Livraria da Folha

 
20/11/2009 - 15h45

BALADA LITERÁRIA: Escritores discutem as culturas angolana e portuguesa

PAULA DUME
Colaboração para a Livraria da Folha

O primeiro dia (19) da 4ª Balada Literária teve uma mesa enraizada por culturas ímpares no Sesc Pinheiros, às 19h. Mediados pelo escritor Marcelo Moutinho, organizador da antologia "Dicionário Amoroso da Língua Portuguesa", João Melo, poeta, contista e jornalista angolano, vencedor do Grande Prêmio de Cultura e Artes de Angola 2009, e José Luís Peixoto, escritor português e um dos dez finalistas do Prêmio Portugal Telecom 2009 pelo romance "Cemitério de Pianos" discutiram as especificidades das culturas de Angola e de Portugal, da geografia à escrita.

Questionado por Moutinho com a frase "nosso divã é o humor", Melo falou sobre o humor da cultura africana, e citou o escritor queniano Ngugi wa Thiong'o que afirma não ser possível compreender a África sem humor. "Rimos de nós próprios", acrescentou. O poeta acredita que a imigração que o continente tanto tem, pode ser a salvação da Europa. E o humor, segundo ele, é uma estratégia para não dar um tiro na cabeça. "Se não tivéssemos essa capacidade, seria pior ainda", disse Melo. Ele ainda comentou sobre a polêmica em torno de "Caim", romance recentemente lançado pelo português José Saramago, e sobre as declarações da atriz Maitê Proença sobre os portugueses. Após ter se deparado com esses entraves, Melo satirizou dizendo que chegou à conclusão de que "esses 'tugas' (expressão referente a 'portugas', utilizada pelo autor em "Filhos da Pátria") são esquisitos".

Entre risos, Peixoto assumiu ser esquisito, e explicou que Portugal é um país bastante diverso. "É diverso sob o ponto de vista cultural e geográfico, mas é coeso", complementou. Moutinho perguntou sobre a palavra "calicatri", criada pelo escritor português no romance "Uma Casa na Escuridão". Peixoto inventou o termo por conta de sua sonoridade. Sonoridade essa que ecoa em cada canto do volume "Cemitério de Pianos", que possui um sistema de pontuação com características específicas. Peixoto utilizou-se de discursos diretos e dois pontos para tentar criar um sistema que uniformiza a leitura. "Todos trabalhamos com sistemas. Gosto de romances com mecanismos, que trabalhem como pequenas máquinas", afirmou.

O mediador pontuou que, infelizmente, as literaturas africana e moçambicana, por exemplo, são colocadas no mesmo balaio de leitura e não tratadas conforme as singularidades de cada país. Melo disse ser impróprio esse tratamento e se sente irritado quando tratam como "aquela coisa, a África". Para o poeta angolano, a literatura de seu país é suficientemente diversificada e tem uma identidade própria.

Referindo-se à independência de Angola, em 11 de novembo de 1975, Melo ressaltou que o país está longe de ter conjuntos de tribos. Ele descreveu as várias identidades da nação, como a epidérmica --a maioria de origem bantu e fenotipicamente negra, e também a de origem europeia, branca. "Não acredito em identidades fechadas. Isso é fascismo", esclareceu. Melo alertou que os livros brasileiros não circulam em Angola. "Não fomos além de Carlos Drummond de Andrade. Nosso desconhecimento é maior em relação à literatura brasileira do que o contrário".

Ao final da palestra, os autores e o mediador leram trechos de suas obras. Peixoto declamou os versos de "A Arte Poética", contido no livro "A Criança em Ruínas", ainda sem edição brasileira. Melo leu um trecho de "Filhos da Pátria" no qual uma jovem corrige o pai sobre a origem norueguesa e não portuguesa do bacalhau entrementes a questão satírica para com os 'tugas'. Moutinho leu um trecho chamado "Água".

 
Voltar ao topo da página