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16/04/2003
-
10h10
da Folha de S.Paulo
Em entrevista à Folha, a advogada Mitchell Baker, líder do projeto Mozilla (que desenvolve um navegador gratuito e de código aberto), disse, numa referência ao monopólio da Microsoft no mercado de navegadores, que "não é saudável ter apenas um meio de acessar a internet".
Baker está no projeto desde o começo: antes de se juntar a ele, trabalhou na Netscape coordenando a abertura do código do programa Navigator.
Ela acha que as expectativas iniciais do Mozilla foram irreais, mas considera o projeto bem-sucedido. A seguir, leia a íntegra da entrevista, concedida por e-mail.
Folha - Como a senhora vê os primeiros cinco anos do projeto Mozilla, e que avaliação faz do impacto que ele teve?
Mitchell Baker - O projeto Mozilla gerou um navegador de alta qualidade, o que é crítico para manter a abertura do acesso à internet e dos padrões usados nela. O projeto foi um dos primeiros lançados por uma entidade comercial [nota da Redação: a Netscape]. Como tal, foi pioneiro nos esforços crescentes de juntar a metodologia de código aberto [processo em que os criadores de um software revelam seu funcionamento interno a programadores voluntários] a necessidades comerciais e institucionais. Nós somos um projeto com uma enorme comunidade de voluntários, e também muita estrutura. Essa é uma faceta importante do amadurecimento do modelo de desenvolvimento de software com código aberto.
O Mozilla também foi um dos primeiros --talvez o primeiro-- programas de código aberto com alta popularidade entre usuários finais. O projeto Mozilla também ajudou a elevar o perfil do código aberto no mundo comercial. Eric Raymond [escritor e teórico do modelo de código aberto] creditou este projeto como tendo feito uma enorme diferença no interesse empresarial pelo código aberto.
Folha - Quais dos objetivos iniciais foram alcançados?
Baker - O objetivo de produzir um software de alta qualidade para navegação e e-mail foi alcançado. O Mozilla 1.0 recebeu ótimas avaliações [da imprensa especializada], e as versões seguintes mostraram melhoramentos constantes. O objetivo de criar um projeto de código aberto viável também foi alcançado. Nós temos uma comunidade de desenvolvimento e teste vibrante, e várias empresas usam tecnologias Mozilla em seus produtos. O projeto Mozilla também criou um conjunto de componentes [pedaços de software] que se destinam a um mundo que é centrado na internet e cross-platform [baseado em vários sistemas operacionais]. Esses componentes podem ser usados em diversos programas, inclusive alguns que não se parecem com um navegador. Todos os componentes são de código aberto e gratuitos e foram extensamente testados.
Folha - A senhora mudaria alguma coisa se tivesse a chance de voltar no tempo?
Baker - O projeto foi lançado com enorme publicidade e metas extraordinariamente altas. Havia a sensação de que números maçicos de programadores surgiriam instantaneamente. Isso não é realista, pois leva tempo até que as pessoas criem interesse e conhecimento suficientes para participar [do projeto]. Hoje, nós temos uma comunidade diversificada e distribuída, com grande quantidade de programadores vindos de muitas fontes. Esse tipo de realização leva tempo. O projeto teria se beneficiado muito se as expectativas iniciais tivessem sido mais realistas.
Nós também decidimos usar uma nova base para o navegador [abandonando o software anteriormente desenvolvido pela Netscape] depois de seis meses. No longo prazo, isso levou a um programa de muito melhor qualidade, mas mudou o escopo e o cronograma do projeto. Teria sido bom saber disso [da mudança] quando o projeto foi iniciado.
Folha - Quantas pessoas estiveram ativamente envolvidas no desenvolvimento do Mozilla nestes cinco anos?
Baker - Milhares. É muito difícil conseguir números precisos. Um motivo é que a Netscape/AOL não revela quantos de seus funcionários colaboram com o projeto. Nós sabemos que pelo menos 300 a 400 pessoas não-ligadas à Netscape contribuíram para o projeto. Há algumas estatísticas geradas automaticamente (webtools.mozilla.org/miscstats/) que podem ser de interesse. Há milhares de pessoas que contribuem para o controle de qualidade do navegador, e o número de usuários que baixam e testam as principais versões de desenvolvimento (milestones) do Mozilla se aproxima de meio milhão. Qualitativamente, a atuação dos colaboradores não-ligados à Netscape foi enorme.
Folha - Qual a principal vantagem e a principal dificuldade de conduzir um projeto de código aberto?
