Livraria da Folha

 
20/09/2010 - 18h09

Leia primeiro capítulo de "Dom Casmurro e os Discos Voadores"

da Livraria da Folha

Divulgação
Alienígenas dominam esta adaptação do clássico machadiano
Alienígenas dominam esta adaptação do clássico machadiano

Presente nas primeiras páginas de "Dom Casmurro e os Discos Voadores" está um aviso. "Esta é uma obra de ficção baseada na obra original escrita por Machado de Assis e publicada em 1899. Toda semelhança é proposital, e as diferenças também."

O alerta dá o clima que permeia o lançamento do selo Lua de Papel, da editora LeYa. Revisitada pelo escritor e roteirista Lúcio Manfredi, a história do triângulo amoroso mais célebre da literatura nacional ganha contornos de outro mundo.

A trama é preenchida, agora, pela presença de seres alienígenas e andróides, disfarçados sob os personagens originais de Machado. A narrativa começa em 1857, com Bentinho aos 14 descobrindo seus sentimentos por Capitu.

O suspense garante a diversão no livro, uma vez que os leitores devem descobrir quem são os personagens escondidos. O ciúme de Bentinho continua presente, mas nesta adaptação, há mais coisas entre a ligação de Capitu e Escobar.

O título "Dom Casmurro e os Discos Voadores" integra a coleção "Clássicos Fanstásticos" integrada por "O Alienista Caçador de Mutantes", "Senhora, A Bruxa" e "A Escrava Isaura e o Vampiro".

As obras surfam na onda de mixagens, ou mash-ups, criada no exterior. A moda garantiu sucessos editorias como "Orgulho e Preconceito e Zumbis" e "Jane Austen: A Vampira".

Leia o primeiro capítulo de "Dom Casmurro e os Discos Voadores" .

*

capítulo 1

A denúncia

Estava entrando na sala de visitas quando ouvi alguém mencionar o meu nome e me escondi atrás da porta. A casa era a da Rua de Matacavalos, o mês de novembro, o ano é que é um tanto remoto, mas não sou eu que vou trocar as datas só para agradar às pessoas que não gostam de histórias antigas: era 1857. Eu estava então com quatorze anos.

- D. Glória, a senhora ainda tem a intenção de mandar Bentinho para o seminário?

Reconheci a voz como de José Dias, o agregado da casa. Era impossível não reconhecer aquela voz fina, metálica, que chegava aos nossos ouvidos como se estivesse saindo por um tubo. Na época, eu ainda não conhecia os gramofones e, por isso, a comparação não me ocorreu. Mas, muitos anos depois, na primeira vez que ouvi o registro de uma fala gravada nos cilindros de cera, logo pensei em José Dias. A voz dele possuía aquela mesma qualidade mecânica, estranha, como se ele tivesse engolido um gramofone e o aparelho ficasse entalado na garganta.

Não era a única coisa mecânica em José Dias. Seus gestos eram todos milimétricos, precisos, como se os movimentos fossem medidos com régua e compasso. E o jeito de andar... Ah, o jeito de José Dias andar! Lá pelos meus três ou quatro anos de idade, um relojoeiro amigo do meu pai me deu de presente um boneco de mola que imitava um soldadinho. Eu adorava quando o meu pai dava corda no boneco e o soldadinho saía marchando pelo chão, com passos duros, cadenciados: um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato... Pois bem, José Dias andava de um modo tão parecido com aquele soldadinho que, às vezes, eu tinha a impressão de que ele também não passava de um boneco de mola movido a corda, só que em tamanho natural.

Naquela tarde de novembro de 1857, a única coisa que me interessava era descobrir porque aquele boneco de mola gigante estava perguntando se a minha mãe ainda pretendia fazer de mim um padre. Era um sonho que ela acalentava desde antes de eu nascer. Mais do que um sonho, uma promessa.

Eu tinha certeza de que, se entrasse na sala, os dois mudariam imediatamente de assunto. Foi por isso que, mesmo sabendo que era feio, eu me escondi e fiquei com o ouvido colado na porta, aguardando a resposta de mamãe. Que, por sinal, não se fez esperar.

