Livraria da Folha

 
02/07/2010 - 09h15

Livro de Churchill analisa história dos povos de língua inglesa; leia trecho

da Livraria da Folha

Divulgação
Obra analisa as mudanças políticas e socias pelas quais passou a Inglaterra
Winston Churchill analisa as mudanças políticas da Inglaterra

Vencedor do Nobel de Literatura de 1953, o ex-premiê britânico Winston Churchill (1874-1965) começou a pesquisar a história da Inglaterra por volta de 1920, muito antes de assumir a chefia do governo durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Considerado um dos maiores escritores e oradores do Reino Unido, Churchill escreveu em 1950 uma obra referencial sobre as tradições e culturas que nasceram nas ilhas britânicas e das nações influenciadas ou colonizadas pela Inglaterra, seus princípios, seu idioma e de muitas de suas instituições - como o parlamento, por exemplo.

"Uma História dos Povos de Língua Inglesa", que ganha reedição neste mês pela Nova Fronteira, analisa as mais diversas experiências políticas pelas quais a Inglaterra passou.

"Durante quase quatrocentos anos, a Grã-Bretanha foi uma província romana. No final, Roma deu a ordem e as legiões embarcaram (para as Américas). Da lei romana, das instituições romanas, dificilmente restou um vestígio, mas a ocupação romana deu tempo à fé cristã para instalar-se. (...) abandonada na grande convulsão da Idade Média; reunida à Cristandade e dela quase arrancada pelo pagão dinamarquês; vitoriosa, mas exausta, cedendo ao conquistador normando; nem sua civilização nem seu idioma são completamente latinos ou completamente germânicos. Dona de um direito sendo fundido numa Lei Comum. Esta é a Inglaterra do século XIII, o século da Magna Carta e do primeiro Parlamento", escreve o autor no prólogo.

Leia trecho de "Uma História dos Povos de Língua Inglesa".

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Prólogo

Tomei há quase vinte anos as providências que resultaram neste livro. Ao começar a guerra, meio milhão de palavras estavam devidamente entregues. Evidentemente, havia muita revisão de texto a fazer quando fui para o Almirantado, dia 3 de setembro de 1939. Tudo isso foi posto de lado. Pelos quase seis anos da guerra e por um tempo ainda mais longo em que estive ocupado com minhas Memórias da Segunda Guerra Mundial, o livro dormiu tranquilamente. Somente agora, quando as coisas se acalmaram, apresento ao público Uma História dos Povos de Língua Inglesa.

Se era necessário publicá-lo naquele tempo, certamente a necessidade não desapareceu. Até pelo contrário, o assunto cresceu de importância. Muita gente de ambos os lados do Atlântico e em toda a Comunidade Britânica teve um sentimento de fraternidade. Aumenta a sensação de que os povos de língua inglesa poderão mostrar o caminho se tudo for bem e poderão naturalmente defender-se, até onde tenham forças, se as coisas correrem mal.

Este livro não tenciona concorrer com o trabalho dos historiadores profissionais. Uso a expressão "povos de língua inglesa" porque não há outra que se aplique ao mesmo tempo às Ilhas Britânicas e àquelas nações que derivaram da Inglaterra, de seus princípios, seu idioma e de muitas de suas instituições.

A primeira parte conta sua história desde os primeiros tempos até a véspera da descoberta do Novo Mundo pelos europeus. Nossa história trata de uma ilha não muito distante do continente, cujos sul e leste são muito acessíveis ao invasor, venha em paz ou em guerra, pirata ou mercador, conquistador ou missionário.

Província do Império Romano, abandonada na grande convulsão da Idade Média; reunida à Cristandade e dela quase arrancada pelo pagão dinamarquês; vitoriosa, mas exausta, cedendo ao conquistador normando; nem sua civilização nem seu idioma são completamente latinos ou completamente germânicos. Dona de um direito sendo fundido numa Lei Comum. Esta é a Inglaterra do século XIII, o século da Magna Carta e do primeiro Parlamento.

