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04/11/2009 - 00h00

Lévi-Strauss analisa a cultura por meio de hábitos alimentares; leia trecho

da Folha Online

Reprodução
Claude Lévi-Strauss no Laboratório de Antropologia Social do College de France.
Claude Lévi-Strauss no Laboratório de Antropologia Social do College de France.

Há mais de 40 anos, Claude Lévi-Strauss iniciou a publicação de "As Mitológicas", tetralogia que reunia estudos sobre mitologia e culinária, obra de leitura obrigatória para qualquer interessado em conhecer os mitos, as lendas e a rica cultura dos ameríndios.

O segundo volume da coleção, "Do Mel às Cinzas", trata da oposição do sabor e das diferentes formas de apreciar o mel e o tabaco --este último, representado no título por "cinzas".

No livro, Lévi-Strauss trabalhou com cerca de 160 mitos diferentes. Todas as lendas presentes no exemplar pertencem ao imaginário dos nativos americanos, porém suas características fundamentais transpõem o tempo e o espaço, alcançando amplitude bíblica.

*

Toba: A Moça Louca por Mel

Sakhê era filha do senhor dos espíritos aquáticos e gostava tanto de mel que o pedia sem parar. Aborrecidos com tamanha insistência, os homens e as mulheres lhe diziam: "Case-se!". Até mesmo sua mãe, quando ela a importunava, querendo mel, dizia-lhe que era melhor ela se casar.

Então a jovem decidiu desposar Pica-pau, afamado buscador de mel. Certo dia, ele se encontrava na mata, com outras aves muito ocupadas, como ele, a furar os troncos das árvores com bicadas, para atingir os ninhos das abelhas. Raposo fingia ajudá-los, mas apenas batia nas árvores com sua borduna.

Sakhê informou-se sobre o lugar onde se encontrava Pica-pau. Indo na direção indicada, encontrou Raposo, que tentou se fazer passar pelo pássaro. Mas seu papo não era vermelho e sua bolsa, em vez de mel, continha apenas terra. A moça não se deixou enganar, continuou andando e chegou finalmente até Pica-pau, a quem propôs casamento. Pica-pau manifestou pouco entusiasmo, discutiu, declarou que tinha certeza de que os pais da moça não concordariam. Então a moça insistiu e ficou zangada: "Minha mãe mora sozinha e não quer mais saber de mim!". Felizmente. Pica-pau tinha mel e Salchê deixou de impacientar-se ao comê-lo. Finalmente, Pica-pau disse: "Se for verdade que sua mãe enviou você com esta intenção, casarei sem receio, mas se estiver mentindo, como ê que poderíamos nos casar? Não sou louco!". Dito Isto, o Pica-pau desceu da árvore onde tinha subido, carregando sua bolsa cheia de mel.

Raposo, o preguiçoso, enquanto isso tinha enchido sua bolsa com frutos de sacha sandia e tasi, que se comem na falta de outra coisa. No entanto, nos dias que se seguiram, Raposo não quis voltar a procurar o mel junto com os outros, que não tinham ficado satisfeitos com a primeira coleta. Ele preferia roubar o mel que comia.

Certo dia, Pica-pau deixou sua mulher sozinha no acampamento e Raposo quis aproveitar-se da ocasião. Alegou que tinha um estrepe no pé que o impedia de seguir seus companheiros e voltou sozinho para o acampamento. Mal chegou, tentou violentar a mulher, mas esta, que estava grávida, fugiu para a mata. Raposo fingiu que estava dormindo. Sentia-se terrivelmente humilhado

Quando Pica-pau voltou, ficou preocupado com a mulher e Raposo mentiu, dizendo que ela tinha acabado de sair junto com sua mãe. Pica-pau, que era chefe, ordenou que fossem procurá-Ia, mas a mãe não estava em casa e a mulher tinha desaparecido Então Pica-pau disparou flechas mágicas em várias direções. Aquelas que nada viram voltaram para ele, mas quando a terceira flecha não retornou, Pica-pau sabia que ela tinha caído no lugar onde sua mulher estava e pôs-se a caminho para encontrá-Ia.

