Livraria da Folha

 
13/10/2010 - 19h06

Carrinho de supermercado cheio de metralhadoras virou ícone, diz fotógrafo Bob Wolfenson

ARIADNE ARAÚJO
colaboração para a Livraria da Folha

Mastrangelo Reino/Folhapress
Fotógrafo Bob Wolfenson lança livro pela Cosac Naif
Fotógrafo Bob Wolfenson lança livro "Apreensões" pela editora Cosac Naify
Reprodução
Fotógrafo de moda aventura-se por batidas policiais em todo o Brasil
Fotógrafo de moda aventura-se por batidas policiais em todo o Brasil

A lente de Bob Wolfenson já clicou dezenas de top models, como a internacional Gisele Bündchen. De seu trabalho, já saíram muitas capas da "Playboy". Mas, inquieto e curioso, ele não se contenta em ser uma das referências nacionais como retratista, fotógrafo de nus, de moda e publicidade. Em trânsito, o artista vive uma constante busca de novas e interessantes histórias para contar, a partir de sua lente.

Seu mais recente projeto pessoal, o livro "Apreensões", lançado pela Cosac Naify, resultou em uma exposição. Edição bilíngue português-inglês, montada em folhas duplas, a primeira foto do livro é a imagem ícone do trabalho: o carrinho de supermercado carregado de metralhadoras e revólveres. Para o artista, a série revela esse mundo antiglamour e faz o inventário de uma certa tragédia brasileira.

Em entrevista à Livraria da Folha, Bob Wolfenson conta os bastidores da história da realização da série "Apreensões", que exigiu dele viagens por várias cidades brasileiras e muitas negociações com juízes, policiais, fiscais e secretários de Estado para ter acesso aos depósitos de materiais aprendidos. Um caminho, segundo ele, longo e difícil.

Bob Wolfenson
Carrinho de supermercado carregado de armas, flagrante de Bob Wolfenson
Carrinho de supermercado carregado de armas, primeiro flagrante de Bob Wolfenson para seu livro "Apreensões" (Cosac Naify)

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

*

Livraria da Folha - O senhor conta no livro que a ideia da série surgiu a partir das apreensões mostradas na imprensa. Por que elas chamaram sua atenção, em especial?

Bob Wolfenson - Quando fizeram um leilão dos objetos apreendidos do traficante Abadia me interessei pelo assunto. Como em todo leilão, as obras ficam expostas para que os compradores possam vê-las in loco. A disposição das coisas lado a lado e a quantidade de objetos perfilados me chamaram a atenção. Parecia-me uma obra pronta, destes inventários comuns às obras de arte contemporâneas. Fiquei com aquilo na cabeça, mas só algum tempo depois consegui colocar a coisa em marcha.

Livraria da Folha - Essa série vem no mesmo espírito de outras que o senhor realizou, como a dos prédios paulistas degradados e os cenários lúgubres de Cubatão?

Wolfenson - Num certo sentido sim, pois são mais objetos do meu interesse como cidadão/ artista do que como fotógrafo profissional. Explico-me; estes trabalhos aos quais você se refere são inventados, produzidos, financiados e realizados por mim. Portanto, atendem muito mais a evocações e impressões muito pessoais. Acho que é essa a conexão entre eles.

Livraria da Folha - Sei que o senhor foi a seis diferentes cidades para realizar o trabalho. Poderia falar um pouco desse período, um pouco dos bastidores dessas viagens. As dificuldades e surpresas, por exemplo?

Wolfenson - Bom, aqui em São Paulo, onde realizei a maior parte do trabalho, o que me impressionou foi a quantidade de armas apreendidas e armazenadas. A imagem do carrinho de supermercado carregado de metralhadoras e revólveres foi a primeira fotografia que fiz. Aquilo por si só já era um ready made. E foi a imagem que me deu alento pra seguir no trabalho. Ela se tornou um ícone dele pela sua contundência e, de certa forma, pelo seu aspecto mais anedótico.

A entrada neste mundo antiglamour não era novidade pra mim, haja vista os trabalhos anteriores citados por você. Mas a especificidade deste, a negociação com instâncias as mais variadas foram sempre um desafio talvez muito maior do que a realização das fotografias. As outras cidades não vieram de estatísticas de apreensões, as quais porventura eu pudesse estar pesquisando, mas sim por facilidades de contatos encontrados por mim.

