Livraria da Folha

 
23/12/2009 - 20h00

Livro narra encontro de fã de 14 anos com John Lennon; leia trecho

da Livraria da Folha

Bob Gruen/Efe
O beatle John Lennon, maior ídolo do autor Jerry LEvitan, de "Eu Conheci Lennon"
John Lennon, ídolo de Jerry Levitan, autor de "Eu Conheci Lennon"

Muitos livros nascem de uma experiência que mudou a vida de determinado autor. Conhecer o maior ídolo pode ser um desses acontecimentos únicos. Quando ele é John Lennon, então, um dos artistas que mudou a história da música e influenciou gerações, registrar tal experiência é quase uma obrigação. Assim nasceu "Eu Conheci Lennon".

No ano de 1969, o beatlemaníaco Jerry Levitan, de apenas 14 anos, descobriu que seu ícone estava em sua cidade, Toronto, no Canadá. O músico estava hospedado com sua companheira Yoko Ono no quarto 869 do King Edward Hotel. Não pensou duas vezes, foi até o hotel e, num lance de sorte, encontrou-se com Lennon, que lhe concedeu uma entrevista sobre a paz.

Mais de trinta anos depois, transformou o áudio da entrevista em trilha sonora para um curta de animação que concorreu ao Oscar 2008. Com a transcrição da entrevista e observações particulares sobre o momento revelador, nasceu o lançamento da editora Saraiva.

Além de narrar o encontrro, Levitan faz um resumo da história da banda, como a conheceu e tornou-se fã, até chegar ao dia que mudou a sua vida. O texto é ilustrado com desenhos e fotos da entrevista, do ídolo e sua mulher, Yoko Ono, e de capas de discos.

Dividido em quatro partes --Conheça os Beatles, Eu Conheci Lennon, Em Minha Vida e Epílogo--, o volume vem acompanhado de um DVD com o áudio original da entrevista e o curta de animação.

A seguir, veja um trecho do livro que conta como o autor chegou até o quarto do beatle:

*

Divulgação

Ainda era cedo quando eu cheguei, umas seis e meia da manhã. A hora do rush ainda nem havia começado. Entrei, sem me preocupar, no grande lobby do King Edward Hotel, e fui direto para os elevadores. Achei que o melhor seria apertar o botão do último andar. Saí e comecei a bater nas portas. A maioria das minhas vítimas foi acordada pelas batidas e voltava a dormir depois das minhas desculpas. Um quarto tinha uma bandeja no chão do corredor com os restos do jantar da noite anterior. Uma garrafa de molho de soja estava caída ao lado de pratos sujos e restos de comida. "Ele deve estar aqui!" A minha cabeça inocente de catorze anos assumiu que a influência de Yoko em John incluía até os temperos que comia. Batendo na porta com orgulho e uma sensação de dever cumprido, me assustei com um homem barrigudo usando só uma camiseta sem mangas de algodão branco e cueca. O cara abriu a porta e gritou comigo. Com certeza não era o John Lennon.

Mas isso não me deteve, e continuei batendo nas portas. Devo ter completado três ou quatro andares quando uma empregada quase idosa, com os cabelos brancos presos num coque, se aproximou de mim. O meu nervosismo desapareceu quando ela se abaixou e sussurrou no meu ouvido com um sotaque escocês: "Está procurando o Beatle?". "Estou", respondi. "Está no quarto 869. Não diga a ninguém que eu contei." Com isso, ela me deu um tapa nas costas e eu fui direto para as escadas. Quando cheguei no oitavo andar, virei por um corredor, olhando os números, até encontrar uma menininha deitada no chão de barriga para baixo, em frente a uma porta fechada, pintando. Reconheci a criança imediatamente. Era a filha de cinco anos de Yoko, Kyoko, de seu casamento anterior com Tony Cox, um cineasta norte-americano.

