Livraria da Folha

 
16/10/2010 - 13h43

Psicanalista analisa figuras femininas nos contos de fadas

colaboração para a Livraria da Folha

Divulgação
Marie-Louise von Franz pesquisa universo simbólico feminino
Marie-Louise von Franz pesquisa universo simbólico feminino

Há muito mais que um inocente conto infantil no mundo mágico das fadas boas e más, anões e duendes, feiticeiras horripilantes, heróis corajosos, sapos que viram príncipes, princesas que dormem 100 anos. Para a célebre psicanalista Marie-Louise von Franz, uma das maiores colaboradoras do psiquiatra Carl Jung, estas narrativas folclóricas são sonhos da alma coletiva e fonte de compreensão da psique e do comportamento humano. Neles, há muito dessa "corrente subterrânea", que se constrói lentamente a partir de experiências individuais.

Em "O Feminino nos Contos de Fadas" (Vozes), von Franz analisa seis dessas narrativas populares em busca do "arrière-plan" psicológico dos personagens e situações que afetam, em especial, o universo das mulheres. Primeira coisa a saber é que a maioria das histórias que descrevem aventuras ou sofrimentos femininos foi contada por homens: "são projeções de sua imaginação, que exprimem suas aspirações e suas dificuldades em viver seu próprio pólo feminino e em se relacionar com as mulheres".

No conto de Grimm, a Bela Adormecida, que em outras versões atende também por Flor de Espinho ou Rosa Espinhosa, uma rã se dirige aos pais sem filhos e promete o nascimento de uma criança no reino infértil. Animal ligado à sexualidade e ao espírito da natureza, a presença da rã passa uma mensagem ao inconsciente, a de viver "sem que nenhuma condição especial precise ser colocada". Mas, a história, nos adverte sobre a exigência de um pagamento do "lado escuro da natureza".

Nas mitologias, o tema do desaparecimento da filha divina é recorrente. Na Bela Adormecida, trata-se de um sono que se assemelha à morte. A vingativa madrinha má que jogou a maldição encarna o orgulho ferido e o rancor. "A fonte de muitos males e de muitas dificuldades na vida de uma mulher está em sua dificuldade em integrar e superar as feridas afetivas", diz von Franz. E essas reações de natureza arquetípica, como a desforra e a censura, se refletem nos mitos e nos contos.

A madrinha má, que volta 15 anos depois do nascimento da criança para consumar a maldição, representa, segundo von Franz, o aspecto sombrio do princípio feminino, "o aspecto imperfeito da mãe natureza negligenciada". O fuso, onde a jovem espeta o dedo antes de cair em sono profundo, é também símbolo das velhas sábias e feiticeiras. Já o sono de 100 anos, "representa um período de repressão muito longo", diz. Na prática, isso poderia indicar que os problemas estão mais adormecidos que resolvidos.

Há uma razão para que fadas más e feiticeiras tenham papel crucial nas histórias. Para Marie-Louise von Franz, isso traduz a recusa, em nossas sociedades, do princípio feminino. "A feiticeira encarna o medo da vida e de seus mistérios, o temor do inconsciente", diz. Mas, os contos propõem um objetivo último: "a união de dois princípios, o masculino e o feminino". O que Jung chamou de "a realização da totalidade psíquica". O casamento feliz de reis e rainhas nos finais dos contos representa isso.

Assim, já que ambos os princípios, feminino e masculino, estão presentes em cada indivíduo, a ideia é trabalhar para harmonizá-los. Pois, embora seja só um indício, apenas esboço de transformação, essa união dos dois princípios é gérmen de uma mudança na atitude coletiva. Segundo ela, afinal, "homens e mulheres não poderão reencontrar sua natureza profunda senão no reconhecimento e no respeito de sua complementaridade". Nessa perspectiva, "a luta de poder entre sexos não tem mais sentido".

 
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