Livraria da Folha

 
17/09/2010 - 12h10

Dá para fazer humor além do clichê do idoso que pula e dança, diz autor de "Vó"

FELIPE JORDANI
colaboração para a Livraria da Folha

Jean Galvão tornou-se um especialista em avós do interior, daquelas que fazem bolo, costuram cachecol, rezam novena e se embaralham com os nomes dos remédios.

Rafael Souza/Divulgação
Jean (foto) faz charges políticas, tiras para crianças e adolescentes e foge dos clichês sobre idosos na tira "Vó"
Jean (foto) faz charges políticas, tiras para crianças e adolescentes e foge dos clichês sobre idosos na tira "Vó"

O cartunista é autor da série de tiras "Vó", publicada em livro pelo novo selo LeYa Cult. O trabalho traz uma senhora frágil e delicada que vive na companhia de seus comprimidos e do fantasma do marido morto.

O artista, que pode ser visto nas charges políticas da Folha de S.Paulo, consegue captar características comuns das senhoras brasileiras sem cair no lugar comum ou na simples caricatura.

Em entrevista, por telefone, à Livraria da Folha, Jean --que também assina uma tira para crianças na revista "Recreio"-- conta como foi o processo de criação do personagem, sua trajetória nos quadrinhos, fala de seus projetos futuros e da continuação de "Vó".

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Livraria da Folha: Como aconteceu seu encontro com os quadrinhos?
Jean: Como a maioria dos cartunistas, sempre desenhei desde criança. Observava os desenhos de outros caras, do Ziraldo, do Quino, que eu gosto bastante, e outros mestres. Começava a desenhar e também copiava da televisão. Começou assim, de copiar e tentar fazer. Mais tarde eu comecei a trabalhar com charge, que é um desenho político, para jornal. No começo eram publicações do interior, depois passei no concurso nacional da Folha de S.Paulo e faço charges políticas para eles há dez anos.

Livraria da Folha: Como você criou "Vó"?
Jean: "Vó" foi publicada no "JB" ["Jornal do Brasil"] por mais ou menos um ano em um período que o jornal se abriu para novos autores. Tinha a personagem na gaveta com algumas tiras. Tive como base a observação da minha avó e depois outras. Quando surgiu a oportunidade de fazer essa tira para o jornal, comecei a produzir todo o dia. Fui colhendo elementos e foram surgindo outros personagens para contracenar com ela e criar algumas situações. Foi bem interessante, gostei muito de fazer esse trabalho.

Livraria da Folha: Tentou fugir de lugares comuns sobre os idosos?
Jean: Primeiro percebi que personagens mais velhos, em qualquer lugar que você vê, seja em filmes, material publicitário ou desenho animado, são estereotipados de uma maneira invertida. São fortes, alegres, pula e dançam, como no filme "Cocoon" ou o "Vovó... zona". Sempre seguem um clichê de humor, porque o velhinho é frágil e eles insistem nessa figura mais forte.

Eu tentei fazer o velhinho de uma geração mais antiga. Esse tipo de avó está acabando agora, do arquétipo que é da sofredora, que faz bolo, que costura, preocupada o tempo todo, que tem dores, enfim. Que é solitária, até, né? Fugindo um pouco da coisa do velhinho engraçadinho, que fala palavrão. Eu acho que dá para tirar humor de uma situação mais próxima do real. E foi o que eu procurei fazer. E coloquei ela em um lugar que contrastasse com a vida urbana, no interior, num mundo dela.

Divulgação
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Livraria da Folha: Como foi a observação para colher os elementos?
Jean: Eu lembrava bastante da infância e observei outros avós, principalmente do interior. Anotava as coisas de avó assim como os elementos da religião e dos santos. As penitências, a ida à igreja, a fala com o padre, essas coisinhas. Percebi os comportamentos mais comuns e trabalhei com isso e acho que consegui usar bem esses elementos. Tanto que as pessoas se identificam e dizem "nossa, Jean, eu li o livro e depois liguei para minha avó com saudades dela". Outros pegam dedicatórias para seus velhinhos.

Livraria da Folha: Você poderia falar dos personagens que contracenam com a "Vó"?
Jean: Tem o falecido, que está no porta-retratos e a Vó conversa com ele. É um sacana. Dou a entender nas tiras que ele está no inferno e não no céu. Tem uma neta, que não discorda das coisas que a avó acredita, os santos e tudo, mas é extremamente esotérica, gosta de horóscopo, de ver borra de café, tudo o que é coisa mística. E tem uma vizinha também, que é uma velhinha. No segundo volume vão chegar os netos daquela vizinha, vai acontecer bastante coisa ainda.

Livraria da Folha: Chegou a encontrar leitores da terceira idade do seu trabalho?
Jean: Sim. Em alguns momentos se identificam, "você brincou com o meu remédio, né?".

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Livraria da Folha: Embora não seja mais publicada no "JB", a série "Vó" vai continuar?
Jean: Tem material para mais um volume que não entrou na coletânea. E como estou pensando em produzir mais tiras, pode ser que venha a fazer mais inéditas. Tem bastante coisa que dá para explorar ali.

Também tenho a ideia de fazer uma coletânea de charges da "Era Lula", dos oito anos, tenho bastante material do período. Talvez lance um livro das tiras "Chateen", tira com adolescentes que também foi publicada no "JB", e tenho projetos pessoais de trabalhar com livro infantil.

Livraria da Folha: E o que você achou de sua parceria com a editora LeYa?
Jean: Foi muito legal e foi muito rápido. Já estavam os três livros para lançar, "Na Kombi", "Mundinho Animal" e "Relatório Ota do Sexo". Enviei as tiras e eles me ligaram no mesmo dia para fazermos. Não deu tempo nem de fazer a capa, eles fizeram por lá. Ficou bem legal o projeto e até decidiram fazer em dois volumes pela quantidade de material. Gostei muito do formato, ele é gostoso de ler.

Livraria da Folha: O mercado de quadrinhos cresceu esse ano?
Jean: Nunca vi as publicações de quadrinho tão intensas como agora. Tivemos uma expressão grande nos anos 1980, com muitos títulos tanto de fora quanto revistas nacionais, como "Chiclete com Banana", "Piratas do Tietê", do Laerte, e a "Circo". Eu acho que agora estamos revivendo isso de uma forma até maior, com muitos lançamentos e em formato de livro. Tem autores que já estão aí há bastante tempo e gente nova lançando coisas. Tem saído muita matéria na imprensa de quadrinhos. Está bem aquecido. Podia estar ainda melhor, mas acho que está mais do que já foi.

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Capa de "Vó"; tiras fazem humor delicado com o jeito de ser preocupado e solitário das avós católicas brasileiras
Capa de "Vó"; tiras fazem humor delicado com o jeito de ser preocupado e solitário das avós católicas brasileiras

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"Vó"
Autor: Jean Galvão
Editora: LeYa Cult
Páginas: 128
Quanto: R$ 10,32 (preço especial, por tempo limitado)
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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