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03/10/2009 - 13h21

Jornalista vira cafetão em romance de Marcelo Rubens Paiva; leia trecho

da Folha Online

Será que o amor acaba? Ou ele apenas se transforma em outra coisa? A paixão pelo trabalho pode estragar um casamento? Nós que escolhemos qual caminho seguir ou é a vida que nos leva a direções muitas vezes imprevisíveis?

Divulgação
Livro de Marcelo Rubens Paiva fala de desejo, prostituição e mostra questionamentos em relação ao amor
Livro de Marcelo Rubens Paiva fala de amor, jornalismo, desejo e de garotas de programa

Em "A Segunda Vez que Te Conheci" (Objetiva, 2008), o escritor Marcelo Rubens Paiva mostra a vida do jornalista Raul, que mora no bairro de Cerqueira César, em São Paulo, e vê sua vida mudar completamente após o fatídico domingo em que sua mulher lhe avisa que vai embora.

Ele não entende o porquê, imagina várias possibilidades, tenta convencê-la a ficar, mas é em vão, Ariela acaba deixando mesmo o apartamento do casal e provoca uma reviravolta nos sentimentos e anseios do rapaz.

Logo depois, ele se envolve com a melhor amiga de sua ex, Fabi, passa a se dedicar à poesia e à filosofia, e começa a fazer uma revolução em seu ambiente de trabalho, até que perde o emprego por causa de sua impetuosidade.

Os diálogos fluentes e dinâmicos permitem que o leitor se identifique com a evidente indefinição no futuro de Raul, que vai morar em um flat emprestado por um amigo --após terminar o relacionamento com Fabi-- e, lá, começa a se envolver de uma maneira intensa (e involuntária) com o "mercado" da prostituição.

Em meio a essa nova atividade de agenciador de mulheres (ele servia de motorista para as garotas em troca de parte do cachê que elas ganhavam dos clientes), os pensamentos de Raul se tornam uma profusão de questionamentos: não sabe se volta às redações e ao jornalismo --já que teve um convite para retornar a seu antigo cargo-- e não sabe como reconquistar Ariela --que continua sendo a mulher da sua vida, mesmo seis anos após a separação.

Leia abaixo um trecho do segundo capítulo de "A Segunda Vez que Te Conheci", que mostra o momento em que Ariela conta a Raul sobre sua decisão de terminar o casamento e de ir embora do apartamento do casal:

*

Às 11h, na sala, encontrei Ariela arrumada, pálida como uma escultura de gesso, ao lado de duas malas e uma pilha de livros, sentada no canto do longo sofá de quatro lugares. No colo, a grossa edição intacta do jornal de domingo. Seu corpo estava voltado para a porta de entrada. Rígido. Me esperou acordar em alerta. Sonado, ao ver o instantâneo, desabei. Óbvio.

"Raul, senta", ela disse.
Você acredita que foi assim que ela anunciou?
Sentei.
Em mim, desespero e pensamentos estúpidos, como:
a) por que tínhamos um sofá tão longo?
b) quanto tempo demorou para fazer as malas?

Eram as suas coisas prioritárias e alguns livros de filosofia, disse. Mandaria alguém pegar o resto. Eu não saberia como começar o anúncio do fim, nem diferenciar o prioritário do não, se eu tivesse que partir naquela manhã. Nem saberia qual livro eu leria, nos dias que viriam. Nem se leria um livro. Ler um livro chorando o amor partido?!

Ariela parecia sóbria demais na manhã que ficaria marcada em nossas vidas. Manhã que não seria curta: teríamos que revisitar o dia em que nos conhecemos, os dois anos de namoro, o pedido de casamento, o casamento, a viagem de lua-de-mel desastrosa - como muitas viagens de lua-de-mel -, mais viagens, casas em que moramos, cada amigo que fizemos, cada noite em que choramos, e o trabalho que deu subir com cordas pela fachada aquele longo sofá, operação que atrapalhou o trânsito do bairro Cerqueira César.

Decidiu, é hoje, fez as malas com as roupas mais importantes? Estão lá alguns remédios, a escova de dente. Empacotou tudo tão rápido.
São os livros de filosofia que adora e devora que lhe dão tantas certezas? O álbum de casamento ficará para quem? Esperou eu acordar para se despedir, anunciar o fim, sem esquecer de deixar uma ponta de esperança, respondendo às próprias perguntas:

"Vou para a casa da Fabi, ficarei lá, vamos pensar. Será? Sim, baby. Estou certa? Talvez. É o melhor para mim, digo, para nós, mas, quem sabe? Não sei, você sabe?"
"Tem outro cara?"
"O quê? Não."
"Jura?"
"Claro."
"Você está sendo muito seca."
"O que você queria?"
"Você está tendo um caso?"
"Pára com isso!"
"Fala a verdade."
"Ridículo!"
"Não me ama mais?"
"Não é isso."
"O que é então?"
"Estou com um terremoto aqui dentro. Entende?"
"Não."
"Preciso ir."
"Você já decidiu."

"Perdão."
"Tem certeza?"
"Tenho. Você não concorda?"
"Não."
"Por quê?"
"Mais uma chance?"
"De quantas mais precisamos?"
"De muitas."
"De muitas quantas, baby?"
"De três?"
Ela riu. Por isso eu a amava tanto: gosta das minhas piadas e ri. Mesmo no dia que ficaria marcado mais do que o dia em que nos conhecemos, que seria esquecido. "Você também não me ama mais", ela comentou.
"Como assim?! Claro que eu te amo! Até o infinito!"
Apelei. Ela se emocionou. Infinito fazia parte do nosso repertório pessoal. Ela costumava perguntar "quanto você me ama?", e eu dizia "muito", ela insistia "muito quanto?", e eu dizia "infinito".

Ninguém ama alguém até o infinito. Jamais o conheceremos. Só compreendemos o infinito na poesia. Na imaginação. Sabíamos que ia acontecer, há meses, como se diz por aí, "não vínhamos bem", há muito não éramos os mesmos, você sabe como é, há tempos cada um foi para um lado, priorizou seus planos, há tempos tivemos a conversa séria.

O meu trabalho atrapalhava?
Insônias, silêncios.
Em vez de cobranças, esgotamento.
Há meses nos perguntamos se tinha acabado.
No domingo ela fez as malas.

Ex-marido é como um banheiro velho. Ela quer homens sem vícios, ferrugens e vazamentos. Como não entende de encanamentos, abandona.

*

"A Segunda Vez que Te Conheci"
Autor: Marcelo Rubens Paiva
Editora: Objetiva
Páginas: 192
Quanto: R$ 26,32
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou no site da Livraria da Folha.

 
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