Livraria da Folha

 
11/07/2009 - 15h46

Na exposição "Cuide de Você", Sophie Calle mescla imagem, literatura, vídeo e som

PAULA DUME
colaboração para a Livraria da Folha

Maria de Medeiros lê calmamente uma carta de rompimento. O vídeo, que reproduz a cena, permite à atriz portuguesa recepcionar o público brasileiro logo na entrada da exposição "Cuide de Você", da artista plástica francesa Sophie Calle, realizada na sexta-feira (10), no Sesc Pompéia, zona oeste de São Paulo. A mostra estará aberta até 7 de setembro de 2009.

Sophie Calle/Divulgação
Atriz portuguesa Maria de Medeiros lê email do escritor Grégoire Bouillier para a fotógrafa Sophie Calle
Atriz portuguesa Maria de Medeiros lê email do escritor Grégoire Bouillier para Sophie Calle

A exposição faz parte das comemorações do Ano da França no Brasil, tendo sido exibida pela primeira vez na Bienal de Veneza, em 2007, seguindo depois para França, Canadá e Estados Unidos. O mote que conduz a mostra é o rompimento entre Grégoire Bouillier e Calle. O escritor francês terminou o relacionamento por e-mail, finalizando o texto com a frase "Cuide de Você". A artista pediu então a 107 mulheres que interpretassem sua reação diante da despedida. O conjunto de expressões femininas foi filmado por Calle e tornou-se uma obra renomada ("Prenez Soin de Vous", a frase, em francês).

O livro homônimo da artista plástica reúne essas imagens --decodificadas das mais diversas formas. Há vários tipos de apoio para a leitura da carta: do banco do metrô à privada do toilette. E reações inusitadas diante da despedida: ternura, fúria entre outros sentimentos. Há, também, interpretações textuais, como a lexicometria do e-mail de Grégoire, o texto em sistema binário e representado em um jogo de xadrez.

E a exposição, agora no Brasil, com curadoria de Christine Macel, exibe 83 mulheres lendo-se por meio de palavras que se despedem. Na entrada de "Cuide de Você", 33 imagens femininas convidam o público --além da atriz portuguesa-- a adentrar nas histórias. Na parede oposta, 33 vídeos seguem decodificando ausências, surpresas e até inexistências diante do abandono. Criminalista, oficial da inteligência francesa, compositora, atriz, clown, todas mulheres à beira de um ataque de intimismo.

"A exposição é absolutamente multidisciplinar. O fato de se adequar ao lugar permite à artista criar outras narrativas. Para receber o público brasileiro, ela achou de bom tom ter um depoimento da Maria de Medeiros, que no original é em português. Em Nova York, era da [compositora] Laurie Anderson", explica a diretora da Associação Cultural Videobrasil e do Museu de Arte Moderna da Bahia, Solange Oliveira Farkas.

Não vire a página, mas leia e interprete

Jean-Baptiste Mondino/Divulgação
Fotógrafa e escritora Sophie Calle inaugura exposição em São Paulo
Artista plástica Sophie Calle inaugura exposição em São Paulo

Sophie Calle também reservou outro mimo aos seus leitores brasileiros. A publicação de "Histórias Reais" (Agir, 2009), sua primeira obra a ser lançada aqui. O volume relata as experiências autobiográficas da autora ao mesclar verdade e invenção nos textos. O mistério fica por conta do leitor que se dilui por entre as curtas narrativas de Calle. Mais uma vez, ela expõe as entrelinhas do relacionamento com "Greg" (Grégoire Bouillier) em dez mini-flashes sob o título "O Marido (10 histórias)".

Leia trecho do título

Esse caráter autobiográfico também faz parte do duo brasileiro Tetine --formado pelo músico e poeta Bruno Verner e pela artista Eliete Mejorado--, radicado em Londres e conhecido pela fusão de música eletrônica urbana, performance e arte visual. Ao término do evento, a dupla apresentou o show "Samba de Monalisa - Tetine vs Sophie Calle" -- inspirado no filme "No Sex Last Night" (1992), no qual Calle convida o então namorado Greg Shephard a viajar de carro de Nova York à Califórnia para compor um vídeo.

"A gente remixou e redirigiu o filme como se ela estivesse cantando. Contamos a história do nosso próprio jeito. Nosso disco tem uma ginga tropical que tem bastante 'sex last night'", brinca Mejorado. Lançado em 2002 pela gravadora inglesa Sulphur Records, na Europa e nos Estados Unidos, "Samba de Monalisa" virou peça de colecionador. O disco está esgotado desde 2004.

Para Verner, é uma honra voltar a fazer o show e ter Calle na plateia. O que, de certa forma, aproxima o trabalho da dupla ao da artista plástica é a diluição entre as esferas da vida pública e da privada em suas produções. Fronteira essa que atinge o público que visita não só a exposição como também as obras escritas da artista.

Uma foto, um vídeo ou um texto convidam o público a transformar sua experiência em arte. A produção poderá ser enviada para o blog de Calle. Se o seu post for selecionado, ele integrará uma pós-exposição no Museu de Arte Moderna da Bahia, onde a mostra permanecerá de 22 de setembro a 22 de novembro de 2009.

 
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