Livraria da Folha

 
27/06/2010 - 10h06

Compositor Ary Barroso revolucionou a locução esportiva

BENEDITO TEIXEIRA
colaboração para a Livraria da Folha

Reprodução
Com 60 páginas, livro em capa dura traz tudo sobre Ary Barroso, além de CD
Com 60 páginas, livro em capa dura traz tudo sobre Ary Barroso, além de CD

"Brasil, meu Brasil brasileiro" é, sem dúvidas, um dos versos mais cantados no Brasil e em todo o mundo quando o assunto é música brasileira. Com eles, o músico Ary de Resende Barroso deu início à canção Aquarela do Brasil, composta em 1938, inaugurando o estilo que ficou conhecido como samba exaltação, com versos enaltecedores da beleza do país. Há 11 anos, 13 membros da Academia Brasileira de Letras a elegeram a "Música do Século".

Mineiro de Ubá, nascido no dia 09 de fevereiro de 1903, migrou para o Rio, então capital federal, em 1920, e lá, onde veio a falecer por causa de uma cirrose hepática, em 1964, se tornou um dos ícones da música popular brasileira, compondo mais de 300 canções com dezenas de parceiros e popularizadas por muitos intérpretes. Além do samba, incursionou por outros ritmos como as marchinhas, xotes, choros e foxtrotes.

Orfão de pai e mãe aos sete anos, foi criado pela avó Gabriela Augusta de Resende e pela tia Rita Margarida de Resende, a tia Ritinha, que o ensinou a tocar piano. E foi com este instrumento que ele começou a fazer suas primeiras composições aos 15 anos - a primeira foi o cateretê "De Longe" - e também o que garantiu sua sobrevivência no Rio, quando depois de gastar toda a herança que havia recebido de um tio, 40 contos de réis, passou a fazer fundo musical para o cinema mudo, como o Íris e Odeon. Era o dinheiro que custeava seu sustento e a faculdade de Direito, na Universidade do Rio de Janeiro, a qual passou nove anos para concluir.

Também fez parte de orquestras no Rio, São Paulo e Minas Gerais e teve suas primeiras composições gravadas em 1928, o samba "Vou à Penha", pelo então colega de faculdade Mário Reis, e "Tu Queres Muito", por Artur Castro. Em 1929, começou a compor para o teatro de revista, totalizando mais de 60 montagens, muitas em parceria com dois especialistas do gênero Olegário Mariano e Luiz Peixoto. No ano seguinte, concorreu e venceu o concurso de músicas carnavalescas da Casa Edison, com a marchinha "Dá Nela", e com o prêmio garantiu o casamento com Ivone Belfort Arantes, filha da dona da pensão onde morava. Teve dois filhos, Flávio Rubens e Mariúsa.

Sua estreia no rádio, veículo que fez de Ary Barroso um dos de seus grandes nomes, ocorreu em 1932, ainda como coadjuvante. Mas não demoraria a estrear seu próprio programa na Rádio Kosmos, de São Paulo, o "Hora H", dois anos depois. Este mesmo programa foi com ele para a Rádio Cruzeiro do Sul, no Rio. O "Calouros em Desfile", seu programa mais famoso, estreou em 1937, onde Ary tinha uma maneira peculiar de lidar com os candidatos, obrigando-os a cantar músicas brasileiras. É dele a ideia de "gongar" os calouros que iam mal nas apresentações. O sucesso é tanto que vira programa de TV anos depois, passando a se chamar "Encontro com Ary". Por lá passaram talentos da MPB como Dolores Duran, Elza Soares, Lúcio Alves, Luiz Gonzaga e Elizeth Cardoso. Também passou pelas Rádios Nacional e Mayrink Veiga.

Barroso se notabilizou também como locutor e comentarista esportivo na Rádio Tupi. Torcedor do Clube de Regatas Flamengo, ele ficou conhecido pela sua forma de narrar os jogos. Quando seu time estava em campo, deixava de ser locutor e virava torcedor em pleno ar. A cobertura esportiva no rádio é uma antes e outra depois de Ary Barroso, que utilizava uma gaitinha para destacar a narração na hora do gol. É também dele a prática de fazer entrevistas com os jogadores após a partida.

