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22/11/2009 - 20h02

"Para mim, os personagens são mesmo de verdade", diz Stephenie Meyer em livro sobre a saga

da Folha Online

Fãs de todo o mundo sabem que o romance entre o vampiro Edward Cullen e a humana Bella Swan surgiu de um sonho que Stephenie Meyer, autora da série "Crepúsculo", teve com a cena em que ele revela o seu sombrio segredo à sua jovem amada. Mas os fãs também sabem quais personagens tem seus nomes emprestados dos irmãos de Meyer, como a cidade de Forks foi eleita para ser o cenário da história, entre outras curiosidades.

Fred Prouser/Reuters
Stephenie Meyer não pretendia escrever um livro quando anotou seu sonho com Edward
Stephenie Meyer não pretendia escrever um livro quando anotou seu sonho com Edward

Mas quem está se aventurando pelo mundo dos vampiros somente agora, seja influenciado por algum fã ou apenas para acompanhar a estreia de "Lua Nova" nos cinemas mundiais, pode sentir-se um pouco perdido em meio aos detalhes desta trama de leitores passionais.

Acompanhando o lançamento do filme, foi lançado pela Editora Leya o "Almanaque Crepúsculo". Seguindo a onda dos livros, Nicola Bardola revela detalhes sobre a trama, curiosidades sobre a produção dos filmes e como descobriu amor proibido entre a humana e o vampiro.

Além de informações que agradam a todos os interessados na obra de Meyer, o livro traz uma entrevista com a autora, em que Bardola desvenda alguns segredos da reclusa dona de casa que se tornou estrela mundial.

Leia abaixo o primeiro capítulo de "Almanaque Crepúsculo", em que o autor conversa com Stephenie Meyer.

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Tudo começou com um sonho - O inicio da saga vampiresca

O dia 2 de junho de 2003 tornou-se uma lenda: Stephenie Meyer, dona de casa e mãe de três filhos pequenos, acorda pela manhã com um sonho que não consegue tirar da cabeça e que também não deseja mais esquecer. Esse sonho mudará sua vida e a de milhões de leitores em todo o mundo. Stephenie se senta e o escreve.

Divulgação
"Almanaque Crepúsculo" revela detalhes da saga de vampiros criada por Stephenie Meyer
"Almanaque Crepúsculo" revela detalhes da saga de vampiros criada por Stephenie Meyer

O registro corresponde, quase sem modificações, ao capítulo "Confissões" do primeiro volume da série Crepúsculo: um vampiro belíssimo e frio brilha ao sol. Uma garota se apaixona perdidamente por ele. Nasce assim a lenda de Edward e Bella. Stephenie vai escrever mais tarde toda a história do que aconteceu antes, a lenta aproximação entre os dois protagonistas na escola de Forks.

Minha conversa com Stephenie Meyer se dá cinco anos mais tarde, numa manhã de segunda‑feira, às 9h23, durante uma viagem de trem de Munique para Colônia rumo a uma feira literária - a composição range sobre os trilhos quando se inclina. Na verdade,deveríamos estar a bordo de um Porsche com seu motor roncando suave, pois a paixão de Stephenie por carros esportivos é famosa.

O agradecimento aos fãs no terceiro volume da saga vampiresca termina com as seguintes palavras: "Gostaria de poder dar a cada um de vocês um abraço e um Porsche 911 turbo". Estou sentado à sua frente numa cabine fechada do trem e tenho duas horas para uma entrevista. Deixo seu astral me influenciar e pergunto se não seria mais rápido usar um carro esportivo na próxima viagem de divulgação pela Alemanha.

- Eu realmente gostaria de visitar a fábrica da Porsche. Na Itália, pude dirigir uma Ferrari algumas vezes - ri a autora que mora em Phoenix, cidade onde se precisa usar um carro para tudo, já que o supermercado mais próximo fica a vinte milhas de casa.

Nos Estados Unidos, seu carro no momento é uma caminhonete espaçosa, ideal para a família de cinco membros. Ela se separou de seu Infiniti G35 coupé, mas o próximo carrão não vai demorar muito.

- Quando era jovem, minhas amigas olhavam para os garotos e eu, para os carros velozes.

