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21/09/2010 - 17h01

Lançamento mundial, trilogia de Ken Follett atravessa história do século 20; leia trecho

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Divulgação
Trilogia conta história do século 20 do ponto de vista de cinco famílias
Trilogia conta história do século 20 do ponto de vista de cinco famílias

"Queda de Gigantes" (Sextante, 2010), do celebrado escritor britânico Ken Follet, conta a história de cinco famílias, cada uma em seu país, que testemunham momentos dramáticos da humanidade e participam das transformações do mundo.

O volume se concentra principalmente no período da Primeira Guerra Mundial e da Revolução Russa, e integra a trilogia "O Século", que pretende cobrir os últimos cem anos do milênio passado. A ação se desenrola principalmente em Londres, na Rússia, Alemanha, França e EUA.

Os personagens criados pelo autor se misturam com figuras históricas como Lênin (1870-1924), Leon Trotsky (1879-1940) e Winston Churchill (1874-1965). Ao mesmo tempo mudanças culturais ocorrem, como a redução das desigualdades entre os gêneros e a reorganização geopolítica dos países.

O aguardado "Queda de Gigantes" será lançado ao mesmo tempo em 18 países no dia 28 de setembro e está disponível em sistema de pré-venda na Livraria da Folha.

Ken Follett iniciou sua carreira literária com o thriller "O Buraco da Agulha" (BestBolso, 2007), que se tornou best-seller mundial. Entre suas publicações de maior sucesso também está "Os Pilares da Terra" (esgotado), que narra as desventuras da construção de uma catedral em plena Idade Média, eleito pelos leitores do jornal inglês "The Times" como segundo principal romance dos últimos 60 anos.

Monte sua estante com obras de Ken Follett

Leia trecho do capítulo inicial.

*

CAPÍTULO UM
22 de junho de 1911

No mesmo dia em que Jorge V foi coroado rei na Abadia de Westminster, em Londres, Billy Williams desceu até as profundezas da mina de Aberowen, na região de Gales do Sul.

Era 22 de junho de 1911 e Billy fazia 13 anos. Foi seu pai quem o acordou. A técnica de Da para despertar os outros era mais eficaz do que delicada. Ele dava tapinhas ritmados na bochecha, com firmeza e insistência. Naquele dia, Billy dormia profundamente e tentou ignorar os tapinhas por alguns instantes, mas eles continuaram sem trégua. O menino sentiu uma raiva passageira, mas daí se lembrou de que precisava acordar, queria acordar, então abriu os olhos e se sentou com um sobressalto.

- São quatro horas - falou Da, saindo do quarto, suas botas ecoando nos degraus de madeira enquanto descia a escada.

Billy estava prestes a começar sua vida profissional como aprendiz de mineiro, tal qual a maioria dos homens do lugar havia feito naquela idade. Não se sentia tão minerador quanto gostaria, mas estava decidido a não dar vexame. Em seu primeiro dia na mina, David Crampton havia chorado, e até hoje todos o chamavam de Daí Chorão, embora ele já tivesse 25 anos e fosse a estrela do time de rúgbi da cidade.

O solstício de verão fora na véspera, e uma luz fraca do início da manhã entrava pela pequena janela do quarto. Billy olhou para o avô deitado ao seu lado. Os olhos de Gramper estavam abertos. Sempre que Billy acordava, ele já estava desperto. Dizia que os velhos não dormiam muito.

Billy saiu da cama. Estava só de cueca. No frio, dormia de camisa, mas aquele verão estava quente, e à noite a temperatura ficava amena. Ele puxou o penico de baixo da cama e tirou a tampa.

O tamanho de seu pênis não havia mudado. Continuava o mesmo cotoquinho de sempre. Tinha esperanças de que ele poderia ter começado a crescer na noite anterior ao seu aniversário, ou que talvez fosse ver um único pelo preto brotando em algum lugar por ali, mas ficou desapontado. Seu melhor amigo, Tommy Griffiths, que nascera no mesmo dia que ele, era diferente: sua voz estava mudando e uma penugem escura crescia sobre o lábio superior. Além disso, o pinto dele era de homem. Era humilhante.

Enquanto usava o penico, Billy olhou pela janela. Tudo o que viu foi a pilha de escória, uma montanha cor de ardósia feita de resíduos, o refugo da mina de carvão, composto principalmente de xisto e arenito. Era assim que o mundo devia ser no segundo dia da Criação, pensou Billy, antes de Deus dizer: "Que da terra brote a relva." Uma brisa suave soprava a poeira fina e negra da pilha de escória em direção às fileiras de casas.

