Livraria da Folha

 
18/06/2010 - 13h00

Saramago pensou em migrar para o Brasil nos anos 60; leia entrevista com biógrafo

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Arquivo pessoal
Biógrafo não conseguiu falar com Saramago, mas com pessoas próximas a ele e um parente
Biógrafo não conseguiu falar com Saramago, mas com pessoas próximas a ele e um parente

Em 248 páginas, o escritor português João Marques Lopes radiografa do nascimento de José Saramago em Azinhaga, Golegã, até o lançamento do polêmico "Caim", na biografia "Saramago: uma Biografia" (LeYa, 2010).

Além de acompanhar a vida de Saramago, que morreu nesta sexta-feira (18) em consequência de múltipla falha orgânica após prolongada doença, Marques Lopes relata os bastidores das polêmicas que envolveram o autor, como a demissão de jornalistas do "Diário de Notícias", tempo em que Saramago era diretor do jornal português.

Em entrevista à Livraria da Folha, o biógrafo disse que não conseguiu falar com Saramago enquanto compunha o volume, mas com pessoas próximas a ele e um parente do escritor. O livro não passou por nenhum tipo de veto do biografado.

Marques Lopes revelou que ficou surpreso ao descobrir que o escritor chegou a pensar na hipótese de migrar para o Brasil na década de 1960, e pela data ainda coincidir com o período de transformação socialista do país.

Enquete: Qual seu Saramago preferido?

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

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Livraria da Folha: Quanto tempo você levou entre apuração das informações e escrita?
João Marques Lopes: Foi um trabalho que levou vários anos, pois foi necessário dar vários passos e cada um levou bastante tempo a ser eficientemente feito. O primeiro passo foi ler e reler tudo quanto Saramago publicou, e arranjar múltiplas entrevistas que o autor tinha dado, sobretudo desde que se tornou conhecido com "Levantado do Chão" (1980). Depois tornou-se necessário consultar vasta bibliografia secundária sobre a obra do autor e constituir dossiês da imprensa literária e generalista (desde fins dos anos 60 até aos dias de hoje). A seguir, entrevistei algumas pessoas próximas de José Saramago. Por fim, redigi a obra. A fase mais intensa de trabalho ocorreu entre 2006 e meados de 2009.

Divulgação
Primeira biografia sobre Saramago mostra fatos curiosos da escola
Primeira biografia sobre Saramago mostra fatos curiosos da escola

Livraria da Folha: Como foi o contato com José Saramago? Em média, entrevistou-o quantas vezes? E a família e amigos?
Marques Lopes: Obviamente, tentei falar com José Saramago, mas não cheguei a entrevistá-lo. Em junho de 2009, enviei uma carta para a presidente da Fundação José Saramago para explicar o projeto e solicitar uma entrevista. A Fundação respondeu dizendo que tinha tomado conhecimento do projeto e para enviar as questões para o e-mail do autor. Fiz isso, não recebi "feedback". Em dezembro, entrei em contato com a Fundação a fim de informar que a biografia iria ser publicada e pedir autorização para a eventual utilização de fotografias do site da Fundação, caso a opção editorial fosse essa. A Fundação concedeu a autorização para tal possibilidade. Realizei algumas entrevistas com pessoas próximas de José Saramago e um familiar seu [o biógrafo não pôde revelar quem é o parente do escritor].

Livraria da Folha: Fatos curiosos, como o associado ao sobrenome "Saramago" ter surgido a partir de um escrivão bêbado. Além desse dado constar em "As Pequenas Memórias", você checou outras fontes para confirmá-lo. Durante esse trajeto de pesquisas, houve alguma dificuldade para obter informações confidenciais, por exemplo?
Marques Lopes: Há muitos anos que Saramago se refere a este fato. Em entrevistas ou nos "Cadernos de Lanzarote". A certidão de nascimento do autor mostra efetivamente uma letra um pouco turva, mas a única fonte a associar tal sobrenome ao ato de um escrivão que estaria alcoolizado é o próprio José Saramago. Obtive informações mais confidenciais a propósito da atividade política do escritor junto de amigos seus, sobretudo quanto ao período polêmico em que Saramago esteve à frente do jornal "Diário de Notícias", em 1975. A obtenção dessas informações não foi propriamente uma tarefa fácil.

Livraria da Folha: Você fez uma pré-apuração antes de saber definitivamente que conseguiria escrever a biografia de um escritor polêmico como o Saramago?
Marques Lopes: Desenvolvi todo o trabalho e o apresentei às editoras na perspectiva de que uma biografia séria, mais voltada para a literatura e para a intervenção cívica de Saramago, e sem qualquer invasão indevida da privacidade, seria bem acolhida.

Livraria da Folha: Como se deu a leitura de Saramago: durante a composição, na primeira prova ou em alguma outra etapa?
Marques Lopes: Enviei a biografia em arquivo digital para a Fundação José Saramago três semanas antes da sua publicação. Não sei se o escritor a leu nesse arquivo ou se a leu no livro propriamente dito, mas sei que concluiu a leitura antes do fim de janeiro de 2010. Em fins de janeiro e início de fevereiro, ele reagiu de maneira bastante positiva a esta biografia, quer no site da Fundação José Saramago, quer em e-mail particular que me enviou.

Livraria da Folha: Saramago vetou alguma informação?
Marques Lopes: Não.

Livraria da Folha: Cite um trecho do livro que o surpreendeu durante a apuração.
Marques Lopes: Em cartas a Jorge de Sena e a Nathaniel da Costa datadas de 1963, Saramago considera estes tempos em que escreveu e reuniu as poesias que fariam parte de "Os Poemas Possíveis" como desgastantes em termos emocionais e chega mesmo a ponderar a hipótese de migrar para o Brasil. Esta informação surpreendeu-me bastante, pois não fazia a mínima ideia de que o escritor chegara a ponderar a hipótese de emigrar para o Brasil e por a mesma coincidir com o período da história brasileira em que esteve mais iminente uma transformação socialista do país.

 
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