Livraria da Folha

 
05/08/2010 - 21h21

"Não acredito que haja uma literatura brasileira", diz Benjamin Moser

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

O escritor e jornalista norte-americano Benjamin Moser não acredita que haja uma literatura brasileira, "ou pelo menos, historicamente, há, mas o leitor não a percebe como o historiador de literatura". Para o autor da biografia "Clarice,", o que o leitor vê são escritores individuais.

Tessa Poshtuma de Boer/Divulgação
Americano Benjamin Moser é autor de livro sobre Clarice Lispector
Americano Benjamin Moser é autor de livro sobre Clarice Lispector

Em entrevista à Livraria da Folha, Moser explicou como tenta atrair a atenção internacional para Clarice Lispector e que gostaria que ocorresse o mesmo com outros escritores brasileiros. "Mas o que me interessa num escritor nunca é sua nacionalidade, é a qualidade do que escreve", destaca.

Bernardo Carvalho, João Paulo Cuenca e Luiz Alfredo Garcia-Roza estão entre as leituras brasileiras de Moser. Durante a conversa, o norte-americano afirmou que há poucos livros em inglês sobre o Brasil, comparado à quantidade e à qualidade dos disponíveis para os interessados em conhecer o Japão e a Alemanha, por exemplo.

Questionado sobre seu novo projeto literário, recorreu ao comportamento de sua biografada para justificar o sigilo.

"Naquela famosa entrevista, Clarice não quis falar ao entrevistador nada sobre o seu novo livro. Eu entendo isso. Quando não está terminado, um livro é uma coisa muito frágil que deve, de certa forma, estar protegida."

Moser comentou sobre suas expectativas para a 8ª Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. No próximo domingo (8), às 16h30, ele dividirá a mesa 18 com o professor alemão do Instituto Latino-Americano da Universidade Livre de Berlim, Bertold Zilly, na Flip. O tema será "Nacional, estrangeiro", no qual cada palestrante falará sobre o papel ambíguo ocupado pela literatura brasileira no exterior.

No dia 14, às 15h, ele e a atriz Beth Goulart --que interpretou Clarice no teatro com a peça "Simplesmente Eu, Clarice Lispector"-- participarão do encontro "Clarice Lispector: decifrações da esfinge", no Salão de Ideias.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

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Livraria da Folha: Quais são suas expectativas para a Flip e Bienal 2010?
Benjamin Moser: Estou muito feliz por poder voltar à Flip, onde meu livro, de certo modo, começou. Fui no ano em que Clarice foi homenageada com a vaga ideia de fazer algum projeto sobre ela. Já tinha começado a esboçar minhas ideias, mas não sabia se ia ser uma biografia ou uma outra coisa. Estava muito hesitante, porque tinham vários obstáculos para fazer este livro fora do Brasil: o mais óbvio era que ela era pouca conhecida. Falei com um amigo em Nova York na noite antes da abertura do festival, lamentando que não podia ir. Ele falou: 'por que você não pode?' E pensei: 'na verdade, posso'. No dia seguinte, estava num avião para São Paulo. Então me sinto muito bem por poder voltar agora, depois de tanto labor, ao lugar onde este livro de certa forma nasceu. Agora a Bienal, nunca fui, mas sei que é o terceiro maior evento de livros do mundo, ou seja, um lugar perfeito para encontrar aficionados de Clarice.

Livraria da Folha: Está ansioso com relação à Bienal?
Moser: O que me anima muito é a oportunidade de fazer um evento com a Beth Goulart. Como se sabe, há mais de um ano a Beth Goulart vem fazendo uma peça de grande sucesso sobre Clarice, no Brasil inteiro. Tenho grande curiosidade em conhecê-la, porque o trabalho de fazer uma biografia é muito parecido com o de interpretar uma personagem --a partir de certos fatos históricos, você tem que criar sua própria interpretação. Para todo mundo, o resultado será um pouco diferente, mas o processo imaginativo é o mesmo.

Livraria da Folha: Neste ano, Clarice completaria 90 anos em 10 de dezembro. Você participará de algum evento em homenagem à data?
Moser: Venho duas vezes ao Brasil para participar da Flip (para falar dela), da Bienal (onde será homenageada), e depois, em novembro, da Fliporto onde o tema também será Clarice e que este ano será em Olinda, cidade onde passei vários meses e onde tenho muitos amigos. Acho que está se fazendo muito para manter viva a obra dela, que é a melhor homenagem.

Livraria da Folha: Gostaria de saber se você enfrentou algum tipo de preconceito no exterior enquanto pesquisava ou escrevia a biografia de Clarice, já que é uma autora mais brasileira do que ucraniana. Refiro-me a se houve ou se há preconceito pelo fato de ela estar ligada à cultura brasileira. Quem estuda os escritores brasileiros fora do país é, de certa forma, discriminado por não escolher um autor estrangeiro?
Moser: Acho que pelo contrário: as pessoas ficaram intrigadas pela Clarice, pelo que pude contar dela. Isso vem em grande parte porque as pessoas, mesmo as que não sabem nada sobre o assunto, têm uma simpatia pela cultura brasileira e gostariam de saber mais. Mas há relativamente poucos livros em inglês sobre o Brasil --existem, mas não se pode comparar com a quantidade e a qualidade que existe para quem quer saber mais sobre o Japão, ou a Rússia, ou a Alemanha, por exemplo. Então existe grande curiosidade sobre o Brasil, e a Clarice, já como ilustra personagem do Brasil, é um portão de acesso à cultura brasileira em geral.

Livraria da Folha: A literatura brasileira é tratada no exterior com respeito ou desleixo? Ela sofre revezes dos especialistas ou isso não ocorre?
Moser: Essa é uma ideia que encontro muito no Brasil, que há uma "literatura brasileira" e que as pessoas no exterior reagem a ela gostando ou não. Não acredito que haja uma literatura brasileira - ou pelo menos, historicamente, há--, mas o leitor não a percebe como o historiador da literatura. O que vê o leitor são escritores individuais, e tem razão: reagem diferentemente a um livro de Clarice Lispector, José de Alencar, Gregório de Matos e Augusto Cury. Toda minha tentativa com Clarice é no sentido de atrair a atenção internacional para ela. Seria ótimo se isso também atraisse atenção para outros escritores brasileiros, mas o que me interessa num escritor nunca é sua nacionalidade, é a qualidade do que escreve.

Livraria da Folha: Em quais outros escritores brasileiros, percebe qualidade na escrita?
Moser: Tem muitos. Meu gosto é muito diverso. Se estamos falando só dos escritores atuais, gosto muito do Bernardo Carvalho. Gosto do João Paulo Cuenca. Gosto dos romances policiais do Luiz Alfredo Garcia-Roza, que traduzi para o inglês. Quanto mais você lê, mais você descobre.

Livraria da Folha: Está com algum novo livro em produção? Se sim, qual o tema? Se não, quando pensa em escrever seu segundo volume?
Moser: Sim, estou escrevendo um novo livro. Naquela famosa entrevista, Clarice não quis falar ao entrevistador nada sobre o seu novo livro. Eu entendo isso. Quando não está terminado, um livro é uma coisa muito frágil que deve, de certa forma, estar protegida.

 
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