Livraria da Folha

 
26/02/2009 - 05h00

LIVRARIA: Biografia ousada conta a vida escandalosa e desregrada de Tim Maia

da Folha Online

Divulgação
Nelson Motta conta a incrível vida de Tim Maia no livro "Vale Tudo"
Livro revela a genialidade e os excessos de um artista eletrizante

O jornalista e produtor musical Nelson Motta acompanhou a carreira de Tim Maia de perto e foi amigo pessoal do cantor por mais de duas décadas e meia. Seu último encontro com Tim Maia, em Nova York, aconteceu no melhor clima possível --era o encontro de dois amigos que viveram muitas histórias juntos e podiam, enfim, olhar para trás e dar risada até mesmo das batalhas perdidas.

A narrativa desse encontro, que pode ser lida abaixo, abre o livro "Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia", a biografia imperdível de Tim Maia escrita por Nelson Motta.

O livro é finalista da categoria "Melhor Livro de Biografia" do Prêmio Jabuti 2008.

Nelson Motta narra histórias impagáveis dos bastidores das gravações dos discos, dos melhores e piores shows de Tim, das confusões com gravadoras, empresários, colegas de banda e quem mais o enfrentasse, das noitadas movidas a substâncias não recomendadas, e dos grandes amores e perdições do cantor. Eletrizante da primeira à última página, o livro é da Editora Objetiva e está à venda no site da Publifolha.

Confira abaixo o trecho que abre o livro "Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia".

*

De manhã cedo, atendi o telefone e ouvi a voz inconfundível, em ritmo acelerado e inglês perfeito:

"Good morning, mister Nelson Motta, here's your good old friend Tim Maia, calling from room 9-B of the Delmonico's Hotel, Park Avenue, New York City."

Que alegria! Foi a maior surpresa, nem imaginava que ele estivesse na cidade, onde eu morava havia cinco anos. Não o via desde um espetacular show no Scala, numa viagem ao Brasil, uns dois anos antes.

"Ô Nelsomotta, eu tô aqui sentado numa cadeira e tomando café numa mesa tão antiga que estou me sentindo um Dom João VI, porque tudo é antigaço nesse hotel, mas o fogão está funcionando e você está convidado a tomar um breakfast e a torrar unzinho comigo. Now!"

Cinco estações de metrô depois, cheguei à esquina da Park Avenue com a rua 59 e entrei no decadente Delmonico's, que não vivia mais os seus dias de glória mas ainda mantinha os pisos de mármore, os janelões e grandes espelhos, as imensas suítes com cortinas de veludo, paredes forradas de madeira e um mobiliário escuro e antigo, que davam mesmo um ar de Dom João VI doidão a Tim Maia comendo um croissant numa cadeirona, atrás de uma pesada mesa de madeira trabalhada.

"Tá vendo? Agora só me falta escrever com uma pena de ganso", soltou uma gargalhada e se levantou para me receber. Nos abraçamos e beijamos, celebrando uma amizade iniciada em 1969, quando ele começava sua carreira e o convidei a participar do disco de Elis Regina que eu produzia. Quase trinta anos de música, escândalos e gargalhadas.

Ofereceu logo um baseado de boas-vindas: tinha acionado suas conexões nova-iorquinas e já estava com três qualidades diferentes de skunk, e ainda tinha um haxixe paraguaio, coisa de que eu nunca ouvira falar, mas que ele recomendou muito. Enquanto enrolava um tronco do que chamava de misto-quente, gritou para sua secretária, na cozinha da suíte:

"Adriana, faz umas torradas e uns ovos mexidos pro meu amigo Nelsomotta e traz mais uma rodada pra mim. E traz panquecas também. E mel. E maple. E geléia. Traz tudo."

Estava muito feliz de reencontrá-lo tão alegre e bem-disposto, achei até que estava um pouco mais magro - embora ainda imenso - do que em nosso último encontro no Rio. Me contou em detalhes a sua epopéia de três cirurgias no saco e seu rompimento definitivo com o goró e a brizola; jurou que nunca mais tinha faltado a um show, que a vida estava dura mas estava boa.

Mostrou fotos e contou histórias hilariantes sobre a viagem que fizera de Miami a Nova York, cruzando nove estados numa limusine pilotada pelo português Bonáveres, refazendo o seu itinerário de 36 anos atrás, que terminara numa prisão na Flórida e na sua deportação para o Brasil, em 1964. E, passando o braço de urso pelos meus ombros, mandou Adriana tirar uma foto do nosso encontro, os dois felizes e sorridentes.

Animadíssimo, Tim estava com 55 anos e me parecia razoavelmente saudável - para os padrões Maia -, muito afetuoso e doidão como sempre. Contou que iria a Tarrytown, a uma hora de Manhattan, em peregrinação aos lugares onde vivera dos 17 aos 18, lembrou de dramas e comédias de seus cinco anos nos Estados Unidos, a iniciação na maconha, a primeira prisão, a descoberta do rhythmand- blues e do soul, os 19 endereços diferentes onde morou em Nova York.

Entusiasmado com seu estúdio e seus novos trabalhos, me deu os quatro discos que havia gravado no último ano e estava lançando pela sua gravadora Vitória Régia - "a única que paga aos sábados, domingos e feriados depois das 21 horas" -, com uma dedicatória que me comoveu, uma das mais honrosas que já recebi:

"Com o respeito do Tim Maia."

Pô, vindo de quem não respeitava ninguém, ou quase, era uma condecoração. Desfrutar de sua amizade e testemunhar sua carreira eram um privilégio: um incessante espetáculo de grande música e alta comédia, protagonizado por um personagem único em sua paixão pelo excesso - de talento, de volume, de peso, de comida, de sexo, de drogas, de amor à arte, de cafajestice e agressividade, de ternura e generosidade - sintetizada em seu grito de guerra:

"Mais grave! Mais agudo! Mais eco! Mais retorno! Mais tudo!"

Só consegui sair depois de horas de muita conversa e gargalhadas, entre várias rodadas de café completo, ovos mexidos e incessante carburação, me divertindo com histórias que qualquer ficcionista consideraria inverossímeis, mas eram apenas fatos e acontecimentos corriqueiros do cotidiano de Tim Maia.

Mas que ficcionista seria capaz de criar um personagem como Tim Maia? E quem acreditaria?

*

"Vale Tudo - O Som e a Fúria de Tim Maia"
Autor: Nelson Motta
Editora: Objetiva
Páginas: 392
Quanto: R$ 53,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou no site da Publifolha

 
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