Dentro do quarto, havia menos ainda para se ver. Era um cômodo de fundos, um espaço estreito em que mal cabia a cama de solteiro, uma cômoda e o velho baú de Gramper. Na parede, havia um bordado com o dizer:

CRÊ
NO SENHOR JESUS CRISTO
E TERÁS A SALVAÇÃO

Não havia espelho.

Uma das portas conduzia ao alto da escada, a outra ao quarto da frente, no qual só se podia entrar passando pelo dos fundos. Esse segundo quarto era maior e tinha espaço para duas camas. Era onde dormiam Da e Mam e onde também costumavam dormir, anos atrás, as irmãs de Billy. A mais velha, Ethel, já não morava ali e as outras três tinham morrido - uma de sarampo, outra de coqueluche e a terceira de difteria. Houvera também um irmão mais velho, que dividia a cama com Billy antes de Gramper chegar. Ele se chamava Wesley e tinha morrido na mina, atropelado por um pequeno vagão desgovernado que transportava carvão.

Billy vestiu a camisa. A mesma que usara para ir à escola na véspera. Era quinta-feira, e ele só trocava de camisa aos domingos. Mas a calça era nova, sua primeira calça comprida, feita de algodão grosso e impermeável. Ela simbolizava seu ingresso no mundo dos homens e Billy a vestiu com orgulho, saboreando a aspereza máscula do tecido. Pôs um cinto de couro pesado, calçou as botas herdadas de Wesley e desceu a escada.

A maior parte do térreo era ocupada pela sala de 20 metros quadrados, com uma mesa no meio, uma lareira em uma das laterais e um tapete feito à mão sobre o piso de pedra. Da estava sentado à mesa, lendo uma edição antiga do Daily Mail, com os óculos empoleirados no nariz comprido e afilado. Mam preparava chá. Ela pousou a chaleira fumegante, beijou a testa do filho e disse:

- Como está meu homenzinho no dia do seu aniversário?

Billy não respondeu. O diminutivo o magoava porque ele era realmente pequeno, e o substantivo "homem" também o incomodava, pois sabia que ainda não era um. Ele foi até a área de serviço, nos fundos da casa. Mergulhou uma lata no barril de água, lavou o rosto e as mãos e descartou a água suja na pia rasa de pedra. A área tinha um caldeirão de cobre com um braseiro embaixo, mas ele só era usado nas noites de banho, aos sábados.

Eles esperavam ter água encanada em breve, como lhes fora prometido. Alguns dos mineradores já tinham. Para Billy, parecia um milagre as pessoas poderem obter um copo de água fresca e limpa simplesmente abrindo a torneira, sem ter que carregar um balde até a bica da rua. Mas a água encanada ainda não havia chegado a Wellington Row, onde ficava a casa dos Williams.

Ele voltou para a sala e se sentou à mesa. Mam depositou na sua frente uma xícara grande de chá com leite, já adoçado. Cortou duas fatias grossas de pão caseiro e foi buscar banha na despensa debaixo da escada. Billy uniu as mãos, fechou os olhos e disse:

- Obrigado Senhor por esta comida amém. - Então tomou um gole de chá e passou a banha no pão.

Os olhos azul-claros de Da espiaram por cima do jornal.

- Ponha sal no pão - disse ele. - Você vai suar lá embaixo.

O pai de Billy trabalhava para a Federação dos Mineradores de Gales do Sul, o sindicato mais influente da Grã-Bretanha, como ele fazia questão de dizer em qualquer oportunidade. Era conhecido como Dai do Sindicato. Dai, diminutivo de David, ou Dafydd em galês, era o apelido de muitos homens. Billy tinha aprendido na escola que David era popular no País de Gales por ser o nome de seu santo padroeiro, assim como Patrick era comum na Irlanda por conta de São
Patrício. Os Dais eram diferenciados uns dos outros não pelo sobrenome - quase todo mundo na cidade se chamava Jones, Williams, Evans ou Morgan -, mas sim pelo apelido. Quando havia uma alternativa engraçada, os nomes verdadeiros quase nunca eram usados. O nome de Billy era William Williams, então os outros o chamavam de Billy Duplo. As mulheres às vezes ganhavam o apelido do marido, de modo que Mam era conhecida como Sra. Dai do Sindicato.

Gramper desceu quando Billy estava comendo a segunda fatia de pão. Apesar do calor que fazia, usava paletó e colete. Depois de lavar as mãos, sentou-se à mesa em frente ao neto.

- Não fique tão nervoso - falou. - Eu desci para a mina quando tinha 10 anos.