Nos nevoeiros do tempo, podemos divisar os homens da Idade da Pedra, os construtores dos monumentos megalíticos; os renanos, com suas taças e ferramentas de bronze. Na planície da Dover atual, um deles poderia ter dito ao neto: "O mar já chega até mais longe do que chegava quando eu era menino." E o neto talvez vivesse para ver uma maré trovejante inundando o vale de ponta a ponta e ligando o mar do Norte ao Canal. Não houve mais incursões distraídas de pequenos clãs da França ou da Bélgica à procura de caça ou vegetais alimentícios; não mais frágeis canoas enfiando-se por braços de águas calmas. Quem agora vinha chegava em navios e tinha coragem para enfrentar o nevoeiro do Canal e o que pudesse existir além.

A invasão da Grã-Bretanha por Júlio César foi um episódio que não teve consequências; mostrou, porém, que o poderio de Roma e a civilização do mundo mediterrâneo não estavam limitados pelo Atlântico. A Grã-Bretanha absorveu algo da cultura do Ocidente pelo comércio e o intercâmbio normal. Durante quase quatrocentos anos, a Grã-Bretanha foi uma província romana. No final, Roma deu a ordem e as legiões embarcaram. Da lei romana, das instituições romanas, dificilmente restou um vestígio, mas a ocupação romana deu tempo à fé cristã para instalar-se. Longe no Oeste ficou um minúsculo reino cristão. Esse mundo insular não ficou completamente isolado do continente. Peregrinos ingleses abririam caminho nos Alpes para ver as maravilhas de Roma.

O reino de Kent pode ter perdido sua antiga primazia, Northumbria cedeu lugar a Mercia; mas Canterbury e York permanecem. Impressionante o feito da Igreja inglesa. O maior erudito na Cristandade era um monge da Northumbria. O Apóstolo da Alemanha foi Bonifácio, de Devon. O renascimento do ensino no Império de Carlos Magno foi dirigido por Alcuin, de York.

Mas a esta civilização florescente faltava defesa militar: da Dinamarca pelo Báltico, galeras de piratas vinham em busca de pilhagens. Uma ilha sem esquadra e sem soberano era uma presa que os pagãos consideravam reserva. Quando o furacão amainou, um largo pedaço estava nas mãos dos dinamarqueses; mas Londres fora salva, bem como todo o Sul, e ali estavam a sede e o poder da casa real. O rei Alfred trabalhou para firmar sua ascendência e reunir o país. No entanto, em três curtos meses de inverno de 1066, ocorreu o espantoso. O chefe de uma província francesa atravessou o Canal e tornou-se rei da Inglaterra.

O reino em que os normandos entraram, reconhecido pelos que falavam o inglês do Rei, era governado pelo Rei em Conselho, seus homens sábios, leigos e clérigos, bispos e abades, grandes proprietários de terra e oficiais da Casa Real. De forma geral, a doutrina inglesa era a de que um homem livre podia escolher seu lord, segui-lo na guerra e trabalhar para ele na paz; em troca, o lord devia protegê-lo contra a invasão de vizinhos e apoiá-lo nas necessidades; o homem podia passar de um lord para outro e obter sua terra. E esses lordes eram a classe dominante. Os maiores deles tinham assento no Conselho. Os menores eram os chefes locais, no "shire."

Esse era o estado da Inglaterra quando sobre ela foi imposta a nova ordem normanda. Apesar de sua violenta reanexação ao Continente e de sua fusão no feudalismo comum do Ocidente, conservou uma individualidade. Podemos retratar o governo da Inglaterra no reinado de Henry II. Uma monarquia forte, com seus juízes e xerifes em todos os cantos da terra; uma Igreja poderosa num acordo em que a Coroa é obrigada pelo costume a consultá-la em todas as questões de estado; um corpo de nobres rurais faz a administração local; e a Casa Real de homens hábeis em direito e finanças.

