Livraria da Folha

 
04/09/2010 - 12h33

Escritora Andrea del Fuego diz que vida no campo é conto de fadas possível

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Divulgação
"Dar realidade ao mágico é fascinante, ao menos tentar essa proeza já vale a escrita"
"Dar realidade ao mágico é fascinante, ao menos tentar essa proeza já vale a escrita"

Mesmo utilizando o sobrenome de Luz del Fuego (1917-1967), charmosa bailarina capixaba dos anos 1950, a escritora mineira Andrea del Fuego (registrada como Andréa Fátima dos Santos) tem muito mais ardência em sua escrita do que a dançarina em seus passos.

O leitor prova de seu DNA mineiro em "Os Malaquias", publicado pela Língua Geral. A obra é baseada na história familiar da autora, e se passa na zona rural de Carmo do Rio Claro, sul de Minas Gerais. "Esse sítio existe até hoje, é onde minha mãe nasceu e onde se passa a história", disse em entrevista à Livraria da Folha.

Andrea inclui na trama a história de Antônio, seu tio-avô anão. Ele, segundo a mineira, carrega Geraldina, um personagem quase imaterial que atravessa quase todos os lugares do livro.

Autora de obras como "Minto Enquanto Posso", "Engano Seu" e "Sociedade da Caveira de Cristal", e integrante das antologias "Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século" e "+ 30 mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira", a estudante do quarto período de filosofia da PUC-SP está em constante estado de escrita.

Nessa entrevista, Andrea descreve o processo de composição de "Os Malaquias" e conta sobre seu "sítio do pica-pau amarelo particular" na infância, entre outros temas. Leia a íntegra da conversa abaixo.

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Livraria da Folha: "Os Malaquias" é seu primeiro romance. Como decidiu que reportaria sua linguagem concisa dos microcontos para a prosa longa? Como se deu o processo?

Andrea del Fuego: Comecei a escrever "Os Malaquias" há seis anos, antes mesmo de publicar dois livros de minicontos, que por sua vez, foram produtos de um exercício em blog. Na tentativa de ser lida com rapidez, fui diminuindo palavras. Essa concisão, de alguma forma, foi transferida para o romance. O caminho da escrita é misterioso, nunca sei onde vai dar, nem se vai sair do lugar. A sensação é de que o blog, ou até mesmo ingênuas anotações, vão construindo vozes.

Livraria da Folha: Você mescla fatos irreais aos reais, porém os enaltece de forma real para o leitor. Gostaria que falasse como se dá o processo.

Andrea: Tenho facilidade para a fuga da realidade. Como leitora, busco o inverso, leituras de realismo puro, quanto mais verossímil, mais agradável. Claro que o gosto também muda, amanhã posso não suportar mais livros assim. No entanto, para escrever, tenho que frear os delírios. O problema não é o delírio em si, mas é que há delírios dispensáveis. Tento controlar as metáforas giratórias, confesso que é difícil. Dar realidade ao mágico é fascinante, ao menos tentar essa proeza já vale a escrita.

Livraria da Folha: Como foi ter um "sítio do pica-pau amarelo particular"?

Andrea: Esse sítio existe até hoje, é onde minha mãe nasceu e onde se passa a história de "Os Malaquias". O ambiente rural proporciona uma desaceleração, o tempo fica mais gordo, quase palpável. Chuva, raio, sol, plantas nascendo, ventania no milharal, manifestações que não dependem diretamente da ação humana (ainda que o homem possa interferir), como nas cidades em que até o farol está ensaiado por alguém. Essa "vida lá fora" é um conto de fadas possível.

Livraria da Folha: "Serra Morena" era o título original de "Os Malaquias"?

Andrea: "Serra Morena" era o título original de "Os Malaquias", que se baseia na história de minha família, incluindo meu tio-avô anão. Ele é o Antônio, uma presença importante no livro, pois é quem carrega Geraldina, um personagem quase imaterial que atravessa quase todos os lugares do livro.

Livraria da Folha: Ao terminar o romance, você disse que perdeu as certezas e tentou resolver os problemas. Ao finalizar cada livro, procura fechar o ciclo ou deixá-lo em aberto?

Andrea: Cada livro tem seus próprios problemas. Ele gera também suas próprias soluções. Estou agora escrevendo um romance e tentando usar uma escaleta que deu certo no livro anterior. Estava certa de que havia descoberto a roda, mas nesse livro a roda não gira, empaca. O livro atual não caminha com os mecanismos do livro anterior, nem adianta insistir. Estou procurando outro mecanismo, e talvez o lance desse seja justamente não ter dispositivo, deixar tudo solto e vertiginoso.

 
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