Stephenie é natural e espontânea. Sua risada é franca e ela costuma fazer pausas, como se estivesse conversando em particular com Bella ou Edward. Não está usando maquiagem, embora soubesse da entrevista com fotos no trem. Como a presilha do microfone de lapela está faltando, ela faz uma rápida improvisação, fixando habilmente o microfone no vestido com um grampo de cabelo. Stephenie Meyer costuma se vestir de vermelho nas fotos de divulgação, mas afirma que não tem uma cor preferida (nem palavra preferida).

Sente‑se constrangida pelo fato de na internet circular uma foto sua num ambiente gótico
- claro que vestida de vermelho. As fotos de divulgação atuais se limitam a lábios pintados de vermelho Ferrari ou vermelho‑sangue, que destacam sua boca grande, de lábios mais volumosos e sensuais do que os da maioria dos modelos das capas de livros alemães. Suas sobrancelhas arqueadas que chegam até as têmporas, o cabelo de tons ruivos, as rugas de expressão: tudo em seu rosto remete a algo oculto, parecendo que o tema - vampiros e lobisomens - não foi escolhido pelo acaso.

Tudo começou com esse sonho: o casal numa clareira. Uma garota simples e um vampiro maravilhoso. O contexto no qual o sonho decisivo aconteceu é a doença do marido de
Stephenie, o braço quebrado dela e o próprio aniversário de trinta anos logo a seguir. "Era uma situação de vida especial, mas não a chamaria de crise", ela diz. Será que realmente não consegue imaginar a causa desse sonho? As respostas de Stephenie Meyer têm algo de definitivo.

Ela se mostra decidida e resoluta, uma mulher que sabe o que quer: "Nunca tinha assistido a um filme de vampiros. Não sei dizer como nasceu esse sonho. Talvez uma propaganda de televisão me influenciou ou um trechinho de uma conversa, mas eu de fato não sei e não consigo me lembrar". Na manhã seguinte, ela anota o sonho e desde então passa a redigir mais e mais - em geral à noite -, até que termina o original no final de agosto de 2003. Em novembro de 2003, já tinha assinado um lucrativo contrato para três livros. Um pouco depois, Crepúsculo tirou Harry Potter, de J. K. Rowling, do primeiro lugar da lista de livros mais vendidos do New York Times. A saga vampiresca de Stephenie foi traduzida para todas as línguas do mundo. "Os fãs são iguais em todos os lugares, eles são entusiasmados e fazem as mesmas perguntas - têm os mesmos interesses. Meus romances falam da vida, não da morte; do amor, não da violência. Tudo isso é motivo para este sucesso", diz Stephenie Meyer, que não se sente obrigada a seguir o gênero das obras de horror e de terror. Como ela tinha pouquíssimos conhecimentos prévios sobre vampiros, a caracterização de Edward Cullen e de sua família acaba se tornando a criação fascinante e cheia de desdobramentos de um novo tipo de vampiros.

"Para mim, os personagens são mesmo de verdade [really real!]. Eles desenvolveram uma vida própria. Converso com eles quando estou sozinha no carro", assegura Stephenie Meyer de maneira convincente. Essa intensidade com a qual ela própria vivencia na escrita tal extraordinário amour fou - um triângulo amoroso incomum entre Bella, Edward e Jacob, entre ser humano, vampiro e lobisomem - é responsável por grande parte da experiência da leitura. "Escrevo sobre esses personagens, que são reais para mim, mas é óbvio que são ficcionais, heróis de romances, embora também se ocupem com coisas que acontecem na minha vida."

Será que os seus vampiros são os melhores seres humanos, os perfeitos? "Não diria que Edward é perfeito. Talvez seu 'pai' Carlisle, que tenta de tudo para ser 'um bom ser humano'. Mas mesmo ele passa por momentos de grande autocrítica. Creio que as boas pessoas se distinguem das más pessoas apenas pelo fato de que as boas sempre tentam ser boas, enquanto as más se perguntam 'para quê?'. Pessoas boas não são perfeitas, nunca conseguirão ser perfeitas." Ou seja, um pouco talvez como os vampiros de Stephenie Meyer? "Não, não acredito que 'meus' vampiros sejam projeções do um ser humano ideal, que deveria ser admirado. Inclusive porque eles não envelhecem" diz a autora.