E o meu pai foi carregado para lá nas costas do pai dele aos 5 anos, sendo que trabalhava das seis da manhã às sete da noite. De outubro a março, ele não via a luz do dia.

- Eu não estou nervoso - disse Billy. Não era verdade. Estava morrendo de medo.

Mas Gramper, bondoso como era, não insistiu. Billy gostava do avô. Mam tratava o filho como um bebê, e Da era ríspido e sarcástico, mas Gramper se mostrava tolerante e conversava com o neto como se ele fosse adulto.

- Ouçam só isso - falou Da. Ele nunca comprava o Mail, um jornaleco de direita, mas às vezes trazia o de alguém para casa e lia em voz alta com desprezo, zombando da estupidez e da desonestidade da classe dominante. - "Lady Diana Manners foi criticada por usar o mesmo vestido em dois bailes diferentes. A filha caçula do duque de Ruthland ganhou o prêmio de 'melhor traje feminino' no Baile do Savoy por seu corpete tomara que caia com barbatanas e saia-balão, recebendo o valor de 250 guinéus." - Ele baixou o jornal e disse para Billy: - Isso, meu garoto, representa no mínimo cinco anos do seu salário. - Então prosseguiu: - "Mas ela atraiu a reprovação dos especialistas ao usar o mesmo vestido na festa de lorde Winterton e F.E. Smith no Hotel Claridge. Até o que é bom enjoa, foi o que disseram." - Ele ergueu os olhos do jornal. - É melhor trocar de vestido, Mam - disse ele. - Não vai querer atrair a reprovação dos especialistas.

Mam não achou graça. Estava usando um vestido velho de lã marrom, com remendos nos cotovelos e manchas nas axilas.

- Se eu tivesse 250 guinéus, ficaria mais bonita do que a sebosa dessa lady Diana - comentou, não sem uma certa amargura.

- Verdade - concordou Gramper. - Cara sempre foi a mais bonita... igualzinha à mãe. - Cara era o nome de Mam. Gramper se virou para Billy. - A sua avó era italiana. O nome dela era Maria Ferrone. - Billy já sabia disso, mas o avô gostava de recontar histórias conhecidas. - Foi daí que saíram os cabelos pretos e lustrosos e os lindos olhos escuros da sua mãe... e os da sua irmã também. Sua avó era a moça mais linda de Cardiff... e quem a conquistou fui eu! - De repente, ele pareceu triste. - Bons tempos - disse baixinho.

Da franziu o cenho em sinal de reprovação - esse tipo de conversa trazia à mente os prazeres da carne -, mas Mam ficou alegre com os elogios do pai e sorriu ao lhe servir o desjejum.

- Ah, é - falou. - Eu e minhas irmãs éramos tidas como beldades. Se tivéssemos dinheiro para seda e renda, mostraríamos a esses duques o que é uma moça bonita.

Billy ficou surpreso. Nunca tinha pensando na mãe como sendo bonita ou feia, embora ela ficasse bastante vistosa quando se vestia para os encontros de sábado à noite na igreja, especialmente se colocasse um chapéu. Achava que ela até poderia ter sido uma moça bonita um dia, porém era difícil de imaginar.

- Mas a família da sua avó era inteligente também - disse Gramper. - Meu cunhado era minerador, mas largou o ramo para abrir um café em Tenby. Isso sim que é vida: a brisa do mar e nada para fazer o dia todo a não ser preparar café e contar dinheiro.

Da leu outra notícia:

- "Como parte dos preparativos para a coroação, o Palácio de Buckingham criou um manual de instruções de 212 páginas." - Ele olhou por cima do jornal.

- Comente isso lá na mina hoje, Billy. O pessoal vai ficar aliviado quando souber que nada foi deixado ao acaso.

Billy não tinha muito interesse pela realeza. Gostava, isso sim, das histórias de aventura que o Mail costumava publicar sobre jogadores de rúgbi durões de escolas particulares que capturavam espiões alemães sorrateiros. Segundo o jornal, todas as cidades da Grã-Bretanha estavam infestadas de espiões, embora, para decepção do garoto, não parecesse haver nenhum em Aberowen.

Billy se levantou da mesa.

- Vou descer a rua - anunciou. Então saiu de casa pela porta da frente. "Descer a rua" era um eufemismo da família: significava ir ao banheiro, que ficava mais adiante na Wellington Row. Era uma cabana baixa de tijolos com telhado de ferro corrugado, erguida sobre um buraco fundo na terra. A cabana era dividida em dois compartimentos, um masculino e um feminino. Cada um deles tinha dois assentos, para que as pessoas fizessem suas necessidades em duplas. Ninguém sabia por que os construtores tinham escolhido esse modelo, mas todos se adaptavam como podiam. Os homens ficavam olhando direto para a frente, sem dizer nada, mas - como Billy muitas vezes escutava - as mulheres conversavam animadamente.

