Livraria da Folha

 
12/10/2010 - 19h00

Ruy Castro sugere cruzar rã albina e pato-galinha com político brasileiro

da Livraria da Folha

Divulgação
Seleção de crônicas satiriza o lugar-comum das explicações
Seleção de crônicas satiriza o lugar-comum das explicações

O que uma rã transparente, um pato nascido em um ovo de galinha e um político brasileiro têm em comum? Aparentemente nada, somente a esquizofrenia de formas e sentidos. Para o jornalista e escritor Ruy Castro, a tríade está interligada, de alguma forma, na crônica "Como um tumor".

"Um político gerado num ovo destinado a palmípedes pode se baldear no meio do mandato para o terreiro dos galináceos, por ver neste mais oportunidades para ciscar? Em princípio, não. Mas e se o eleitor só quiser saber do pinto ou do pato, e não do ovo de onde ele saiu?", explica o escritor.

Quanto à rã albina, ao cruzar com nossos políticos, poderia criar dirigentes mais transparentes, ou seja, mais honestos.

O texto integra o volume "Crônicas para Ler na Escola", que será lançado pela editora Objetiva em outubro. Nele, Castro se utiliza de seu humor sarcástico para destilar linhas muito bem articuladas para os alunos. Os textos fogem das obviedades do dia a dia.

Da política ao comportamento da sociedade contemporânea, o jornalista expõe seu arguto olhar sobre as efemérides brasileiras.

Leia abaixo a crônica "Como um tumor".

*

Cientistas da Universidade de Hiroshima, no Japão, criaram uma rã transparente, cujas intimidades ficam expostas e podem ser perfeitamente observadas pelo lado de fora. Com isso, salvaram-se gerações inteiras de rãs, porque os cientistas não precisarão mais dissecá-las para saber como reagem às substâncias que eles vivem lhes injetando. Outra vantagem é a de que poderão acompanhar uma rã por todo o seu ciclo de vida - o ciclo de vida da rã, claro, não dos cientistas.

Para chegar à rã transparente, os japoneses, craques em engenharia genética, levaram anos cruzando exemplares de rãs albinas. E agora partiram para aperfeiçoá-la: vão fazer com que qualquer corpo estranho que apareça dentro da rã se acenda. Um tumor, por exemplo.

Já no Marrocos, também nesta semana, os cientistas da Universidade de Rabat conseguiram com que um pato nascesse no ovo de uma galinha. Se isso lhe parece meio mixo (afinal, no mesmo dia, em Recife, uma avó deu à luz seus próprios netos, lembra-se?), saiba que a proeza marroquina é considerada mais importante, pelo fato de os palmípedes e os galináceos constituírem famílias diferentes.

Por coincidência, é o que se está discutindo em Brasília nos últimos dias: um político gerado num ovo destinado a palmípedes pode se baldear no meio do mandato para o terreiro dos galináceos, por ver neste mais oportunidades para ciscar? Em princípio, não. Mas e se o eleitor só quiser saber do pinto ou do pato, e não do ovo de onde ele saiu?

Essas mudanças nunca são de graça. Assim, sugiro convocar os japoneses para cruzar nossos políticos com as rãs albinas e, com isso, criar políticos transparentes. Quando um deles recebesse um corpo estranho - uma propina, por exemplo -, esse corpo se acenderia. Como um tumor.

 
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