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Em 1934, viajando com a orquestra do maestro Napoleão Tavares conheceu a Bahia, o que teria sido o estopim de inspiração para compor as letras de sambas no estilo exaltação, como "Aquarela do Brasil". Esta teve sua primeira gravação na voz de Aracy Cortes, para a revista "Entra na Faixa", mas ficou famosa gravada por Francisco Alves, com arranjos e acompanhamentos do maestro Radamés Gnatalli e sua orquestra. "Na Baixa do Sapateiro" e "Quando Penso na Bahia" fazem parte dessa safra.

A ida de Ary Barroso aos Estados Unidos, no final de 1943, por causa da inclusão de "Aquarela do Brasil" no filme "Alô Amigos", de Walt Disney, é um dos destaques de sua história. Lá a música passou a se chamar "Brazil" e Barroso foi convidado por Disney para compor a trilha de outro filme do estúdio, que se chamaria "Brazil". Outras duas canções suas, "Na Baixa do Sapateiro" (nos EUA virou "Bahia") e "Os Quindins de Iaiá" foram cantadas por Aurora Miranda no desenho "Você Já Foi à Bahia?", também da Disney.

Ainda em 1944, o compositor voltou a Hollywood para escrever a trilha de um filme que nunca foi ao ar. Aproveitou para receber o Prêmio do Mérito da Academia de Ciências e Artes Cinematográficas de Hollywood, pela música "Rio de Janeiro" da trilha do filme "Brazil". É de Ary Barroso também o mérito pela criação da Orquestra de Ritmos Brasileiros, com a qual excursionou por países latinoamericanos, como México, Venezuela, Argentina e Uruguai.

Dois anos depois de voltar dos EUA, Barroso foi eleito vereador do Rio pela UDN (União Democrática Nacional), que na época era oposição ao PTB de Getúlio Vargas. No cargo, participou do movimento pela construção do Estádio do Maracanã e da luta pela defesa dos direitos autorais. Nessa seara, ele foi o primeiro presidente da União Brasileira de Compositores (UBC), em 1942, membro da SBAT (Sociedade Brasileira de Autores de Teatrais) e da SBACEM (Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Escritores Musicais).

Depois de seu falecimento, suas canções seguiram sendo gravadas e regravadas por intérpretes da MPB como Elis Regina ("Na Batucada da Vida") e Célia ("Camisa Amarela"). Gal Costa lançou, em 1980, o álbum "Aquarela do Brasil", cantando 12 obras do compositor, como a música título, "Folha Morta" e "Faceira". Elizeth Cardoso gravou, em 1990, pouco antes da morte dela, o songbook Ary Amoroso.

Cultura nacional

Ary Barroso iniciou na arte de compor numa época em que a música popular começava a ser moldada, no final da década de 20. Foi como criador do estilo samba exaltação que ficou mais conhecido na história da MPB e mesmo na história do país.

As letras que o novo estilo criou, no fim da década de 30, destacavam os aspectos positivos e belos do Brasil, em contraposição aos sambas que enalteciam a boemia, as mulheres e a malandragem. As letras vieram a calhar para o então governo do presidente Getúlio Vargas, que se caracterizava pelo populismo e o nacionalismo que se espalhava pelo mundo afora, tendo seus principais nomes em Adolf Hitler, na Alemanha, e Benito Mussolini, na Itália.

Vargas decidiu apoiar a cultura nacional e privilegiar tudo o que divulgava as belezas brasileiras. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) havia sido criado justamente para garantir e "fiscalizar" (apertando a censura) o que era produzido em cultura. O rádio, veículo em vertiginosa ascensão, passou a contar com a lei que liberava a venda de anúncios. O governo chegou a comprar a Rádio Nacional, emissora que se consolidou como líder de audiência em todo o País.

Em 1939, a canção mais famosa de Ary Barroso, "Aquarela do Brasil", foi eleita campeã num concurso de música popular promovido pelo DIP. A polêmica em torno da ligação ou não da música com o governo de Vargas nunca foi elucidada.

 
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