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14/04/2007 - 09h00

Pedro, o infeliz

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SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

Seu palácio era uma bagunça. Suas viagens, feitas com dinheiro emprestado. E, enquanto jornais e panfletos eram publicados tirando sarro de seus modos, ele seguia defendendo a liberdade de imprensa. Parece este o retrato de um imperador de uma tradicional linhagem européia do Antigo Regime?

D. Pedro 2º e o modo muito peculiar como governou o Brasil por quase meio século (49 anos, três meses e 22 dias, exatamente) já foram motivo de inúmeros ensaios e biografias.

O que o historiador mineiro José Murilo de Carvalho faz agora, em "D. Pedro 2º - Ser ou Não Ser", é, justamente, sugerir como tantas contradições esconderam, no fundo, um homem triste por trás da máscara de poderoso monarca.

O livro, lançado pela coleção "Perfis Brasileiros", é um retrato descaradamente simpático do personagem. Mas que, atualizado com recente bibliografia, derruba alguns mitos -entre eles, por exemplo, a idéia de que d. Pedro 2º (1825-1891) não era tão mulherengo como o pai.

Leia abaixo trechos da entrevista que Carvalho, 67, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor de importantes estudos sobre o Brasil do século 19 ("Os Bestializados" e "A Formação das Almas"), concedeu à Folha.

FOLHA - O sr. diz que a maioria das biografias de d. Pedro 2º tendem a ser simpáticas a ele. A sua segue essa tendência. O sr. concorda?

JOSÉ MURILO DE CARVALHO - Concordo. Não consigo conceber boa biografia sem que haja alguma simpatia pelo biografado. A base da simpatia é que é um tanto diferente em meu texto. A maioria das biografias se concentrou no lado político. Havia uma grande batalha entre as biografias laudatórias de monarquistas e os panfletos críticos de republicanos. Minha simpatia vai mais para a pessoa e seus dramas, sem esquecer o papel político que é avaliado, espero, de maneira equilibrada.

FOLHA - O sr. diz que não é possível duvidar de que d. Pedro 2º fosse apaixonado pelo Brasil e que isso parece conflitante com o fato de que ele havia crescido afastado da realidade das ruas. Como explica isso?

CARVALHO - A paixão pelo Brasil é um ponto para o qual não encontrei resposta satisfatória. A explicação psicológica que sugiro, uma identificação com o país devido à ausência de um modelo paterno e maneira de valorizar a si mesmo, não passa de sugestão. Foi aventada porque o senso de dever absorvido na educação não me pareceu capaz de dar conta da paixão. Dever é mais razão, ponto também forte na psicologia do imperador. Mas isso não explica as saudades do exílio, os sonhos de regresso, o punhado de terra brasileira usado como travesseiro mortuário.

FOLHA - O que contou mais para a infelicidade de d. Pedro 2º, a orfandade, a pressão durante a formação, a impossibilidade de ter uma outra vida que não aquela ou a timidez?

CARVALHO - Não quis fazer uma biografia como a de Joaquim Nabuco sobre o pai ["Um Estadista do Império", 1899]. Não tenho a competência de Nabuco e não queria fazer mais uma história do Segundo Reinado, o que ele faz magnificamente. Chamou-me a atenção o desajuste entre os sentimentos e os deveres, entre os prazeres da leitura, das artes, das viagens, das mulheres, das conversações eruditas e a dura e, para ele, exaustiva tarefa de governar, agravada pelos rituais monárquicos. Essa, a meu ver, é a principal razão pela qual Pedro de Alcântara foi uma pessoa infeliz.

FOLHA - Pode-se dizer que d. Pedro 2º era um "democrata"?

CARVALHO - D. Pedro 2º não se considerava governante ilegítimo por ter herdado o posto de chefe de Estado, embora tivesse dito preferir ser presidente de uma república. Se tomarmos o termo democrático como significando respeito por outras opiniões, tolerância com a oposição, liberdade de opinião e de imprensa, o único governante republicano que poderia rivalizar com ele seria Juscelino Kubitschek.

FOLHA - Sua vida amorosa não é tão alardeada como a do pai. Hoje há interesse maior com relação a esse aspecto? A correspondência com a condessa de Barral, sua amante, foi devidamente estudada?

CARVALHO - Esse tema ficou por muito tempo na penumbra. Ele foi educado para não imitar o pai mulherengo. Era discreto em suas aventuras. Só pasquins ousavam sugerir aventuras extraconjugais. Foi a doação das cartas a Barral ao Museu Imperial por um neto da condessa em 1948 que forçou uma revisão deste lado da biografia. A revelação causou surpresa e perturbação entre os guardiões da memória do monarca. A meu ver, enriqueceu muito a figura humana do imperador.

FOLHA - No capítulo em que descreve o abandono do palácio, nota-se que o imperador tinha um certo pânico com relação à idéia de que achassem que ele enriquecia indevidamente. É correto?

CARVALHO - D. Pedro 2º não tinha apreço pelo que se convencionou chamar de sociedade de corte. Por esse lado, sua educação foi republicana. Sua viagem aos EUA é quase cômica quando ele se revela muito menos preocupado com recepções e rituais do que seus anfitriões. A corte de Brasília é mais pomposa do que foi a de Pedro 2º. A preocupação em não gastar à toa dinheiro público era parte da sobriedade. Quem pedia dinheiro emprestado para viajar não gastaria dinheiro público em celebrações.

FOLHA - D. Pedro 2º revela-se muito metódico em seus diários. Esse aspecto resulta do modo como ele foi fabricado para governar?

CARVALHO - Os diários do imperador são terrivelmente chatos. Ele anota distâncias, temperaturas, horários. Aparecia aí o burocrata, a máquina de governar a que o tentaram reduzir. Mas creio que pode estar presente também a influência dos livros dos naturalistas que visitaram o Brasil. D. Pedro 2º não viajava pelo país sem levá-los para conferir sua exatidão.

FOLHA - D. Pedro 2º definia-se como homem dos livros e das ciências e dizia que preferia que o pai tivesse governado mais tempo para que pudesse viajar. O que acha que teria feito se não tivesse que virar rei?

CARVALHO - Você me pede uma história imaginada. A mesma educação que buscou fazer dele uma máquina de governar tornou-o também leitor voraz, curioso insaciável pelas ciências e as artes. Faria diferente se não tivesse que governar? Faria, sem dúvida, diferente. Mas ele tinha talento medíocre para as letras e as ciências. Lia tudo, sabia tudo, mas não era um criador. Poderia ter sido outro tipo de infeliz: um escritor ou cientista frustrado.

D. PEDRO 2º - SER OU NÃO SER
Autor: José Murilo de Carvalho
Lançamento: Companhia das Letras
Preço: R$ 37 (269 págs.)
 

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