Baker - A grande vantagem é ter acesso a muitas pessoas inteligentes e motivadas. Nós temos contado com colaboradores importantes em todas as áreas do código [partes do navegador] que constituem o projeto Mozilla. Nós jamais teríamos conseguido encontrar essas pessoas --elas vêm de todas as partes do mundo, de escolas e empresas e com interesses e focos que nós jamais poderíamos imaginar. A dificuldade provavelmente está na mudança dos hábitos de trabalho, para que os colaboradores se acostumem a trabalhar "dentro do aquário" [de acordo com as regras do projeto].
Folha - Qual é sua opinião sobre a parcela de mercado ocupada pelo Internet Explorer? É importante tentar alcançá-lo? Caso seja, como fazer isso?
Baker - A internet está se tornando uma parte cada vez mais importante das nossas vidas. O software de navegação é o meio pelo qual usuários e cidadãos de todo o mundo acessam e manipulam dados via internet. Não é uma situação saudável ter apenas um meio de acessar as informações contidas na internet. Não é saudável ter nossos meios de acessar a internet determinados pelo plano de negócios de um fabricante de software [a Microsoft]. O objetivo do projeto Mozilla é fornecer programas alternativos e de código aberto com os quais as pessoas possam acessar a internet. Isso é um fator crucial para que as necessidades dos usuários e dos cidadãos orientem o desenvolvimento de tecnologias de internet.
O projeto Mozilla fornece uma alternativa tecnicamente viável e vibrante ao Internet Explorer. Isso não é a história toda, pois a distribuição [do programa] também é importante. Mas a distribuição é impossível até que uma alternativa tecnicamente viável exista, e o Mozilla fornece essa alternativa.
Folha - Indo além do cronograma público (www.mozilla.org/roadmap), como a senhora vê o navegador Mozilla daqui a cinco ou dez anos? Que tipo de recursos poderão ser incorporados no futuro?
Baker - A internet é um ambiente diversificado. Os seres humanos podem acessar seus dados e realizar transações na rede de acordo com seus objetivos. Pessoas diferentes escolhem maneiras diferentes de fazer isso: alguns se focam na conveniência, outros em proteger sua privacidade. A inovação retornou aos navegadores, proporcionando mais conveniência aos usuários. Muitos de nós usam aparelhos que não são PCs para acessar a internet, e os programas baseados no Mozilla ajudam a impulsionar a mudança.
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BRUNO GARATTONIda Folha de S.Paulo
Em entrevista à Folha, a advogada Mitchell Baker, líder do projeto Mozilla (que desenvolve um navegador gratuito e de código aberto), disse, numa referência ao monopólio da Microsoft no mercado de navegadores, que "não é saudável ter apenas um meio de acessar a internet".
Baker está no projeto desde o começo: antes de se juntar a ele, trabalhou na Netscape coordenando a abertura do código do programa Navigator.
Ela acha que as expectativas iniciais do Mozilla foram irreais, mas considera o projeto bem-sucedido. A seguir, leia a íntegra da entrevista, concedida por e-mail.
Folha - Como a senhora vê os primeiros cinco anos do projeto Mozilla, e que avaliação faz do impacto que ele teve?
Mitchell Baker - O projeto Mozilla gerou um navegador de alta qualidade, o que é crítico para manter a abertura do acesso à internet e dos padrões usados nela. O projeto foi um dos primeiros lançados por uma entidade comercial [nota da Redação: a Netscape]. Como tal, foi pioneiro nos esforços crescentes de juntar a metodologia de código aberto [processo em que os criadores de um software revelam seu funcionamento interno a programadores voluntários] a necessidades comerciais e institucionais. Nós somos um projeto com uma enorme comunidade de voluntários, e também muita estrutura. Essa é uma faceta importante do amadurecimento do modelo de desenvolvimento de software com código aberto.
O Mozilla também foi um dos primeiros --talvez o primeiro-- programas de código aberto com alta popularidade entre usuários finais. O projeto Mozilla também ajudou a elevar o perfil do código aberto no mundo comercial. Eric Raymond [escritor e teórico do modelo de código aberto] creditou este projeto como tendo feito uma enorme diferença no interesse empresarial pelo código aberto.
Folha - Quais dos objetivos iniciais foram alcançados?
Baker - O objetivo de produzir um software de alta qualidade para navegação e e-mail foi alcançado. O Mozilla 1.0 recebeu ótimas avaliações [da imprensa especializada], e as versões seguintes mostraram melhoramentos constantes. O objetivo de criar um projeto de código aberto viável também foi alcançado. Nós temos uma comunidade de desenvolvimento e teste vibrante, e várias empresas usam tecnologias Mozilla em seus produtos. O projeto Mozilla também criou um conjunto de componentes [pedaços de software] que se destinam a um mundo que é centrado na internet e cross-platform [baseado em vários sistemas operacionais]. Esses componentes podem ser usados em diversos programas, inclusive alguns que não se parecem com um navegador. Todos os componentes são de código aberto e gratuitos e foram extensamente testados.
