Livraria da Folha

 
17/01/2010 - 20h43

Joaquim Nabuco critica atuação de presidente chileno suicida; leia trecho

da Folha Online

Divulgação
Livro reúne artigos de Joaquim Nabuco sobre ex presidente chileno
Livro reúne artigos de Joaquim Nabuco sobre ex presidente chileno

Abolicionismo não era um dos temas exclusivos na obra do político, diplomata e acadêmico Joaquim Nabuco. Neste domingo (17), que se completam cem anos de sua morte, devemos atentar também à sua pesquisa sobre o presidente chileno José Manuel Balmaceda, que se suicidou após a derrota na guerra civil de 1891.

Conheça biblioteca especializada em Joaquim Nabuco

Nabuco interessou-se pela história a partir da leitura do livro "Balmaceda, su Gobierno y la Revolución de 1891", de Julio Bañados Espinosa. Publicou uma série de artigos sobre o assunto no "Jornal do Commercio", do Rio de Janeiro.

O diplomata reuniu os textos e compôs "Balmaceda". Concluiu que o drama chileno estava cheio de lições para o Brasil. No volume, o acadêmico tece críticas à figura de Balmaceda, ao mesmo tempo em que equipara o drama ao passado de toda a América Latina.

Leia trecho abaixo, extraído do livro "Balmaceda".

Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortográfico. Conheça o livro "Escrevendo pela Nova Ortografia".

*

O livro e o autor

Entre as cartas deixadas por Balmaceda havia uma dirigida ao seu lugar-tenente político, o Sr. Julio Bañados Espinosa. Despedindo-se dele usque ad aeternum Balmaceda lhe recomendava: "Escreva, da administração que fizemos juntos, a história verdadeira. Deixo dito a Emilia que lhe preste todos os recursos necessários para uma publicação abundante e completa. Com as mensagens, os relatórios ministeriais, o "Diário Oficial" e o "Ferro-Carril"1, pode fazer a obra. Parece ter sido a preocupação de Balmaceda, depois que resolveu matar-se, essa de se justificar perante os seus contemporâneos. "Encarrego a Julio Bañados que faça a história da minha administração", escreve ele aos irmãos. "Não descansem nessa tarefa. É necessária. Digo a Emilia que dê todos os recursos para isso". Em obediência à última ordem do chefe, a quem serviu até à catástrofe com inteira fidelidade, o sr. Bañados, fugido do Chile, tratou de desempenhar a missão que recebera, e agora acaba de publicar em Paris dois grossos volumes com o título "Balmaceda, seu governo e a Revolução de 1891"2.

Para mim a obra era do maior interesse; eu ainda não tinha lido uma exposição clara da última guerra civil chilena, nem tinha visto nada a que pudesse dar o nome de Oração pro Balmaceda. Durante a Revolução, em dias que passei em Buenos Aires, tive a fortuna de encontrar na cada de um amigo chileno, G. Puelma Tupper, alguns dos principais emigrados, e ouvi deles, de modo fragmentado, como sempre acontece na conversação, os motivos da luta em que estavam empenhados. Por essa ocasião, li na "Prensa" os artigos em que F. Valdés Vergara, figura saliente do radicalismo transandino, procurava captar a opinião argentina. Nada disto me habilitava a converter em razão suficiente a predileção espontânea que desde o princípio senti pela causa revolucionária.

Infelizmente eu nem tinha do Chile o conhecimento, superficial, puramente exterior, que como viajante cheguei a formar do Prata e do Paraguai, mas que tanto ajuda a compreensão dos fatos. A feição do pessoal governante de Santiago não me era, é certo, inteiramente estranha; no Rio de Janeiro, em Washington, em Londres, a bordo de paquetes do Pacífico, e em Buenos Aires, encontrei em diversas épocas chilenos dos mais eminentes; mas esse conhecimento feito fora do Chile, era tão insuficiente para os apreciar na cena política como se eu pretendesse julgar de um ator por o ter visto em alguma reunião. Da história parlamentar chilena, posso dizê-lo, eu também não conhecia mais do que as linhas gerais e os grandes relevos; dos seus vultos notáveis, dos O'Higgins, dos Portales, dos Montts, senão o perfil que se encontra nos compêndios de história da América do Sul - rudimentares todos - no "Dicionário biográfico americano" de Cortés, ou em artigos de revistas estrangeiras.