O cheiro era sufocante, mesmo quando você o sentia todos os dias da sua vida. Billy sempre tentava respirar o mínimo possível quando estava lá dentro, e saía arquejando em busca de ar. O buraco era esvaziado periodicamente com uma pá por um homem chamado Dai da Fossa.

Quando Billy voltou, ficou encantado ao ver a irmã Ethel sentada à mesa.

- Parabéns, Billy! - exclamou ela. - Não podia deixar de vir lhe dar um beijo antes de você descer à mina.

Ethel tinha 18 anos e Billy não tinha a menor dificuldade em considerá-la bonita. Seus cabelos cor de mogno exibiam cachos irrepreensíveis e seus olhos escuros emitiam um brilho travesso. Talvez Mam tivesse sido daquele jeito um dia. Ethel usava o vestido preto simples e a touca branca de algodão de uma criada, uma roupa que lhe caía bem.

Billy idolatrava Ethel. Além de bonita, ela era engraçada, inteligente e corajosa, e às vezes chegava até a enfrentar Da. Falava com Billy sobre coisas que ninguém mais queria falar, como, por exemplo, aquele acontecimento mensal que as mulheres chamavam de maldição. Também lhe explicara o que significava o crime de atentado ao pudor que levara o pastor anglicano a sair da cidade com tanta pressa.

Durante toda a vida escolar, ela havia sido a primeira da turma, e seu ensaio "Minha cidade ou minha aldeia" ficara em primeiro lugar em um concurso organizado pelo jornal South Wales Echo. Seu prêmio foi um exemplar do Atlas Mundial Cassell. Ethel beijou o irmão na bochecha.

- Eu disse à Sra. Jevons, a governanta, que a graxa para botas estava acabando e era melhor eu ir comprar mais na cidade. - Ethel morava e trabalhava em Tŷ Gwyn, a imensa propriedade do conde Fitzherbet, que ficava quase dois quilômetros montanha acima. Entregou a Billy algo embrulhado em um pano limpo.

- Roubei um pedaço de bolo para você.

- Ah, Eth, obrigado! - agradeceu Billy. Ele adorava bolo.

- Quer que eu ponha na sua marmita? - perguntou Mam.

- Quero, por favor.

Mam pegou um recipiente de lata no armário e pôs o bolo lá dentro. Cortou mais duas fatias de pão, passando banha e salpicando um pouco de sal nelas antes de guardá-las na marmita. Todos os mineradores tinham a sua marmita de lata. Se levassem para a mina comida enrolada em um pano, os ratos a comeriam antes do intervalo do meio da manhã.

- Quando você me trouxer o seu salário, vai poder levar uma fatia de toucinho cozido na marmita. - disse Mam.

O salário de Billy não seria grande coisa no começo, mas mesmo assim faria diferença para a família. Ele se perguntou com quanto Mam o deixaria ficar, e se algum dia ele conseguiria economizar o suficiente para comprar uma bicicleta, que desejava mais do que tudo na vida.

Ethel sentou-se à mesa.

- Como andam as coisas no casarão? - perguntou-lhe Da.

- Tranquilas - respondeu ela. - O conde e a princesa estão em Londres para assistir à coroação. - Ela olhou para o relógio sobre a lareira. - Eles devem acordar daqui a pouco... precisam chegar bem cedo na abadia. Ela não vai gostar, não está acostumada a sair da cama a esta hora, mas não pode se atrasar para o rei. -

A mulher do conde, Bea, era uma princesa russa, e muito distinta.

- Eles vão querer pegar lugares na frente para não perderem o espetáculo - falou Da.

- Oh, não, você não pode sair sentando onde quiser - disse Ethel. - Eles mandaram fazer 600 cadeiras especiais de mogno, com os nomes dos convidados gravados no encosto em letras de ouro.

- Ora, mas que desperdício! - comentou Gramper. - O que vão fazer com essas cadeiras depois?

- Não sei. Talvez cada um leve a sua para casa de lembrança.

- Se sobrar alguma, peça para eles mandarem para cá - falou Da com sarcasmo.

- Somos apenas cinco aqui e sua mãe já teve que ficar em pé.

Por trás das brincadeiras de Da, sempre podia haver raiva de verdade. Ethel pulou da cadeira.

*

"Queda de Gigantes"
Autora: Ken Follett
Editora: Sextante
Páginas: 912
Quanto: R$ 50,90 (preço especial, por tempo limitado)
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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