Livraria da Folha

 
30/09/2010 - 17h32

Web 2.0 retomou conceito grego de democracia, diz pesquisadora

da Livraria da Folha

Divulgação
Pesquisa de Drica Guzzi revela que incluídos digitais são mais ativos
Pesquisa de Drica Guzzi revela que incluídos digitais são mais ativos

A eleição de Barack Obama em 2008 revolucionou a história política mundial por conta da utilização da internet. Por meio da web 2.0, ou web participativa, os próprios eleitores fizeram campanha e divulgaram Obama em seus perfis no microblog Twitter, no Facebook, Youtube e outras redes sociais.

Este foi um dos casos utilizados por Drica Guzzi para ampliar sua tese de mestrado e produzir o livro "Web e Participação: A Democracia no Século XXI". A pesquisadora tomou o tema de seu trabalho do período em que fez parte do programa Acessa SP, iniciativa do governo do Estado de São Paulo para aumentar a inclusão digital.

Guzzi observou que aqueles que dominavam o uso da internet tornavam-se mais participativos nas comunidades virtuais. Depois, esta postura era ampliada para a esfera pública e trazida para fora do mundo virtual. O estudo de caso para embasar sua pesquisa utilizou o Fala São Paulo, canal de expressão dos usuários do Acessa SP.

Em sua apresentação, escrita especialmente para tirar o caráter acadêmico do texto inicial, a autora relembra o conceito grego de democracia. Com isso ela faz um breve histórico da evolução do conceito democrático e como a web 2.0 resgatou a postura grega em relação à comunidade.

Leia abaixo trecho da apresentação de "Web e Participação: A Democracia no Século XXI".

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Contexto histórico: democracia e novas tecnologias de informação

Estamos vivendo o processo da mundialização, de implantação de uma nova forma de comunicação baseada em uma rede digital de dados extremamente complexa e descentralizada: a internet. O conjunto das atividades que ocorrem na rede, ou em decorrência dela, aponta para formas cada vez mais importantes em relação à atividade econômica, interações sociais, educacionais, culturais e políticas, enfim à era da sociedade em rede, também chamada sociedade do conhecimento ou sociedade da informação.

As sucessivas invenções nas técnicas de comunicação e linguagem sempre mantiveram estreitas ligações com as formas de organização econômica e política. O nascimento da escrita está ligado ao surgimento dos primeiros Estados burocráticos de hierarquia piramidal e às primeiras formas de administração econômica centralizadas (impostos, gestão de terras agrícolas, etc).

O aparecimento do alfabeto na Grécia antiga é contemporâneo ao da moeda; nasce a democracia com a invenção do alfabeto, quando a leitura torna-se acessível à maioria dos habitantes da polis. Redigida em caracteres alfabéticos a partir do século VI a.C., a lei das cidades gregas torna-se acessível a todos, de onde o surgimento do conceito e da prática de cidadania (embora possamos sempre objetar que a cidade grega excluía as mulheres, os metecos e os escravos). Nesse contexto, também, ocorriam as conversações que ligavam os membros da comunidade política nos concretíssimos dispositivos que eram as cidades na Antiguidade. O ágora, isto é, o mercado, o porto, os cruzamentos, o teatro, os lugares de reunião pública em que oradores mais ou menos entendidos na nascente ciência da retórica se dirigiam aos seus concidadãos, foram outros tantos dispositivos de comunicação que contribuíam para a construção da comunidade cívica e do exercício da palavra pública.

Mais adiante, com o surgimento da prensa houve a possibilidade da difusão mais ampla de ideias e notícias, através da impressão de livros e jornais que foram constituindo a base da opinião pública, origem das democracias modernas. E, assim, sucessivamente, a fotografia, o cinema, o telefone, o rádio e a televisão, isso tudo acompanhado pelo desenvolvimento da instrução pública e da facilidade de transportes nos dois últimos séculos, colaboraram, em tese, para que o mundo inteiro se tornasse mais visível, mais audível, mais acessível e mais transparente.

Se, como vemos, o desenvolvimento das tecnologias tem o poder de provocar profundas mudanças sociais, econômicas e políticas, em tempos de globalização, cuja maior inovação é caracterizada pelo compartilhamento simultâneo de espaço e tempo em redes de alta densidade de indivíduos, certamente os desafios nas respostas ao gerenciamento do espaço público não são poucos.