Caminhei até ela e perguntei se sua mãe estava no quarto. Ela disse que sim e continuou a pintar. O meu coração disparou. Pela primeira vez comecei a me perguntar se teria coragem de entrar. E se ele não gostasse de mim e me mandasse embora? Isso seria demais para mim. Deve ter passado uns três ou quatro minutos quando um câmera e um repórter da televisão me empurraram de lado. O repórter bateu na porta que se abriu uns centímetros. Ele mencionou o nome do canal de TV, a porta se abriu um pouco mais e os dois foram sugados para dentro.

Dei um suspiro, olhei para todos os lados e esperei mais uns dez minutos. Pendurei a Brownie ao redor do pescoço, respirei fundo e bati na porta. "Canadian News", disse quando a porta se abriu da mesma maneira que antes. Ela abriu um pouco mais. Entrei e olhei para o chão enquanto seguia o tapete da suíte até a sala de estar. Se olhasse direto ficaria com medo de ser expulso. Havia a base de um tripé no lugar em que decidi me sentar. Quando levantei a cabeça devagar, a um metro de distância estavam sentados John Lennon e Yoko Ono.

Eles estavam no meio de uma entrevista e ninguém me impediu nem falou nada. John olhou pra mim e sorriu. Não ficou inquieto. Estava vestido todo de branco - calças brancas de algodão e uma camiseta de mangas curtas. Yoko usava um suéter preto sobre as calças e meias brancas. John estava descalço e tinha uma barba grande, exatamente como na capa de Abbey Road. Nesse exato lugar e instante soube que minha vida mudaria para sempre.

John e Yoko estavam dando entrevistas para os poucos repórteres canadenses que foram convidados para a suíte. Estavam falando sobre a paz e os seus planos para um maior e melhor "bed-in" pela paz no Canadá. Os Lennons quase tinham ido para os Estados Unidos, mas a prisão anterior de John por posse de drogas criou alguns problemas. O Canadá, com a sua proximidade à mídia norte-americana, era o destino mais óbvio. Estavam sentados em um sofá, na frente de duas janelas iluminadas. John estava com as pernas cruzadas e passava a mão pela barba o tempo todo. Havia várias pessoas na sala, mas não muitas. Um cara fez uma careta para mim, então achei que deveria fazer alguma coisa. Tirei a Super 8 da mala e comecei a fingir que estava filmando. Não sabia se havia filme, muito menos sabia mexer naquela câmera. Era, na verdade, uma desculpa para estar ali. Eu a apontei para John e Yoko, aproximei o visor do olho e brinquei com o botão do zoom. Quando eu me aproximava de seu rosto, John sorria um pouco, franzia a testa outro tanto. Estava batendo as mãos nas pernas. Eu apontei para elas. Ele bateu nos pés. Apontei a câmera em direção a eles. Yoko estava ao lado dele, os dois ali abraçados. Lembro de ter pensado que ela era linda. As fotos que havia visto não lhe faziam justiça.

Alguém tossiu atrás de mim e percebi que estava bloqueando o verdadeiro câmera. John riu quando eu saí do caminho e sentei de maneira quase reverencial. Ninguém parecia tomar a iniciativa de me tirar dali e John não mandou ninguém fazer isso. Ele me olhava de vez em quando, sorria, mexia na barba. Bastante acostumado a admiradores com os olhos arregalados, continuava com as entrevistas e conversava com Yoko nos intervalos. Eles se acariciavam com afeto e sussurravam entre si o tempo todo. Eu fiquei sentado ali vendo tudo isso por quase uma hora quando um homem alto e de cabelo comprido, de óculos e bigode, vestido com um terno preto e gravata multicolorida, entrou no quarto e anunciou às cinco ou seis pessoas presentes: "Desculpem, mas todos devem sair agora. O sr. e sra. Lennon têm uma entrevista com a Imigração". Era Derek Taylor, o relação-públicas da Apple. Ele era bonito, digno e muito britânico. Os poucos repórteres e fotógrafos ali começaram a juntar suas coisas e equipamentos. Eu levante e fui até onde eles estavam sentados. John estava a ponto de se levantar também. Tirei minha cópia de Two virgins e o meu herói falou comigo pela primeira vez: "Como você o conseguiu? Pensei que a polícia havia chegado em seus cavalos e levado todos os discos". Yoko ficou interessada quando eu contei que tinha ido até a loja do Sam e tirado um da caixa. "Quem é Sam?", perguntou John. Expliquei e continuei contando tudo o que tinha feito para conseguir o disco. E então ele pegou uma caneta e desenhou no canto esquerdo superior do disco:

