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29/09/2010 - 22h07

Presidente tem visão de curto prazo, diz autor de "O Lulismo no Poder"

da Livraria da Folha

Em "O Lulismo no Poder" (Record, 2010), Merval Pereira diz que Lula "tem uma visão de curto prazo que supera suas preocupações com o futuro, exceto quando se trata de si mesmo."

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Seleção de artigos que traçam um panorama do governo Lula e do PT
Seleção de artigos que traçam um panorama do governo Lula e do PT

O livro é uma seleção de textos escritos por Merval, artigos publicados no jornal "O Globo" entre 2003 e os primeiros meses deste ano. A coletânea trata do desempenho do PT, da continuidade da política econômica do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, do assassinato de Celso Daniel --prefeito de Santo André (SP)-- e dos escândalos envolvendo José Dirceu e Palocci.

Para quem gosta de história, filosofia ou ciência política, o "lulismo", que dá título ao livro, soa familiar. O termo tem sua origem no conceito de "bonapartismo", que, ironicamente, aparece em "O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte", escrito pelo filósofo alemão Karl Marx (1818-1883). A obra faz críticas à atuação autoritária e o culto à imagem de Napoleão 3º (1808-1873), ferramentas empregadas para garantir a sua permanência no governo da França. Otto von Bismarck (1815-1898), na Alemanha, usou estratégia semelhante.

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Antonio Gramsci (1891-1937) retoma a ideia durante a ascensão de Mussolini (1883-1945), no período entre-guerras (1918-1939), que o filósofo italiano nomeou de "cesarismo". No Brasil, graças à gestão de Getúlio (1882-1954), já recebeu a designação de "varguismo".

O título é um dos últimos lançamentos sobre o presidente. Outro título recente: publicado pela Fundação Perseu Abramo, "O Governo Lula e o Combate à Corrupção" apresenta os mecanismos usados para conter, inibir e punir os crimes do colarinho branco no país.

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Leia, abaixo, um trecho de "O Lulismo no Poder".

*

Embora já tenha dito mais de uma vez que nunca foi comunista, e que quem tem mais de 40 anos e continua sendo de esquerda tem problemas na cabeça, Lula tem uma formação de esquerda devido à aproximação que manteve com as Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica no início da formação do Partido dos Trabalhadores (PT).

Especialmente sob a orientação de Frei Betto, que viria a ser seu assessor especial no Palácio do Planalto, deixando o governo desiludido com os rumos tomados pelo que deveria ser o programa estruturalmente transformador do governo Lula, o Fome Zero, substituído pelo Bolsa Família, de cunho acentuadamente assistencialista, sem grandes preocupações com mudanças estruturais da sociedade.

Já se disse que o líder populista se diferencia do estadista porque o primeiro pensa na próxima eleição, enquanto o outro pensa na próxima geração. Lula é um político do primeiro tipo, tem uma visão de curto prazo que supera suas preocupações com o futuro, exceto quando se trata de si mesmo.

Apesar de na retórica se apresentar como o grande estadista que o país jamais teve.

Certamente Lula não é um Chávez, mas não porque seus valores e seus pendores sejam muito diferentes.

Lula simplesmente é mais inteligente que Chávez, e é líder político de um país maior, mais importante e mais complexo do que a Venezuela.

Ele sabe que não pode sair de certos limites que a ainda imperfeita democracia brasileira impõe, mas está sempre testando-os.

A questão do terceiro mandato, que se disseminou por toda a região, é exemplar de como Lula sabe lidar com questões politicamente delicadas.

Entre deixar no ar um desejo latente de ter um terceiro mandato e a negativa peremptória em nome da preservação da democracia, Lula passou boa parte de 2009 vendo seus apoiadores no Congresso apresentarem diversos projetos a favor de um terceiro mandato consecutivo, fosse através da convocação de um plebiscito, método chavista tradicional, fosse pela defesa de convocação de uma Constituinte para realizar uma reforma política.

Com isso, testou a aceitação da sociedade brasileira e, mesmo tendo uma astronômica popularidade, sentiu que no mínimo dividiria o país se tentasse a aventura do terceiro mandato.

Sua imagem também ficaria danificada no exterior, mais próxima da de Chávez. Por isso, achou melhor posar de defensor da democracia.

Desde o início do primeiro mandato de seu governo tenta controlar os meios de comunicação, através de um Conselho Nacional de Jornalismo, proposta que não vingou devido à forte reação da sociedade e que hoje está de volta através de sugestões da Conferência Nacional de Comunicação.

O governo Lula também tem obsessão por controlar as manifestações culturais. O mesmo Ministério da Cultura que apresentou em 2003 um projeto que foi considerado pelo cineasta Cacá Diegues uma manifestação stalinista oferece uma nova versão da Lei Rouanet, que tem o mesmo objetivo de direcionar os espetáculos culturais para "compromissos sociais" que o governo considere adequados ao que imagina para o futuro do país.

O Programa Nacional dos Direitos Humanos, lançado no final do ano passado, foi mais uma tentativa de impor o controle governamental à sociedade, abordando uma gama imensa de assuntos polêmicos, desde a semente da revisão da Lei de Anistia até o aborto.

Talvez tenha sido o cineasta Fernando Meirelles quem melhor definiu o político Lula.

Contratado para montar a apresentação do Brasil para o Comitê Olímpico Internacional que acabaria escolhendo o Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016, Meirelles viu Lula chegar sem conhecer o texto que leria e em pouco tempo ter uma interpretação tão perfeita que "parecia que ele mesmo tinha escrito".

Frase definitiva do cineasta: "Nunca vi um ator tão bom quanto ele. Não sei se é um bom presidente, mas é um grande ator."

Lula teria a possibilidade de exibir seus dotes na reunião de Copenhagen que decidiria os novos compromissos internacionais para controle das emissões que afetam o meio ambiente, no fim do ano passado.

Essa questão sempre foi problemática para ele, que colocou a senadora Marina Silva no seu primeiro ministério mais como um símbolo do que como a realidade de sua política, a ponto de Marina desistir de permanecer nele depois que Lula deu a outro Ministro, o polêmico Mangabeira Unger, a tarefa de tratar da questão na sua mais simbólica região, a amazônica.

Conhecido pela má vontade que tem com a preservação dos bagres e das rãs, que muitas vezes interferem nas grandes obras que sonha construir, Lula transformou-se em um defensor do meio ambiente ao sentir que o mundo caminhava nessa direção e, no plano interno, temendo que a presença de Marina como candidata a Presidente pelo Partido Verde pudesse atrapalhar seus planos de transformar a próxima eleição presidencial em um plebiscito entre seu governo e o de Fernando Henrique Cardoso.

Aproveitando-se da hesitação dos governos dos Estados Unidos e da China, os dois maiores poluidores do planeta, Lula apresentou-se em Copenhagen como o porta-voz do mundo, exigindo dos países desenvolvidos compromissos com a proteção do meio ambiente que o Brasil assumia como exemplo.

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"O Lulismo no Poder"
Autor: Merval Pereira
Editora: Record
Páginas: 784
Quanto: R$ 70,31 (preço promocional)
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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