Livraria da Folha

 
13/01/2010 - 16h31

Jornalista alerta sobre risco de ressurgimento de rebeldes no Haiti após catástrofe

GUILHERME SOLARI
colaboração para a Livraria da Folha

Divulgação
Autor conta história do Haiti e sua experiência como correspondente
Autor conta história do Haiti e sua experiência como correspondente

O jornalista Luís Kawaguti trabalhou por alguns meses no Haiti cobrindo a missão brasileira e as convulsões sociais no país. As suas experiências podem ser encontrados no livro "A República Negra", no qual ele relata a sucessão de acontecimentos que, em pouco mais de dois anos, levaram uma nação do caos social e político ao processo de redemocratização, iniciado com a eleição de um novo presidente.

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Kawaguti também faz um passeio pela história do país. Aborda desde a sua descoberta na primeira viagem do navegador Cristóvão Colombo à América, em 1492, passando pela revolução de 1804, que libertou o Haiti da França, e pelos 28 anos extremamente violentos da ditadura de Duvalier. Além disso, faz um panorama do sistema educacional, sanitário e de transporte do país e revela aspectos da cultura haitiana.

Kawaguti conversou com a Livraria da Folha sobre o momento delicado pelo qual passa o país e os possíveis desdobramentos da catástrofe para a nação que começava a se levantar após décadas de conflitos.

*

Livraria da Folha - Como foi a sua experiência com o Haiti?

Luís Kawaguti - Eu passei no total cerca de três meses no país, visitando-o diversas vezes entre 2005 e 2009. Lá eu trabalhei cobrindo notícias para diversos veículos, especialmente fazendo a cobertura da missão do Brasil no Haiti depois da revolução que derrubou o presidente Jean Bertrand Aristide. Em geral, escrevia sobre o contexto social do Haiti e os conflitos com as milícias rebeldes.

Livraria da Folha - O país passa por um momento delicado socialmente. Como você considera que o terremoto pode afetar o país?

Luís Kawaguti - Eu acho que esse é o pior cenário que poderia ocorrer, porque com a ajuda brasileira o Haiti estava a ponto de mudar, estava em um momento decisivo da sua trajetória, em um "turning point" como eles falavam. A missão havia conseguido conter toda a violência rebelde, a violência política e depois a criminosa. Eles conseguiram pacificar o país. Entraram em todas as regiões do Haiti que eram Zona Proibida ONU e conseguiram criar uma situação de paz. Eu estive lá a última vez em março do ano passado e já naquela época fazia dois anos que não havia nenhum combate.

Livraria da Folha - E esses avanços podem estar ameaçados?

Luís Kawaguti - Eu digo que era uma situação de possível mudança também porque a missão no Haiti era muito querida pela ONU, porque eles apostavam que ela seria um modelo de sucesso se eles conseguissem desenvolver a questão econômica a partir de agora. Uma vez que se estabeleceu a paz, poderia haver uma série de investimentos. Houve uma lei norte-americana que derrubou os impostos sobre produtos têxteis do Haiti, então se acreditava que o país ia ter um desenvolvimento econômico bem maior. E a ONU estava colocando todas as suas fichas, acreditando que a missão do Haiti daria certo para usá-la como modelo para as missões humanitárias do futuro. Mas agora com a infraestrutura arrasada, que é o que parece que aconteceu, isso vai ser muito mais difícil. Na minha opinião, a falta de comida, de infraestrutura, dá margem para novas convulsões sociais. Pode fazer com que grupos voltem a se organizar e podem surgir novos tipos de combate, especialmente porque o efetivo militar está sendo usado no socorro humanitário. É preciso ficar muito atento com esse segundo momento da catástrofe, na hora que se apagarem as luzes dos holofotes da atenção internacional no país. Será que esses grupos rebeldes vão se reorganizar? Porque você tinha sistema judiciário se organizando, polícia e outras instituições e nós não sabemos até que ponto isso foi abalado. Se elas tiverem sido destruídas, o Haiti volta para a estaca zero. Justamente agora que o país prometia melhorar.

Livraria da Folha - Qual seria a resposta ideal da comunidade mundial para a catástrofe?

Luís Kawaguti - É preciso começar a prestar maior atenção no país. Na prática, o conselho de segurança deveria ampliar o mandato da ONU sobre o Haiti. Ou seja, dar um suporte jurídico para que ela não seja apenas uma missão de pacificação, mas também uma que permita auxiliar a entrada de ajuda e investimentos, particularmente em infraestrutura. Então o primeiro passo seria mudar o mandato da ONU, mas para isso o conselho de segurança precisaria se reunir e isso não é uma coisa muito simples. E fora isso, enviar dinheiro, porque eu não acho que o país consegue sair sozinho dessa situação. É um momento muito difícil para todos. Eu mesmo tenho um grande amigo que estava na sede da ONU que desabou e eu não consigo me comunicar com ele.

"A República Negra"
Autor: Luís Kawaguti
Editora: Globo
Páginas: 216
Quanto: R$ 42,00
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha

 
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