Com o rei John, começa um século de experiência política. Quem desde criança tenha ouvido falar na Carta Magna - e na reverência com que uma cópia dela foi recebida em Nova York - e a examine, talvez se alinhe com o historiador que propôs chamá-la não a Grande Carta das Liberdades, mas a Longa Lista de Privilégios. É que nossa noção de lei é completamente diferente da de nossos antepassados. Pensamos na lei como em algo que muda constantemente para atender às circunstâncias; na Idade Média, as circunstâncias mudavam mui lenta e gradualmente; a sociedade seguia o costume por decreto divino.

A Carta Magna não é um instrumento legislativo ou constitucional. É uma declaração sobre o que é a lei, admitida num acordo entre o rei e seus barões, e muitas das disposições que nos parecem insignificantes e técnicas indicam os pontos nos quais o rei invadira os antigos direitos dos barões. Sua importância não está nos detalhes, mas no princípio de que existe uma lei à qual a própria Coroa está sujeita - Rex non debet esse sub homine; sed sub Deo et lege.

Mais ou menos em meados do século XIII, começamos a ter uma nova palavra: Parlamento.

Ela tem um significado muito vago, mas difundiu-se a ideia de que não basta o Rei "conversar sobre as coisas" com seu próprio Conselho, nem é suficiente que os barões insistam em seus direitos no Conselho do Reino.

Por que não chamar a nobreza menor e os burgueses? Venham a Westminster, dois gentlemen de cada shire, dois negociantes de cada borough. Que devem fazer quando chegarem ninguém sabe bem. Mais ouvir os melhores do que falarem eles mesmos; conhecer as queixas do país; discutir as coisas entre si; saber das intenções do rei com respeito à Escócia e à França; e pagar mais satisfeitos pelo fato de saberem.

Instituição delicada, esse Parlamento. Não era criação inevitável e poderia ter sido abandonado. Mas criou raízes.

De maneira geral, seu consentimento é necessário para legalizar o ato de uma autoridade: modificação séria num costume antigo só por uma lei do Parlamento; um novo imposto só com aprovação dos Comuns.

No século XV, a estrutura baronal desapareceu numa guerra civil, e restou não a Coroa, mas "a Coroa em Parlamento," claramente desenhado: os Lordes, por direito próprio, e os Comuns representantes de shires e boroughs. A destruição da velha nobreza nas batalhas mudaria o equilíbrio das duas Casas; e os Comuns, cavaleiros e burgueses restaram, representando a sociedade que mais sofria com a anarquia e mais desejava um governo forte. Houve uma aliança natural entre a Coroa e os Comuns."

Pelo fim do século XV tomaram forma as principais características e instituições da raça. Os rudes dialetos alemães dos invasores anglo-saxônicos modificaram-se com a conquista normanda e com a influência do latim eclesiástico. O vocabulário ampliou-se com palavras de raiz britânica e danesa, processo acelerado pela introdução do francês normando nas ilhas. Sobrevi vem textos do século XIII que hoje se reconheceriam como uma forma de inglês, embora sem se compreender inteiramente. Mas não só a linguagem tomou um tom distintamente inglês. Numa diferença da Europa Ocidental, que tem a marca e a tradição de direito romano e do sistema de governo romano, os povos de língua inglesa tinham, no fim do período, princípios legais que se poderiam chamar democráticos, os quais sobreviveram a levantes e aos ataques dos impérios francês e espanhol. Parlamento, julgamento pelo júri, governo local por gente do lugar e os começos de uma imprensa livre se identificam, mesmo em forma primitiva, na época em que Cristóvão Colombo singrou em direção ao continente americano.

Toda nação ou todo grupo de nações tem sua história que contar. Conhecer as provações e as lutas é necessário. É com esperança de que o conto das provações e atribulações de nossos antepassados não só fortaleça os povos de língua inglesa de hoje, mas tenha um papel importante na união do mundo inteiro, que apresento este relato.

W.S.C.
Chartwel, Westerham, Kent
15 de janeiro de 1956

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"Uma História dos Povos de Língua Inglesa"
Autor: Winston Churchill
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 572
Quanto: R$ 99,90 (veja preço especial)
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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