Livraria da Folha

 
13/08/2010 - 17h11

Horripilante Zé do Caixão conta histórias para criança não dormir

da Livraria da Folha

Divulgação
O mestre do terror nacional cria histórias para arrepiar a criançada
O mestre do terror nacional cria histórias para arrepiar a criançada

Zé do Caixão é conhecido como um personagem simbólico do trash brasileiro. Morte, assombração e medo são temas obrigatórios nas histórias deste horripilante barbudo com unhas gigantescas.

Cansado de só assustar os adultos, resolveu pregar suas peças em "O Livro Horripilante de Zé do Caixão", onde narra histórias para a criançada.

Com sete assombrosos contos, os personagens enfrentam temas como mentira, maldades e preconceito.

Leia o conto Jotinha, o medonho:

*

O céu ainda estava escuro, mas o relógio mostrava que o dia havia amanhecido pra valer. Eram seis horas da manhã e uma chuva fina caía, molhando o jardim malcuidado da casa de João, o Jotinha, filho único do casal Peçanha. Grande parte da grama estava seca, e as flores, mortas. Não era por preguiça dos moradores da casa que o espaço se encontrava desse jeito. Era dinheiro que faltava para os Peçanha cuidarem do jardim. Assim como para arrumar as dobradiças das portas, que rangiam toda vez que alguém as abria ou fechava, e trocar as lâmpadas dos cômodos, que insistiam em piscar logo que eram acesas.

Pois é, Jotinha não sentia nenhum orgulho de onde morava. O ar de filme de terror da casa já seria motivo suficiente para que ele fosse alvo de gozação entre os colegas. "Mas é claro", pensava, "as coisas conseguem ser ainda piores para mm."

- Vamos, Jotinha, já é hora de ir para escola - chamou a mãe.
- Eu tenho mesmo que ir? - perguntou o garoto, mal-humorado.

Toda manhã era a mesma coisa. Jotinha relutava em sair de debaixo dos cobertores. Ir para o colégio érea uma tortura. Não pela matemática, nem pelas provas. Simplesmente pelo fato de que o garoto, no alto de seus dez anos, teria que deixar seu quarto e encarar as pessoas. E o pior, ser encarado. Por causa de uma doença nos ossos, Jotinha cresceu com o corpo deformado. Andar era difícil, pois sua coluna ficou arqueada, tal qual a do personagem Corcunda de Notre-Dame.

Edvaldo Ramos Silva-05.abr.67/Folha Imagem
José Mojica Marins, durante a escolha do elenco para o filme "A Encarnação do Demônio", que fecha a trilogia do personagem Zé do Caixão, o coveiro que aterroriza a cidade atrás de uma mulher para gerar seu filho perfeito
José Mojica Marins, durante a escolha do elenco para o filme "A Encarnação do Demônio", que fecha a trilogia do personagem Zé do Caixão, o coveiro que aterroriza a cidade atrás de uma mulher para gerar seu filho perfeito

Além disso, suas mãos, de vez em quando, tremiam como vara verde. Sua mãe, procurando disfarçar a aparência do filho, costurou uma capa preto. "Assim vamos realçar seu belo rosto", dizia. Mas de nada adiantou. Ninguém reparava nos brilhantes cabelos castanhos cheios de cachos do garoto. Muito menos em seus profundos olhos azuis. Todos se chocavam com aquele corpo desfigurado e estranho.

Na escola, o apelidaram de "Jotinha, o Monstro". As crianças mais malvadas atiravam lixo no menino aonde quer que ele fosse. Levi era o pior de todos. Assumindo o papel de líder, ele instigava os colegas pequenos a maltratarem Jotinha a todo instante.
- Seu monstro horrendo! Deveria ter ficado escondido dentro da sua casa de terror! - Levi costumava gritar, enquanto orientava seus amiguinhos a grudar chiclete mascado na capa de Jotinha.

"Bem que eu gostaria", pensava Jotinha. Sozinho, ele não tinha coragem de revidar, mas alimentava internamente muita raiva e tristeza. Dominado por tais sentimentos ruins, o menino afastava até mesmo quem buscasse uma amizade verdadeira.
- Oi Jotinha! - cumprimentou Mabel, uma de suas colegas de classe.
- O que você quer?!? - respondeu o garoto, com grosseria.
- Eu só quero saber se você precisa de ajuda com a lição de casa e...
- ME DEIXA EM PAZ!!!

(...)

- Preparem-se todos! Hoje, no final da tarde, vamos juntos conhecer esse tal de ferro-velho! E você - apontou para Jotinha - vai calar sua boca quando finalmente entender quem é que manda aqui! Eu sou o mais corajoso desta escola e nenhum monstrinho vai me falar o contrário.

Jotinha sorriu com crueldade. "Levi, você vai me pagar!", pensou. Em casa, o garoto arquitetou um plano para provar que seu rival era covarde. Pegou uma lanterna e um antigo gravador de seu pai e gravou sons assustadores de gritos desesperados simulados por ele mesmo. "Uaaaaahuuuuuuu! Buuuuuuuuuu! Ahhhhhhhhhh!"

Determinado, Jotinha chegou mais cedo ao ferro-velho e preparou o terreno para receber os colegas. Escondido atrás de um sofá antigo, ele pode ver Levi chegando com vário amiguinhos, entre eles a doce Mabel. Ela não ia muito com a cara de Levi, mas sua curiosidade a fez seguir o grupo.

Nem por um segundo, Jotinha hesitou em desistir do plano. Pelas suas veias corria sangue frio e, por minutos, sentiu-se como o monstro que diziam que ele era.
Levi entrou no ferro-velho escoltado por outras crianças.

- Ahá! Viram? Não há nada aqui! Aquele monstro queria nos assustar... - disse.

Jotinha, enlouquecido com a provocação, colocou a fita para tocar.

- AHHHHHHHHH! UHHHHHHHHHHHHHH! UAAAHHHHUUAAAHHHHH!
Além dos sons aterrorizantes, Jotinha aproveitou para jogar partes quebradas dos manequins em cima das crianças. Todos saíram correndo sem se preocupar com Levi, que, com o susto, ficou estático, sem controle sobre as pernas.

- So-socorro! Não... não consigo me me-mexer! Ele...vão... me matar!

Não muito longe, Jotinha era só risos. Ele aproveitava para, entre uma gargalhada e outra, liberar sua imaginação e produzir com a lanterna e sua capa sombras enormes nas paredes. Parecia mesmo que um deles avançaria sobre Levi. Mabel, que já estava saindo do ferro-velho, foi a única que percebeu o desespero do colega. Mesmo sem motivos para defendê-lo, tentou puxá-lo pelo braço. Não conseguiu. Quando ia desistir, Mabel notou que o medo do garoto era tanto que ele tinha acabado de molhar as calças.

(Continua...)

*

"O Livro Horripilante de Zé do Caixão"
Autor: Zé do Caixão
Editora:´Panda Books
Páginas: 48
Quanto: R$ 27,90
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
Voltar ao topo da página