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24/08/2010 - 14h15

"A Ilusão da Alma" investiga o tumor metafísico das ideias

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A origem das ideias é uma questão que intriga cientistas, sábios, artistas e filósofos. Da alma, das células, das musas, da mente... Como e de onde surge o pensamento?

Um jovem professor de literatura, após retirar um tumor cerebral, isola-se do mundo e passa a investigar a relação entre o cérebro e a mente. Assim começa "A Ilusão da Alma: Biografia de uma Ideia Fixa" (Companhia das Letras, 2010), que descreve uma viagem pela história e pela filosofia.

Divulgação
Livro descreve a viagem de descoberta pela história da ideias
Exemplar descreve a viagem de descoberta pela história da ideias

Durante suas descobertas, dos gregos antigos à neurociência, o protagonista se encontra em um ponto assustador de sua busca: a hipótese de que sua mente é apenas fruto da atividade de bilhões de células nervosas situadas em seu cérebro. A suspeita desperta um novo problema, um tumor do tipo metafísico.

Dividido em três partes, o livro foi escrito pelo cientista social e economista Eduardo Giannetti da Fonseca, autor de "Vícios Privados, Benefícios Públicos?" (Companhia das Letras, 1993), "Auto-Engano" (Companhia das Letras, 1997), "Felicidade" (Companhia das Letras, 2002) e "O Valor do Amanhã" (Companhia das Letras, 2005).

Giannetti é considerado um dos cem melhores palestrantes do Brasil e recebeu dois prêmios Jabuti, em 1994 e 2006. Leia um trecho do primeiro capítulo de seu novo livro.

"Visite a estante dedicada às ciências humanas

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PRIMEIRA PARTE
O tumor físico

A palavra é a sombra da ação.
Demócrito de Abdera

Os apetites têm faro. No mesmo palmo de terra cada criatura encontra o que lhe apetece: a cabra, o capim; o sabiá, a minhoca; o besouro, o estrume. Assim também o cérebro dos homens. Visto de fora, a olho nu, o que é? Uma pelota enrugada e viscosa; um quilo e meio de miolos cinzentos; feixes de pixels numa tela de alta definição. Vivido por dentro, contudo, olhos metidos no avesso subjetivo de si, que transformação! Que profusão de delícias e tormentos, lembranças e desejos, ideias e sensações. Onde um vê matéria, outro vê espírito. O cérebro engendra a mente que interroga o cérebro que assombra a mente. Como é possível que da massa borrachuda e gosmenta alojada em nossos crânios desponte o mistério de uma vida interior?

Há quem prefira não cismar com essas coisas - viver como se o enigma da autoconsciência não lhe dissesse respeito. O tempo é curto. Por que dissipa-lo com caraminholas fúteis e empresas vãs? Bater-se por isso ou por aquilo, acreditar ou desacreditar - e daí? Que diferença faz? A Terra seguirá sendo, como sempre foi, o centro inabalável do universo, diga a ciência o que for, e os homens seguirão aferrados a suas órbitas de fome e vaidade, proveitos e taras, como se as galáxias e os olhos da criação é que girassem ao seu redor. Queixem-se os ensimesmados de que "ocupamos quase toda a nossa vida com entretenimentos mesquinhos"; deplorem os sisudos e taciturnos porque "vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes". Importantes para quem?

Permita-me, caro leitor, apresentar-me. Como você, não escolhi ser quem sou. As circunstâncias da minha concepção, fortuitas como as da sua, dependeram de causas inteiramente alheias à minha vontade: uma noitada alegre, o tédio de uma insônia, um arroubo de embriaguez e febril desatino após o Brasil x Espanha da Copa de 1962 (obrigado Amarildo!). Do que fizeram de mim, fiz o que pude. Amo a vida. Espero que ela não me descarte tão cedo, embora também isso não dependa de mim. Tento me cuidar. Se a vida é "um negócio que não cobre os custos" - opinião amarga que não partilho -, a execução da massa falida promete ser bem pior. Não faz muito tempo, como se verá, estive à beira da bancarrota. Escapei: cá estou. Enquanto me for dada a chance, prefiro viver mais um dia.

Sofro de um mal, isso é certo. Se existe um termo adequado à minha moléstia, não sei dizer. Mais que por uma crença, fui tomado por uma obsessão ou mania metafísica - uma inquietação que se apoderou do meu pensamento e me persegue dia e noite, nos interstícios das horas anônimas, no repouso e na vigília, como se fosse carne da minha carne e osso do meu osso. No começo não parecia grave: uma irritação passageira, coisa de pele, logo passa. Depois pegou. Quando me dei conta, o "tumor metafísico", foi como resolvi chamá-lo, estava fincado como pau forte e disperso como metástase no solo da minha consciência.

Fosse eu afoito, dado a rompantes grandiloquentes, poderia carregar nas tintas; dizer que vislumbrei um abismo e fui tragado por ele; dizer que enlouqueci. Não é o caso. Um verdadeiro insano, merecedor da sua insígnia, não se dá conta do seu estado. Afirmar-se um doido varrido é como declarar-se inconsciente em prosa concatenada: não para em pé. O fato é que virei alguém estranho aos meus próprios olhos, o joguete de um particular absurdo, o portador de uma bizarra anomalia. Sou um monomaníaco com uma causa - um louco manso, como se diz. Excêntrico e perturbado da ideia, sim; monstro desalmado, não. Estarei só?

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"A Ilusão da Alma: Biografia de uma Ideia Fixa"
Autor: Eduardo Giannetti
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 256
Quanto: R$ 36,80 (preço promocional)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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