da Livraria da Folha
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Pesquisa de Drica Guzzi revela que incluídos digitais são mais ativos |
A eleição de Barack Obama em 2008 revolucionou a história política mundial por conta da utilização da internet. Por meio da web 2.0, ou web participativa, os próprios eleitores fizeram campanha e divulgaram Obama em seus perfis no microblog Twitter, no Facebook, Youtube e outras redes sociais.
Este foi um dos casos utilizados por Drica Guzzi para ampliar sua tese de mestrado e produzir o livro "Web e Participação: A Democracia no Século XXI". A pesquisadora tomou o tema de seu trabalho do período em que fez parte do programa Acessa SP, iniciativa do governo do Estado de São Paulo para aumentar a inclusão digital.
Guzzi observou que aqueles que dominavam o uso da internet tornavam-se mais participativos nas comunidades virtuais. Depois, esta postura era ampliada para a esfera pública e trazida para fora do mundo virtual. O estudo de caso para embasar sua pesquisa utilizou o Fala São Paulo, canal de expressão dos usuários do Acessa SP.
Em sua apresentação, escrita especialmente para tirar o caráter acadêmico do texto inicial, a autora relembra o conceito grego de democracia. Com isso ela faz um breve histórico da evolução do conceito democrático e como a web 2.0 resgatou a postura grega em relação à comunidade.
Leia abaixo trecho da apresentação de "Web e Participação: A Democracia no Século XXI".
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Contexto histórico: democracia e novas tecnologias de informação
Estamos vivendo o processo da mundialização, de implantação de uma nova forma de comunicação baseada em uma rede digital de dados extremamente complexa e descentralizada: a internet. O conjunto das atividades que ocorrem na rede, ou em decorrência dela, aponta para formas cada vez mais importantes em relação à atividade econômica, interações sociais, educacionais, culturais e políticas, enfim à era da sociedade em rede, também chamada sociedade do conhecimento ou sociedade da informação.
As sucessivas invenções nas técnicas de comunicação e linguagem sempre mantiveram estreitas ligações com as formas de organização econômica e política. O nascimento da escrita está ligado ao surgimento dos primeiros Estados burocráticos de hierarquia piramidal e às primeiras formas de administração econômica centralizadas (impostos, gestão de terras agrícolas, etc).
O aparecimento do alfabeto na Grécia antiga é contemporâneo ao da moeda; nasce a democracia com a invenção do alfabeto, quando a leitura torna-se acessível à maioria dos habitantes da polis. Redigida em caracteres alfabéticos a partir do século VI a.C., a lei das cidades gregas torna-se acessível a todos, de onde o surgimento do conceito e da prática de cidadania (embora possamos sempre objetar que a cidade grega excluía as mulheres, os metecos e os escravos). Nesse contexto, também, ocorriam as conversações que ligavam os membros da comunidade política nos concretíssimos dispositivos que eram as cidades na Antiguidade. O ágora, isto é, o mercado, o porto, os cruzamentos, o teatro, os lugares de reunião pública em que oradores mais ou menos entendidos na nascente ciência da retórica se dirigiam aos seus concidadãos, foram outros tantos dispositivos de comunicação que contribuíam para a construção da comunidade cívica e do exercício da palavra pública.
Mais adiante, com o surgimento da prensa houve a possibilidade da difusão mais ampla de ideias e notícias, através da impressão de livros e jornais que foram constituindo a base da opinião pública, origem das democracias modernas. E, assim, sucessivamente, a fotografia, o cinema, o telefone, o rádio e a televisão, isso tudo acompanhado pelo desenvolvimento da instrução pública e da facilidade de transportes nos dois últimos séculos, colaboraram, em tese, para que o mundo inteiro se tornasse mais visível, mais audível, mais acessível e mais transparente.
Se, como vemos, o desenvolvimento das tecnologias tem o poder de provocar profundas mudanças sociais, econômicas e políticas, em tempos de globalização, cuja maior inovação é caracterizada pelo compartilhamento simultâneo de espaço e tempo em redes de alta densidade de indivíduos, certamente os desafios nas respostas ao gerenciamento do espaço público não são poucos.