- Mas que pergunta sem pé nem cabeça é essa, José Dias?

Suspirei de alívio. Talvez ela tivesse mudado de ideia. Antes, a perspectiva de ir para o seminário e virar padre não me preocupava. Até gostava. Mas ultimamente, não sei por que, vinha começando a encará-la com outros olhos. Infelizmente, porém, se eu estava reavaliando minhas posições a respeito, minha mãe logo deixou claro que continuava firme nas dela:

- Você sabe muito bem que Bentinho está destinado a ser padre desde antes de nascer!

Engoli em seco, tão alto que não sei como não me ouviram da sala. Em vez disso, o que se fez ouvir de novo foram os grasnidos de José Dias:

- Neste caso, acho que é melhor a senhora se apressar...

E, depois de uma pausa, a voz desconfiada da minha mãe:

- Você está sabendo de alguma coisa que eu não sei?

- Saber, saber com certeza, eu não sei...

Uma nova voz, dessa vez a do tio Cosme:

- Desde quando esse daí sabe de alguma coisa?

- Fica quieto, homem, deixe o José Dias falar! - essa era a prima Justina, que na certa já estava sentindo o cheiro de fofoca no ar.

O aparte de tio Cosme deve ter deixado José Dias inibido, pois se seguiu um longo silêncio, cortado pela minha mãe:

- Se tem algo a dizer, diga logo de uma vez!

Um pigarro, tão artificial que parecia uma lixa de metal raspando na madeira, e então José Dias falou, num tom de quem acha que está soltando uma bomba no meio da sala:

- É que, eu não sei se a senhora reparou, mas Bentinho vive enfurnado na casa do Tartaruga...

Tartaruga era como ele chamava o nosso vizinho, o Pádua. Por motivos que ele nunca se deu ao trabalho de esclarecer, José Dias não ia com as fuças do Pádua. Uma dessas antipatias gratuitas que às vezes brotam entre as pessoas e que são o oposto exato do amor à primeira vista.

- Natural! - retrucou o tio Cosme. - Bentinho é muito amigo da filha do Pádua.

- Os dois são companheiros de brincadeiras desde que eram crianças... - concordou prima Justina.

- A-há! Mas é mesmo essa a questão! - atalhou José Dias.

- A senhora reparou, D. Glória, como a menina dos Pádua cresceu nos últimos tempos? Já está que é quase uma mulher. E o nosso Bentinho também, é praticamente um homenzinho...

Senti minhas orelhas pegando fogo. Capitu, quase uma mulher? Eu, praticamente um homem? Afinal, onde é que José Dias estava querendo chegar?

- José Dias, onde é que você está querendo chegar afinal?

Quase dei um pulo de susto. Pensei que tinha falado em voz alta. Mas era a minha mãe, ecoando os meus pensamentos.

- Em lugar algum, minha senhora. Estou apenas cumprindo o meu dever, por mais amargo que seja. Aliás, um dever amaríssimo!

Esqueci de mencionar esse detalhe: José Dias amava superlativos. Nada era grande, tudo era grandessíssimo. O café nunca estava doce, mas dulcíssimo. E é claro que seu dever não podia ser simplesmente amargo, tinha de ser amaríssimo.

- O seu único dever nesta casa - interrompeu tio Cosme, talvez tentando aliviar o ambiente -, é jogar gamão comigo. E perder.

Mas José Dias não se deu por achado:

- Aí é que o senhor se engana! Também é meu dever alertar D. Glória para certas possibilidades que talvez tenham lhe escapado.

E só para o caso de continuar escapando, prima Justina viu aí uma bela oportunidade de se intrometer na conversa de novo:

- Será possível... Bentinho e Capitu...?

Capitu e eu? Seria possível?

*

"Dom Casmurro e os Discos Voadores"
Autor: Lúcio Manfredi, Machado de Assis
Editora: Lua de Papel
Páginas: 264
Quanto: R$ 26,90 (veja preço especial)
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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