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18/05/2002 - 01h05

A morte anunciada do Napster e as reencarnações do MP3

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FRANCISCO MADUREIRA
Editor de Informática da Folha Online

Pensar na semana que passou para a Napster foi imaginar a procissão do caixão entre o velório e o túmulo. A empresa foi alvo de rumores de falência na terça-feira depois que seu diretor executivo pediu demissão, acabou nas mãos da alemã Bertelsmann, dona da gravadora BMG, final esperado para a história. E também o selo de morte para o programa —mesmo que ele volte, será pago e muito, mas muito limitado.

Já que falei em morte, vou aproveitar para falar de reencarnação. Uma mesma alma, que volta à vida sucessivamente. Durante os séculos, ela toma para si diferentes corpos até atingir seu objetivo.

Agora pense na música na internet. Há dois pares de anos surgiu o MP3, formato que comprime as ondas sonoras e facilita o tráfego de arquivos de som pela rede.

O MP3 toma, num primeiro momento, os sites hospedeiros como corpo. Geocities, Xoom, Terravista etc. —todos lotados de arquivos, música que podia ser encontrada com uma simples busca no Yahoo! ou no Altavista, na época os maiores buscadores da web para o Brasil.

Depois, com o processo aberto pelas grandes gravadoras dos Estados Unidos, esses grandes hospedeiros de sites começam a coibir o armazenamento de músicas em suas páginas. Tiram do ar sites que possuíam arquivos MP3 hospedados em seu espaço. Links quebrados para tudo o que é lado.

Então o MP3 reencarna, dessa vez num corpo mais evoluído, o do Napster. Internautas do mundo todo estão sob um mesmo telhado. Podem trocar músicas entre si. Álbuns aparecem na internet antes mesmo dos CDs nas lojas. Aquele artista de quem você sempre ouviu falar, mas nunca tinha comprado um CD porque em seu país não existia —agora há acesso à sua música. O download corre solto. As gravadoras, enraivecidas.

Então a Justiça, como órgão que regulamenta e dá o aval ao poder econômico, condena o Napster por pirataria e ordena, em julho de 2001, que o serviço fique fora do ar até que consiga filtrar 100% de todo conteúdo pirata trocado pelos seus mais de 70 milhões de usuários.

Mas o MP3 —o "espírito do mal", o "coisa-ruim" dos CDs, "exu" dos lucros da indústria cultural, o "tinhoso" dos santos usuários da internet— continuou sua saga. E, para resumir a história, encarnou em diversos outros corpos. Gnutella, WinMX, LimeWire, iMesh, Morpheus, Grokster, KaZaA etc.

Se for continuar esse texto com ar religioso, chega então o momento de encontrar um significante, um nome para as gravadoras. Chamarei essas brilhantes associações de empresários da música de Santa Inquisição daqui em diante.

As similaridades são bárbaras. Em primeiro lugar, essas instituições têm o monopólio da ligação entre o homem e Deus —a arte, nesse caso. Elas também "queimam" quem contraria sua ideologia. Por último, como o Santo Ofício, são entidades completamente atrasadas em relação às ciências do homem de sua época.

O Napster existe há mais de três anos. A troca de música pela internet já virou febre. E só há poucas semanas estrearam na internet os serviços pagos das gravadoras —Musicnet e Pressplay— para que os internautas baixem "legalmente" suas músicas.

Cada um desses serviços tem músicas de artistas diferentes, que têm contratos com gravadoras diferentes. Para ter acesso a um número similar de artistas e baixar legalmente as mesmas músicas que você baixa de graça hoje no KaZaA, seria necessário assinar os dois serviços.

Além do mais, depois de baixar as músicas para seu computador, você não poderia gravá-las num CD para ouvir no carro ou passá-las para seu toca-MP3.

Afinal, o que a Santa Inquisição quer? Ou melhor: até quando ela acha que pode dizer aos seus fiéis que a Terra é o centro do universo?

Se eu compro um CD, tenho direito pessoal de reproduzir suas músicas. Existe a produção intelectual —a canção— e o suporte material —o CD. O que compro não é o CD, mas o direito sobre as músicas. Portanto, se quiser gravar uma fita, um LP ou um arquivo MP3 com aquela música para tocá-la no meu computador, tenho absoluto direito de fazer isso.

Não bastasse o impedimento de gravar as músicas em CDs ou aparelhos toca-MP3 portáteis, agora o Santo Ofício ainda criou a tecnologia antipirataria de CDs —que nem mesmo de CDs podem ser chamados, porque a patente da Philips sobre o Compact Disc prevê uma técnica de gravação completamente diferente.

Mais uma vez, a lei do direito autoral é usurpada. Tenho o direito sobre a obra intelectual daquele cantor, mas não posso cambiá-la para outro suporte material.

Ninguém em sã consciência é a favor da pirataria —e esse texto não pretende ser uma ode a ela. Mas os tempos mudam, e as gravadoras parecem criança mimada, que ganhou um irmãozinho mais novo e não sabe o que fazer para reconquistar a atenção dos pais. A atitude do Santo Ofício mais parece birra que protesto justo.

Dizem os gurus da administração moderna que o segredo para que uma empresa dê certo é atenção ao mercado, aos desejos de seu mercado. Pois é isso que as gravadoras parecem ter parado de fazer há, no mínimo, cinco anos. Porque a internet passou, e elas não fizeram absolutamente nada de criativo e compensador para satisfazer a demanda dos fãs da música por arquivos digitais.

Que criem um serviço global e unificado. Com um preço justo. Que permita, dentro dos limites da lei, a livre utilização das músicas digitais baixadas pelos internautas.

Quer ver se a pirataria não cai?

Escreva para o autor da coluna @usuário.com
 

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