Hoje todos os grandes jornais e emissoras de rádio e televisão noticiam na rede. Está cada vez mais consistente a chamada mídia digital, que, gerada por alguns meios de comunicação, só passa informações pela rede, sem usar o canal impresso.

No contexto geral, os meios de comunicação interativos, as comunidades virtuais sem território e a imensa possibilidade de expressão permitida pela internet abrem um novo espaço para a comunicação transparente, tanto no nível local quanto no global, levando, potencialmente, a profundas renovações das condições da vida pública, ou seja, maior liberdade e responsabilidade de um indivíduo enquanto cidadão.

O ciberespaço se torna cada vez mais um meio de exploração dos problemas, de discussão pluralista, de evidência de processos complexos, de tomada de decisão coletiva e de avaliação dos resultados mais próximo das comunidades envolvidas.

Considerando os vários mecanismos democráticos que podem ser implementados através da internet, o analista político J. S. Fishkin destaca duas perguntas básicas, ligadas ao tema: "Que formas de opinião pública estão sendo expressas e avaliadas?" e "De quem é a opinião?". Em suas análises, destaca que a formulação dos processos democráticos atuais vem enfrentando uma escolha constante e repetitiva entre dois tipos de instituições. Por um lado as que expressam o que a opinião pública de fato pensa na hora de votar, considerando que essa opinião pública estar sujeita a condições desfavoráveis de reflexão sobre as questões. Por outro lado, existem instituições que expressam opiniões de maneira mais ponderada, aquilo que a opinião pública pensaria sobre uma questão se estivesse mais bem informada. A dificuldade é escolher entre, por um lado, uma opinião pública debilitada, mas real, e por outro, uma opinião ponderada, mas projetada. A saída, talvez, para Fishkin, seria a criação de uma opinião pública mais engajada e atenta e que ao mesmo tempo fosse compartilhada pelo público.

Nesse contexto, a internet mostra-se um importante "lugar" - uma arena conversacional -, no qual o espaço se desdobra e novas discussões políticas podem seguir seu curso. Além disso, a internet pode reduzir em muito os custos da participação política e proporcionar um meio através do qual o público e os políticos possam interagir, trocar informações e conversar, de maneira direta e instantânea, eliminando os obstáculos burocráticos.

Não é à toa que o mundo gere tantas expectativas em relação a esse meio privilegiado de discussão, se considerarmos todo o potencial das novas tecnologias de informação e comunicação como instrumentos de fortalecimento dos processos democráticos. Contudo, se associarmos necessariamente tais recursos propiciados pela internet à revitalização das práticas e instituições democráticas podemos ser levados a grandes equívocos. Entre outros motivos, são necessárias não apenas estruturas comunicacionais eficientes e instituições propícias para a participação, mas também devem estar presentes o desejo, a motivação, o interesse e a disponibilidade dos governos e dos cidadãos para se engajarem no debate. A participação política na rede depende mais de motivação do que de liberdade.

Nesse sentido, é preciso entender um pouco mais a fundo uma lógica coletiva dos comportamentos de grupos para também poder interagir de forma a potencializar a ação desses grupos. Essa discussão não deixa de envolver aspectos que hoje mobilizam os teóricos do ciberespaço, como, por exemplo, o problema da captação da atenção dos usuários em rede, a técnica de sugestões dos chamados agentes inteligentes ou das comunidades virtuais, o problema da decisão e da escolha e os riscos que isso muitas vezes implica. São negociações de preferências individuais que dizem respeito a um posicionamento no coletivo.

O desenvolvimento de uma e-democracia no ciberespaço nos fornece a ocasião para experimentarmos novos modos de organização e de regulação no espaço público exaltando a singularidade e a multiplicidade.

Em que condições é justificável dizermos "nós"? Ou o que esse "nós" pode enunciar legitimamente enquanto coletivo, sem usurpação ou redução do singular no espaço comum? O que se perde quando dizemos "nós"?

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Web e Participação: A Democracia no Século XXI
Autor: Drica Guzzi
Editora: Senac
Páginas: 160
Quanto: R$ 40,00
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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