Livraria da Folha

 
22/09/2010 - 19h19

Coletânea de artigos aborda relação de Machado de Assis com escravidão

ARIADNE ARAÚJO
colaboração para a Livraria da Folha

Divulgação
Ensaios são fruto de série de debates realizados em 2008
Ensaios são fruto de série de debates realizados em 2008

Fenômeno literário, a obra de Machado de Assis atravessou o tempo. Seus críticos, no entanto, não lhe deram trégua. Acusaram-no de não ter dado devida importância à escravidão, ainda em vigor em sua época. Mulato e de origem humilde, a expectativa era de que ele se engajasse em movimentos abolicionistas e fizesse de seus textos uma obra de protesto. Mas, se o escritor não escrevia romances sobre escravidão, por outro lado, ele escrevia sobre a sociedade escravocrata. Para os pesquisadores, era sua maneira de denunciar o problema.

Ao mesmo tempo polêmico e pouco estudado, o tema é agora analisado em coletânea de ensaios chamada "Machado de Assis e a Escravidão" (Annablume). Segundo os organizadores, Gustavo Bernardo, Joachim Michael e Markus Schäffauer, o livro é o resultado de uma série de debates realizados em 2008, dentro das comemorações do centenário da morte do escritor, na Universidade de Hamburg, na Alemanha. Na nota introdutória do livro, os organizadores explicam que a ideia do colóquio era questionar velhos estereótipos.

Se escravidão aparece de forma indireta na obras de Machado de Assis, a constância de episódios envolvendo escravos indica que não se trata de um ingrediente a mais para dar realismo ao cenário urbano da época, dizem os organizadores. Pois, ao simular a visão de mundo patriarcal, dos mais fortes e poderosos, ele revela a maneira como o escravagismo opera: através da exclusão e da brutalidade.

A "dissecação" da sociedade escravocrata é clara nos romances. No artigo "Machado de Assis e o século negro", o professor Joachim Michael revisita Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde a temática da violência classista chega-nos através da voz do próprio narrador: "O eu-narrador do romance participa dessa violência e a pratica na própria forma de ver a sociedade e no modo como narra sua história". Os exemplos da violência escravocrata são claros.

Brás, o filho do senhor, usava o menino escravo Prudêncio como animal para cavalgar: "fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, algumas vezes gemendo, mas obedecia sem dizer palavra". Para Michael, a cena é uma caricatura sarcástica do próprio regime escravocrata. Mais tarde, alforriado, Prudêncio se tornará ele mesmo um senhor de escravo e vai tratá-lo da mesma forma como os brancos o trataram. Segundo Michael, é "a insistência no reino absoluto do escravismo".

A importância do tema para o escritor começa, então, a aparecer a partir de estudos recentes. Mas, para os organizadores, a maneira como Machado problematiza a escravidão requer reflexão no que toca às "estratégias narrativas empregadas". Os artigos do livro vêm, pois, jogar luz sobre essa questão que para muitos, como Eduardo de Assis Duarte, pesquisador e doutor em teoria da Literatura, "peca por falta de fundamentação".

 
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