Pelo Chile senti sempre grande admiração. Há mais energia nacional, quer me parecer, nessa estreita faixa comprimida entre a Cordilheira e o Pacífico do que em todo o resto da América do Sul. Sem nenhum pensamento de desconfiança contra o nosso vizinho do Prata que nos faça cultivar, por motivo político, a amizade do Chile, temos, para procurar essa amizade, as mais elevadas razões que se possam dar entre dois países. Não sei que homem de espírito disse, há anos, que se encontrara duas nações organizadas e livres na América Latina: o Império do Chile e a República do Brasil. Apesar de sermos nós (a história dirá se apesar da monarquia, se devido a ela) a sociedade, sem exceção alguma, mais igualitária do mundo, e de ser o Chile, pelo contrário, uma aristocracia política, tínhamos a mesma continuidade de ordem, de governo parlamentar, de liberdade civil, de pureza administrativa, de seriedade, decoro e dignidade oficial. Um e outro governo eram exceções genuínas na América do Sul, saliências de terra firme entre ondas revoltas e ensangüentadas.

Mostrou sentir bem isto o próprio Balmaceda quando a 16 de novembro telegrafou ao ministro chileno no Brasil que pusesse às ordens de dom Pedro II para transportá-lo ao exílio o encouraçado Cochrane, então em nossa baía. O sr. Villamil, vendo a revolução consolidada3, hesitou em dar cumprimento a uma ordem que podia despertar a suscetibilidade da nova república e acentuar a inversão da diplomacia brasileira, sensível desde as primeiras horas do Governo Provisório. Devido talvez a este receio do representante do Chile, digo talvez, porque o Imperador provavelmente teria preferido seguir viagem para o desterro a bordo mesmo do Alagoas, na esperança de adiar, por uma ficção, a sua separação definitiva do Brasil; devido àquele receio foi que a dinastia brasileira não teve a honra de ser transportada para fora do Continente americano sob a generosa guarda da bandeira chilena. Este último preito honraria tanto o Brasil como o Chile. Republicanos de instinto e educação, os chilenos acolheram simpaticamente o 15 de novembro como a data final do ciclo republicano, com a instituição prática do seu temperamento positivo, a obra democrática e nacional da monarquia no Brasil - obra singular de paciência, constância, desinteresse e patriotismo, que ficará sendo, na atmosfera agitada e convulsa deste século na América Latina, um fenômeno quase inexplicável.

Por esses motivos, interessava-me profundamente formar um juízo sobre o governo de Balmaceda e a Revolução, conhecer a verdade toda, a verdade dos fatos e a verdade dos sentimentos, que eles umas vezes revelam, e outras encobrem; interessava-se a análise da esfinge que era para mim Balmaceda; os intuitos, o objetivo, o segredo de sua Presidência, e o conjunto de emoções que determinaram nele o abatimento e o desespero da manhã de 19 de setembro. Interessava-me mais, se é possível, o resultado ulterior da tremenda luta, a influência que ela terá sobre a sorte do Chile: saber se foi um episódio somente em sua história política, se uma modificação da sua energia patriótica, e portanto da missão que lhe parecia reservada na anfictionia sul-americana.

Por isso, a obra do sr. Bañados tinha para mim grande valor. Era a primeira defesa que eu lia da política de Balmaceda, e o meu espírito não só estava preparado para esse audi alteram partem, mas sentia necessidade de não se julgar parcial entre dois partidos chilenos. Espectador sul-americano, eu tinha visto representar no teatro aberto dos Andes uma só tragédia, a do Chile, e queria poder escrever para mim mesmo o argumento dela, recolher a nota de todos os seus heroísmos, e reduzir tudo, sujeito naturalmente aos erros de uma perspectiva tão afastada, às gradações de minha própria consciência.

O livro do sr. Bañados não me habilita por si só a resolver nenhuma das questões que eu já tinha formulado antes de o ler, mas lança muita luz sobre todas elas; faz surgir outras; introduz-me no mundo político chileno; faz-me compreender a Revolução e, quanto à figura central do grande drama, presta-me todos os esclarecimentos quase que Balmaceda quisera sujeitar à posterioridade. Para se ter uma idéia completa desse período seria preciso que outro político fizesse a respeito da Revolução o mesmo que o sr. Bañados fez por Balmaceda, e que um terceiro reunisse o que os advogados de uma e outra parte tivessem omitido no interesse da defesa de cada uma.

p(tagline) 1. "El Ferrocarril": jornal de Santiago
2. BAÑADOS ESPINOSA, Julio. Balmaceda: su gobierno y da Revolución de 1891. Paris: Librería de Garnier Hermanos, 1894. 2 vols.
3. Trata-se da proclamação da República no Brasil.

*

"Balmaceda"
Autor: Joaquim Nabuco
Editora: Cosac Naify
Páginas: 272
Quanto: R$ 47
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 e no site da Livraria da Folha

 
Voltar ao topo da página