Ela nasceu num Natal e, por isso, tem impressão negativa dos aniversários. Sua mãe lhe organizou uma festa de aniversário apenas uma vez, quando ela fez dez anos. "É difícil comemorar o Natal e o aniversário ao mesmo tempo. Por isso, não gosto do meu aniversário. Agora, entretanto, isso se tornou uma vantagem. Quase ninguém percebe que fiquei um ano mais velha de novo. Não preciso organizar festas de aniversário para mim. É quase como se eu não envelhecesse", ela termina e dá um sorriso. Jovem para sempre: Bella quer ser como Edward, mas o sacrifício relacionado seria o final de sua existência humana e o início de uma vida infinita de vampiro. "Eu realmente não gosto de envelhecer. Mas é preciso se conformar", diz Stephenie, que confessa dividir muitas peculiaridades com Bella. Assim como a protagonista, Stephenie desmaia quando vê uma gota de sangue. "Há tantas coisas boas relacionadas à mortalidade: a família que cresce, os avós. Vampiros não podem ter filhos - pelo menos não as mulheres." Stephenie dá um sorriso maroto, pois, naquela época, o quarto volume ainda era altamente secreto. "A vida tem a ver com mudanças, com ciclos. Todo ser humano se transforma. Os vampiros, por sua vez, não envelhecem, são estáticos - algumas pessoas desejam essa situação, outras a rejeitam. Há muitas mulheres que se submetem a cirurgias plásticas e fazem muitas outras coisas para permanecerem jovens. Elas se vestem como adolescentes. Estou na casa dos trinta agora e meus filhos são ótimos: estou curtindo".

Stephenie faz parte da comunidade dos mórmons e está convencida de que a vida continua após a morte. "Sim, é possível ler os romances como novas interpretações de aspectos religiosos, mas não foi essa minha intenção." Um tema sempre presente nos livros da série Crepúsculo é a impossibilidade da relação sexual fora do casamento. "Sinto pelas reações de meus leitores como é grande o desejo por relacionamentos românticos. Nossos filhos, hoje em dia, muitas vezes são obrigados a se tornarem adultos muito rápido. Há poucas oportunidades de se manterem inocentes. A inocência foi perdida. Sinto, porém, o desejo por relacionamentos assim, inocentes, a partir das reações de meus leitores com o relacionamento entre Bella e Edward. Espero que minhas histórias possam restabelecer um pouco desse romantismo. Por que não aproveitar a época de andar de mãos dadas e faze‑la durar um pouco mais? Hoje em dia, muitas fases maravilhosas das relações amorosas são suprimidas." Mas como Bella e Edward podem ficar juntos? Edward tem de se tornar humano? Ela sorri de maneira encantadora: "Não tenho como dizer! Afinal, não posso revelar o fim!". Mas ela adianta que o quarto volume terá cerca de 800 páginas e, com isso, também será o mais longo deles. "Já pressentia, em outubro de 2003, como seria o fim, pois o final é um dos muitos epílogos não utilizados para o primeiro volume, que, por sua vez, foram utilizados nos volumes dois e três." O "termômetro do Crepúsculo" - com o qual os leitores podem decidir se Bella deve ficar com Jacob ou Edward - existe também nos Estados Unidos e em muitos outros países. Edward lidera em todos os lugares. "Espero que as pessoas sejam tolerantes ao lerem o último volume, que me deem a chance de escreve‑lo como eu quero."

Foi uma conversa em 2003. Agora que o final é conhecido, houve muitas controvérsias, e sobre isso falarei mais tarde, pois antes quero mostrar parte da minha conversa com a autora sobre o que ela pensa a respeito de três aspectos centrais da saga vampiresca. Em primeiro lugar, sobre o amor: "Há um amor mais romântico do que o de Bella? Ela não é uma vampira e, por muitos motivos, não consegue ficar com Edward. Esse é o efeito Romeu e Julieta: existe algo no caminho do amor e os amantes são questionados sobre quais sacrifícios estão dispostos a fazer para ficar com a pessoa que amam. No caso de Bella, é sua vida. Cada vez que ela está junto de Edward, sua vida está em perigo. É possível o amor ser mais passional?"