Para Jerry
Paz & Amor,
Cara
John Lennon
&
Yoko Ono

E desenhou uma caricatura dele e de Yoko. Enquanto presenciava esse momento monumental em minha vida, guardava as minhas coisas, pensando que seria o meu último encontro com meu herói. Vi um pacote de Gitanes, esse forte cigarro francês, próximo a um cinzeiro de vidro cheio de bitucas. Próximo aos cigarros, um pacote de chicletes de menta. Percebi como estavam bem cortadas as unhas dos pés de John. Olhei para seus dedos longos e com calos. Eram os dedos que criaram "Dear Prudence" e "Julia", pensei.

Yoko se ofereceu para assinar também e fiquei eufórico. Lá estava eu, olhando meu herói e sua amada assinando meu disco. Não vi a ironia de ser uma foto dos dois nus, naquele momento. Eu era tão inocente e eles tão despreocupados. O fotógrafo de um jornal local tirou sua câmera e imortalizou a cena do megastar assinando o disco enquanto o fã, eu, presenciava o momento em que sua vida seria alterada. "Muito obrigado, John", eu disse. "O prazer foi meu, cara", ele respondeu. O sr. e sra. Lennon levantaram do sofá e desapareceram na suíte. Todos os outros tinham ido embora e eu fiquei sozinho no quarto. Demorei, fingindo guardar minhas coisas.

Fiquei enrolando o máximo que pude e decidi sair da suíte por outro caminho. Assim poderia passar pelo quarto. E lá estava o Beatle John Lennon, sozinho, tentando levantar um enorme baú para colocar na cama. "Me dá uma mão, rapaz", ele disse, bufando. Eu entrei no quarto e agarrei o baú com meu herói. Nossos narizes estavam a centímetros de distância. Ele era mais alto e mais magro do que eu pensava e exalava um cheiro de limpeza, asséptico. De repente, tive uma inspiração. Ainda estávamos empurrando aquele baú pesado quando eu disse, olhando diretamente para os olhos dele: "John, posso voltar mais tarde e gravar uma entrevista com você sobre paz e essas coisas e mostrar para o pessoal?". Quando o baú chegou à cama, ele falou: "Ótima ideia! Ótima!". Ao se levantar, ele gritou "Yoko, Derek!". Os dois entraram para ver que confusão era aquela, surpresos, sem dúvida, em ver que o menino ainda estava ali. "O rapaz teve uma grande ideia. Ele vai voltar mais tarde e gravar uma entrevista", falou. "Vamos falar sobre paz e ele vai levar para sua escola, para mostrar para os amigos. Vai ser ótimo! É para isso que estamos aqui!" Yoko demonstrou aprovação e disse para Derek organizar tudo e me acompanhar até a saída. Eu dei tchau para John e o agradeci. "Volte às 6 da tarde, então", ele falou de forma paternal quando a porta se fechou atrás de mim. Andei alguns metros pelo corredor. Estava tudo em silêncio e vazio. Parei de repente e respirei fundo. "Meu Deus", pensei. Transformado e assombrado pelo que tinha realizado, saí do King Edward Hotel flutuando.

*

"Eu Conheci Lennon"
Autor: Jerry Levitan
Editora: Editora Saraiva
Páginas: 168
Quanto: R$ 59,90
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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