Folha - A senhora mudaria alguma coisa se tivesse a chance de voltar no tempo?
Baker - O projeto foi lançado com enorme publicidade e metas extraordinariamente altas. Havia a sensação de que números maçicos de programadores surgiriam instantaneamente. Isso não é realista, pois leva tempo até que as pessoas criem interesse e conhecimento suficientes para participar [do projeto]. Hoje, nós temos uma comunidade diversificada e distribuída, com grande quantidade de programadores vindos de muitas fontes. Esse tipo de realização leva tempo. O projeto teria se beneficiado muito se as expectativas iniciais tivessem sido mais realistas.
Nós também decidimos usar uma nova base para o navegador [abandonando o software anteriormente desenvolvido pela Netscape] depois de seis meses. No longo prazo, isso levou a um programa de muito melhor qualidade, mas mudou o escopo e o cronograma do projeto. Teria sido bom saber disso [da mudança] quando o projeto foi iniciado.
Folha - Quantas pessoas estiveram ativamente envolvidas no desenvolvimento do Mozilla nestes cinco anos?
Baker - Milhares. É muito difícil conseguir números precisos. Um motivo é que a Netscape/AOL não revela quantos de seus funcionários colaboram com o projeto. Nós sabemos que pelo menos 300 a 400 pessoas não-ligadas à Netscape contribuíram para o projeto. Há algumas estatísticas geradas automaticamente (webtools.mozilla.org/miscstats/) que podem ser de interesse. Há milhares de pessoas que contribuem para o controle de qualidade do navegador, e o número de usuários que baixam e testam as principais versões de desenvolvimento (milestones) do Mozilla se aproxima de meio milhão. Qualitativamente, a atuação dos colaboradores não-ligados à Netscape foi enorme.
Folha - Qual a principal vantagem e a principal dificuldade de conduzir um projeto de código aberto?
Baker - A grande vantagem é ter acesso a muitas pessoas inteligentes e motivadas. Nós temos contado com colaboradores importantes em todas as áreas do código [partes do navegador] que constituem o projeto Mozilla. Nós jamais teríamos conseguido encontrar essas pessoas --elas vêm de todas as partes do mundo, de escolas e empresas e com interesses e focos que nós jamais poderíamos imaginar. A dificuldade provavelmente está na mudança dos hábitos de trabalho, para que os colaboradores se acostumem a trabalhar "dentro do aquário" [de acordo com as regras do projeto].
Folha - Qual é sua opinião sobre a parcela de mercado ocupada pelo Internet Explorer? É importante tentar alcançá-lo? Caso seja, como fazer isso?
Baker - A internet está se tornando uma parte cada vez mais importante das nossas vidas. O software de navegação é o meio pelo qual usuários e cidadãos de todo o mundo acessam e manipulam dados via internet. Não é uma situação saudável ter apenas um meio de acessar as informações contidas na internet. Não é saudável ter nossos meios de acessar a internet determinados pelo plano de negócios de um fabricante de software [a Microsoft]. O objetivo do projeto Mozilla é fornecer programas alternativos e de código aberto com os quais as pessoas possam acessar a internet. Isso é um fator crucial para que as necessidades dos usuários e dos cidadãos orientem o desenvolvimento de tecnologias de internet.
O projeto Mozilla fornece uma alternativa tecnicamente viável e vibrante ao Internet Explorer. Isso não é a história toda, pois a distribuição [do programa] também é importante. Mas a distribuição é impossível até que uma alternativa tecnicamente viável exista, e o Mozilla fornece essa alternativa.
Folha - Indo além do cronograma público (www.mozilla.org/roadmap), como a senhora vê o navegador Mozilla daqui a cinco ou dez anos? Que tipo de recursos poderão ser incorporados no futuro?
Baker - A internet é um ambiente diversificado. Os seres humanos podem acessar seus dados e realizar transações na rede de acordo com seus objetivos. Pessoas diferentes escolhem maneiras diferentes de fazer isso: alguns se focam na conveniência, outros em proteger sua privacidade. A inovação retornou aos navegadores, proporcionando mais conveniência aos usuários. Muitos de nós usam aparelhos que não são PCs para acessar a internet, e os programas baseados no Mozilla ajudam a impulsionar a mudança.
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