Nós rimos. Balanço a cabeça e admiro a lógica de Stephenie ao comentar seus personagens.
Quero saber como ela entende o bem e o mal. "Cresci numa comunidade na qual ser uma menina obediente e comportada não era exceção. Era aquilo que se esperava. Todos os meus amigos e amigas eram obedientes e comportados. Esse fato tem a ver com minha religião, com a crença mórmon. Por isso não há vilões nos meus romances. E, se os houver, então eles têm bons motivos para serem malvados. Acredito que o mundo não é assim tão cheio de gente nefasta." Isso atesta a confiança de Stephenie, que também aparece em seus romances.
Os motivos para a violência são, em geral, a busca pelo poder e a vingança.

E, por último, uma pergunta decisiva: Por que vampiros?

"A fascinação que os vampiros exercem sobre mim tem relação com dualidade deles. As pessoas gostam de ficar arrepiadas. Daí o sucesso de livros e filmes de horror: zumbis, bruxas etc. são figuras terríveis. Temos medo delas. Também temos medo de vampiros, pois eles querem nos matar. Por outro lado, os admiramos, pois possuem muitas vantagens. Eles se mantêm sempre jovens, em geral são bonitos e atraentes, inteligentes, sensíveis, vivem em castelos e muito mais. Queremos o que possuem, mas temos medo daquilo que eles querem."

Em seguida, conversamos sobre a escrita. Stephenie estudou literatura inglesa e é uma leitora voraz. Ela sabe do que fala e faz: "Nunca incluo propositalmente temas importantes nos meus romances. Não considero meus livros como suporte para pontos de vista ou certezas que eu poderia dividir com meus leitores. Não, escrevo meus livros unicamente para o entretenimento de meus leitores. E fico feliz quando gostam do resultado. Mas também não me desagrada se, depois da leitura, passarem a ter impressões novas e mais bonitas a respeito do amor".

Além disso, Stephenie criou um novo tipo de vampiro. E perguntei se ela gostaria de modificar alguma coisa nesse sentido posteriormente. "Não, eu faria tudo igual de novo. É divertido inventar alguma coisa - eu nem conheço toda a mitologia sobre vampiros. It's all fun." Stephenie reafirma sua paixão pela leitura - raramente são livros de não ficção; em geral são romances, aos quais a saga vampiresca também faz referência. Ela me contou de sua graduação em literatura e enfatizou que não fez nenhum curso de escrita criativa. "Na faculdade, tive de cursar apenas uma matéria relacionada à composição de textos, e daí escolhi poesia. Frequentei as aulas, mas apenas fiz de conta que participava." Ela conta que sempre imaginou histórias, mas que achava que elas não tinham valor. Aos dezoito anos, por fim, compôs alguns poemas. "Meus pais achavam que seria bom eu manter um diário. Então eu escrevia, mas sem vontade e só para receber a recompensa, que era a carteira de motorista. Eu me sentia furiosa por ser obrigada a isso, mas os obedecia. Então, escrevi muita bobagem. Bem, acho que muitos adolescentes têm esses comportamentos."

Minha conversa com a criadora de Bella e Edward formou a base de minhas reflexões sobre a saga vampiresca. Stephenie me disse muitas coisas, coisas que não são lidas na sua página da internet ou em outros sites. Mesmo assim, não consegui penetrar profundamente em seu mundo mental, como era minha esperança antes do encontro. Sempre que tentava falar sobre os muitos temas sérios de seus livros, ela saía pela tangente. De repente, percebi que Stephenie tinha uma curiosa semelhança com Bella: ninguém consegue adivinhar seus pensamentos, muito menos os decifrar. Da mesma maneira que Bella no quarto volume, Stephenie pode montar um escudo de proteção que não pode ser transposto por ninguém - nem pelos Volturi, muito menos um Bardola. Mas essa defesa de Stephenie Meyer tem seu lado bom. Ela afasta o leitor de sua pessoa e sua vida e foca a atenção dele nos livros. As conclusões devem ser tiradas unicamente a partir das próprias histórias. Desse modo, retorno aos primórdios e me recordo de meu primeiro encontro com a saga vampiresca.

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ALMANAQUE CREPÚSCULO
Autor: Nicola Bardola
Páginas: 250
Preço: R$ 39,90

 
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