Hoje todos os grandes jornais e emissoras de rádio e televisão noticiam na rede. Está cada vez mais consistente a chamada mídia digital, que, gerada por alguns meios de comunicação, só passa informações pela rede, sem usar o canal impresso.
No contexto geral, os meios de comunicação interativos, as comunidades virtuais sem território e a imensa possibilidade de expressão permitida pela internet abrem um novo espaço para a comunicação transparente, tanto no nível local quanto no global, levando, potencialmente, a profundas renovações das condições da vida pública, ou seja, maior liberdade e responsabilidade de um indivíduo enquanto cidadão.
O ciberespaço se torna cada vez mais um meio de exploração dos problemas, de discussão pluralista, de evidência de processos complexos, de tomada de decisão coletiva e de avaliação dos resultados mais próximo das comunidades envolvidas.
Considerando os vários mecanismos democráticos que podem ser implementados através da internet, o analista político J. S. Fishkin destaca duas perguntas básicas, ligadas ao tema: "Que formas de opinião pública estão sendo expressas e avaliadas?" e "De quem é a opinião?". Em suas análises, destaca que a formulação dos processos democráticos atuais vem enfrentando uma escolha constante e repetitiva entre dois tipos de instituições. Por um lado as que expressam o que a opinião pública de fato pensa na hora de votar, considerando que essa opinião pública estar sujeita a condições desfavoráveis de reflexão sobre as questões. Por outro lado, existem instituições que expressam opiniões de maneira mais ponderada, aquilo que a opinião pública pensaria sobre uma questão se estivesse mais bem informada. A dificuldade é escolher entre, por um lado, uma opinião pública debilitada, mas real, e por outro, uma opinião ponderada, mas projetada. A saída, talvez, para Fishkin, seria a criação de uma opinião pública mais engajada e atenta e que ao mesmo tempo fosse compartilhada pelo público.
Nesse contexto, a internet mostra-se um importante "lugar" - uma arena conversacional -, no qual o espaço se desdobra e novas discussões políticas podem seguir seu curso. Além disso, a internet pode reduzir em muito os custos da participação política e proporcionar um meio através do qual o público e os políticos possam interagir, trocar informações e conversar, de maneira direta e instantânea, eliminando os obstáculos burocráticos.
Não é à toa que o mundo gere tantas expectativas em relação a esse meio privilegiado de discussão, se considerarmos todo o potencial das novas tecnologias de informação e comunicação como instrumentos de fortalecimento dos processos democráticos. Contudo, se associarmos necessariamente tais recursos propiciados pela internet à revitalização das práticas e instituições democráticas podemos ser levados a grandes equívocos. Entre outros motivos, são necessárias não apenas estruturas comunicacionais eficientes e instituições propícias para a participação, mas também devem estar presentes o desejo, a motivação, o interesse e a disponibilidade dos governos e dos cidadãos para se engajarem no debate. A participação política na rede depende mais de motivação do que de liberdade.
Nesse sentido, é preciso entender um pouco mais a fundo uma lógica coletiva dos comportamentos de grupos para também poder interagir de forma a potencializar a ação desses grupos. Essa discussão não deixa de envolver aspectos que hoje mobilizam os teóricos do ciberespaço, como, por exemplo, o problema da captação da atenção dos usuários em rede, a técnica de sugestões dos chamados agentes inteligentes ou das comunidades virtuais, o problema da decisão e da escolha e os riscos que isso muitas vezes implica. São negociações de preferências individuais que dizem respeito a um posicionamento no coletivo.
O desenvolvimento de uma e-democracia no ciberespaço nos fornece a ocasião para experimentarmos novos modos de organização e de regulação no espaço público exaltando a singularidade e a multiplicidade.
Em que condições é justificável dizermos "nós"? Ou o que esse "nós" pode enunciar legitimamente enquanto coletivo, sem usurpação ou redução do singular no espaço comum? O que se perde quando dizemos "nós"?
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Web e Participação: A Democracia no Século XXI
Autor: Drica Guzzi
Editora: Senac
Páginas: 160
Quanto: R$ 40,00
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha