henri Salvador - Sim, fui vê-lo em Paris.

Folha - Você conhece também Caetano Veloso, que canta "Dans Mon Île" sempre que vem a Paris.

Henri Salvador - Sim, foi ele quem quis a canção "Eu Sei que Vou te Amar" no meu novo disco.

Folha - Numa longa matéria sobre a bossa nova, "Bossa nova, une passion française", o "Le Monde" escreveu: "Henri Salvador foi, como ele diz, o inventor da bossa nova com sua canção 'Dans Mon Île'? Tom Jobim teria tido a idéia de desacelerar o 'tempo' do samba depois de ter visto o filme italiano para o qual foi composto este bolero". O que você pensa dessa história e como você explica a batida da guitarra de João Gilberto e a harmonia ultra-sofisticada da bossa-nova, que Tom Jobim atribuía a uma mistura do samba-canção com o jazz?

Henri Salvador - Foi um grande músico brasileiro, cujo nome não lembro, quem me disse: "Você sabe que você está na origem da bossa nova?" Eu disse: "Não é possível". Ele me disse: "O Tom Jobim ouviu sua música 'Dans Mon Île' num filme italiano e disse: "É isso que tenho que fazer, desacelerar o tempo do samba".

Folha - Não seria um exagero dizer que você é o "inventor" da bossa nova?

Henri Salvador - Não sou o inventor. Foi Jobim quem inventou a bossa nova.

Folha - No início, foi João Gilberto quem inventou a batida do violão e uma nova maneira de cantar que foi batizada de bossa nova. Ele gravou um disco com Elizeth Cardoso e Tom Jobim, no qual tocava violão em duas faixas, de maneira totalmente nova.

Henri Salvador - Verdade? Não sabia.

Folha - A imprensa francesa repete muito essa história que atribui a você a invenção da bossa nova. Isso o incomoda?

Henri Salvador - Eles estão errados. Não posso me atribuir esse fato, não fui eu. Não gosto que digam que sou o inventor da bossa nova. Não sou capaz, sou apenas um pequeno compositor comparado a Jobim. É um exagero, sou um pequeno melodista da canção francesa. Jobim é um gigante. Fiquei contente quando fui ao Brasil no ano passado, ao ver que o aeroporto do Rio se chama Jobim. Nunca isso aconteceria na França... Mas tive um choque ao ouvir um saxofonista que tocava mas era uma ... merda. O aeroporto se chama Jobim e não se põe alguém que saiba tocar bem para executar as belas músicas de Jobim. Isso me deixou triste.

Folha - Você vai fazer uma turnê no Brasil para promover o disco?

Henri Salvador - Vamos fazer. Morelembaum quer que eu faça com ele. Mas sou uma coisa velha. Mas o público brasileiro é muito caloroso. Preciso preparar algumas frases em português engraçadas.

Folha - Você foi ao Brasil pela primeira vez em 1940 para cantar com a orquestra de Ray Ventura. Quais suas lembranças dessa época?

Henri Salvador - Eu andei por todo lado, Minas Gerais, Salvador. Cantei no Cassino da Urca, no Quitandinha, em Niterói. Mas o que me agrada no Brasil... É tudo. Os brasileiros são calorosos, recebem bem e amam o francês. Eles adoram a França, isso me surpreendeu. Todo mundo fazia um esforço para dizer algumas palavras em francês. Eu me dou bem com o Brasil porque sou da Guyana e por isso me sinto muito próximo. Há muito calor humano.

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