No norte do Mato Grosso, recebi uma informação através do Ibama de Sinop, outra cidade do estado na qual me encontrava, de que havia na cidade de Guarantã do Norte, quase na fronteira com o Pará, uma grande quantidade de animais, apreendidos pelo órgão, em readaptação, para serem liberados de volta ao meio ambiente. Combinei com um taxista pra que me levasse lá, eram 500 quilômetros, ida e volta. Ao chegar numa instalação um tanto quanto modesta, mas contendo exatamente o que eu buscava, pensei neste sentido talvez que aguce a curiosidade de muitos. Por que alguém com a imagem ligada ao universo, digamos assim, mais glamouroso, estaria naqueles confins e naquelas condições, fotografando animais engaiolados?

Sempre tenho mais perguntas que respostas. Mas suponho que talvez seja por isso mesmo, porque não me reconheço nesta minha persona pública do sujeito invejado por conhecer gente famosa e fotografar mulheres bonitas nuas ou vestidas. Além de advogar a condição de transitar por várias disciplinas. Estou sempre em trânsito. E finalmente, porque eu posso ir atrás das histórias que me interessam.

Bob Wolfenson
Mostra "Apreensões", de Bob Wolfenson, é resultado de viagens do fotógrafo por cidades brasileiras
Livro de Bob Wolfenson é resultado de viagens do fotógrafo por cidades brasileiras em busca de mercadorias apreendidas

Livraria da Folha - O senhor selecionou "tipos" de apreensões na sua busca inicial? Na captura da imagem, o que importava mais para o olho treinado do fotógrafo?

Wolfenson - De uma certa forma, num primeiro momento, eu queria fazer uma sociologia da coisa, contemplar todos os tipos de apreensões. Depois me contentei com o que foi possível, dada a dificuldade de acesso e desconfiança por parte das autoridades que o tema gerava. Para o olho do fotógrafo treinado, como você coloca, tentei ao máximo me descontaminar do olhar mais "bom gostista" de alguém ligado à moda. Fui encontrando coisas e as arrumando na forma de assemblages o mais diretamente possível, sem subterfúgios de ordem estética. Tentei não atrapalhar as coisas, deixá-las no seu estado mais bruto.

Livraria da Folha - De que falam essas fotos, na sua opinião?

Wolfenson - Falam de uma época, de um país, de um povo, de seus gostos e valores e de suas, com o perdão do trocadilho, apreensões. E falam de mim também, pois foi o meu crivo que selecionou este assunto como importante pra ser fotografado, editado e visto da forma que foi apresentado e publicado. Ainda por trás de cada objeto apreendido as pessoas podem imaginar e inventar as histórias. Além do que, todas estas apreensões postas juntas formam um inventário de uma certa tragédia brasileira.

Livraria da Folha - O que o senhor "gostaria" que as pessoas vissem/lessem nesse trabalho?

Wolfenson - Fiz estas fotos com um grande apuro técnico, as imagens com grande definição e tamanho, para que as pessoas se detivessem mais sobre elas e vissem o que não enxergamos mais, acabamos nos naturalizando às coisas que vemos muito. Parafraseei no texto do livro uma frase de Caetano Veloso, da sua música "Estrangeiro", quando se refere à Baía da Guanabara, onde diz estar "cego de tanto vê-la".

Livraria da Folha - Como foi a recepção de sua série? Estranhamento? Surpresa? Como o senhor mesmo vê o resultado de seu trabalho?

Wolfenson - Sim, estranhamento e surpresa, exatamente por não esperarem isso de mim, muito embora meus últimos trabalhos apontassem para uma direção diferente daquela na qual sou mais reconhecido. Vejo o resultado com muita gratificação. Suscitei esta curiosidade e estranhamento numa forma exponencial e recebi muitos feedbacks sobre a força e contundência deste. E, de uma certa forma, é um trabalho popular, digo no sentido de interessar às pessoas menos elitizadas. Vi isso na exposição no Centro Universitário Maria Antonia. Estava eu um dia visitando a mostra quando me deparei com um grupo de alunos de uma escola pública, a monitora do Centro fazendo uma série de perguntas, sem saber que eu estava presente e mesmo sem saber quem eu era eu. As respostas dos alunos eram exatamente o que eu buscava estabelecer com a audiência. Uma menina dizia que parecia estar dentro do ambiente fotografado, que as fotos tinham muita definição, outro dizia que via muito mais ali do que normalmente nas notícias.

Livraria da Folha - Algum próximo projeto como esse em processo de germinação?

Wolfenson - Não, ainda estou muito ligado a este, falando, dando entrevistas. A exposição ainda está em vigência, preciso me esvaziar dele para que eu possa ter outra ideias.

*

"Apreensões"
Autor: Bob Wolfenson
Editora: Cosac Naify
Páginas: 48
Quanto: R$ 40,00 (preço promocional, por tempo limitado)
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
Voltar ao topo da página