Entrementes, o filho de Pica-pau (supõe-se que, nesse meio tempo, ele tivesse nascido e crescido) reconheceu a flecha de seu pai. Foi ao encontro dele com a mãe.Eles se abraçaram e choraram de alegria. A mulher contou para o marido o que tinha acontecido.

A mulher e o menino foram os primeiros a chegar ao acampamento. Distribuíram comida para todos e a mãe apresentou o filho. A avó, que ignorava o casamento da filha e sua maternidade, ficou espantada. "Pois é", explicou a mulher, "você me repreendeu. eu fui embora e me casei". A velha não disse uma palavra. A filha também estava ressentida com ela, pois tinha sido censurada e expulsa quando pediu meI. O menino interveio "Meu pai é Pica-pau, um grande chefe, um hábil caçador e sabe onde encontrar mel... Não me repreenda jamais, caso contrario irei embora".A avó declarou que isto jamais Ihe passaria pela cabeça, que estava encantada como menino. Este consentiu em ir buscar seu pai.

A avó mostrava-se extremamente amável, mas Pica-pau declarou que não precisava de nada, que não queria cauim de algarobo e que sabia cuidar de si. Pediu a avó que fosse boa com o neto. Ele haveria de ser herdeiro de seu pai, que prometeu a si mesmo ter outros filhos.

Então Pica-pau foi vingar-se. Acusou Raposo de ter mentido sobre seu problema físico. Por causa dele,sua mulher quase tinha morrido de sede na mata! Raposo protestou e pôs a culpa no pudor excessivo de sua vitima que, segundo ele, tinha-se assustado sem motivo. Ofereceu presentes, que Pica-pau recusou. Ajudado por seu filho, ele amarrou Raposo e o menino encarregou-se de cortar-lhe a garganta com o facão de seu avô. Pois o filho era mais corajoso do que o pai.

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"Do Mel às Cinzas"
Autor: Claude Lévi-Strauss
Editora: Cosac Naify
Páginas: 504
Preço: R$ 67,15
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou no site da Livraria da Folha

Comentários dos leitores
Chris Maria (217) 04/11/2009 11h51
Chris Maria (217) 04/11/2009 11h51
Sem dúvida alguma sua morte representa uma grande perda. Entretanto, a relevante contribuição de sua obra para o desenvolvimento do pensamento humano o faz eterno. sem opinião
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JOSE MOTTA (27) 04/11/2009 11h17
JOSE MOTTA (27) 04/11/2009 11h17
O Brasi tem bom filososfos e pensadores, porém também tem muitos polpulistas enganadores. 4 opiniões
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J. R. (1126) 03/11/2009 22h39
J. R. (1126) 03/11/2009 22h39
pois ninguém pode adivinhar o futuro. Lévi-Strauss sempre enfatizou que "a mente selvagem é igual à civilizada", trazendo os povos ameríndios ao seu status merecido, ao século XX e XXI como povos e não animais selvagens. Diz FFHH que "Lévi-Strauss foi um dos maiores antropólogos de todos os tempos. Suas contribuições, especialmente depois que publicou 'As Formas Elementares do Parentesco', revolucionaram a antropologia contemporânea, provavelmente ele se interessou mais pelo livro devido às maneiras de como destruir a "celula mater" da sociedade, a fim de otimizar os lucros do sistema que apoia. A partir de então, a corrente chamada 'estruturalista' passou a exercer enorme influência em todas as universidades". FFHH que só conhece o âmbito das universidades, um erudito, nem mesmo teórico, pois jamais quis se envolver com o chamado "terceiro setor", diz "fui visitá-lo, mais de uma vez, no Collège de France na década de 1970 para render-lhe o tributo devido, a quem teve uma vida intelectual tão fecunda."; pena que não tenha aprendido nada, pois quem foi aluna de Strauss de fato foi Ruth Cardoso, se assim fosse não teria sido ele um presidente tão medíocre para o Brasil, um entreguista: "A globalização é o novo Renascimento da humanidade". Fazendo apologia a Lévi-Strauss o Brasil não começou com FFHH e vai terminar sem ele.
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Morre Lévi-Strauss e leva FFHH junto?
sem opinião
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