Livraria da Folha

 
20/01/2010 - 15h05

Leia trecho de obra que mostra a saga da criação da boneca Barbie

da Livraria da Folha

"Meu bem, nenhuma mãe vai comprar para a filha uma boneca com seios".

Esse foi o comentário que Ruth Handler ouviu do próprio marido antes de criar a boneca Barbie, que se tornaria a mais famosa do mundo e levantaria a Mattel, a maior indústria de brinquedos do século 20. A face criativa e determinada de Ruth é o ponto forte de "Barbie & Ruth", de Robin Gerber.

Divulgação
Como uma ideia inovadora se tornou a boneca mais famosa do mundo
Como uma ideia inovadora se tornou a boneca mais famosa do mundo

Na biografia dessa filha de imigrantes judeus poloneses, Gerber mostra que a permanente busca de objetivos fez com que Ruth Handler entrasse para a história da indústria de brinquedos, - ganhando respeito em um ambiente predominantemente masculino e revolucionando a forma deste setor lidar com o marketing. Além de também fazer com que dedicasse pouco tempo aos filhos, Bárbara e Ken.

Ruth desde cedo mostrava ser uma mulher determinada, mas foi em seu relacionamento com o designer Elliot Handler --uma vez que o marido que não viu futuro para a Barbie-- que seu lado de empresária começou a aflorar. Foi da junção do trabalho criativo de Elliot com o empreendedorismo de Ruth acrescidos da parceria de Harold Matson, ou Matt, que surgiu a Mattel e uma impactante história de lucros extraordinários e acusações de corrupção.

"Barbie & Ruth" traz os bastidores da criação desta boneca que há 50 anos seduz crianças e adultos e a vida de uma mulher resoluta, que por anos comandou uma corporação gigante, mas que também lutou contra um câncer de mama, e, na experiência com essa doença, criou a prótese "Nearly Me" para mulheres que passam por uma mastectomia.

Veja abaixo um trecho que mostra que nem tudo foi fácil para criar a boneca mais famosa do mundo.

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Ruth levou três anos para preparar a Barbie para ser vendida e, então, se dedicou ao marketing da boneca. "Ficamos tão contagiados pelo entusiasmo de Ruth que passamos a acreditar no projeto", disse um dos representantes de vendas que estiveram na Feira de Brinquedos de 1959. "A boneca era radicalmente diferente, mas a lógica de Ruth fazia sentido para nós. Pensamos que as meninas que gostavam de bonecas de papel gostariam daquilo." A Mattel chamou a Barbie de Modelo de Moda Adolescente, tentando amenizar sua sensualidade e acentuar, para os pais, a ideia de que muitas meninas desejavam se vestir e se enfeitar tão bem quanto uma modelo. Mas nenhum retoque dos anúncios era capaz de disfarçar as proporções da Barbie, estimadas em uma mulher adulta.

Além disso, as bonecas de moda que Ruth odiava abarrotavam o mercado. As lojas estavam cheias delas e de suas roupas, incapazes de vender seus estoques, e se recusando a aumenta-los. Se quisessem comprar algo, porém, não seria uma boneca que, acreditavam, chocaria as mães por seus seios e sua sensualidade.

Enquanto esperava no showroom da Barbie na Feira de Brinquedos, a executiva demonstrava sua confiança característica. "Um dos meus pontos fortes é que eu tenho a coragem de revelar minhas convicções e assumir uma posição", Ruth disse em uma entrevista. "Posso ser muito convincente quando quero fazer outras pessoas enxergarem a razão." Mas sua segurança começou a fraquejar quando, um após o outro, os compradores passavam pela sala e partiam, deixando poucas encomendas, quando havia alguma. "De maneira geral, a boneca foi odiada", lembrou um representante de vendas da Mattel. "Os compradores do sexo masculino achavam que estávamos malucos por causa dos seios, e aquele era um ramo predominantemente masculino." Quando Lou Kieso, o comprador da Sears, adentrou a penumbra da sala, Ruth não sabia o que esperar.

Ela o recebeu com seu sorriso mais radiante, apertou a mão dele e olhou-o diretamente nos olhos. Quando o acompanhou pela sala, enfatizou a pesquisa de mercado séria e profissional que a Mattel havia realizado para o lançamento da boneca e a campanha publicitária que era planejada para a televisão. Kieso não se impressionou. Ele se negou a levar uma amostra da boneca para a sede da Sears em Chicago. Foi embora sem fazer um único pedido, como metade dos compradores que visitaram a exibição da Barbie.

Ruth compreendeu que suas projeções de produção eram desastrosas. Vinte mil bonecas por semana haviam sido encomendadas para entrega ao longo dos seis meses seguintes, o que parecia razoável considerando a distância das fábricas japonesas. Também havia planejado vender três ou quatro roupas por boneca. Queria evitar atrasos na entrega e estoques desfalcados, mas agora seu problema era o estoque encalhado em vários depósitos. Em pânico, enviou ao Japão uma ordem para reduzir a produção em 40 por cento.

Naquela noite, em seu quarto no New Yorker, Ruth chorou. "Estava muito aborrecida", lembrou Elliot. "Nunca acreditei no sucesso daquela empreitada, mas ela acreditava. Era seu sonho. Esforçou-se muito para realizá-lo. Ruth não costumava chorar, mas naquela noite chorou porque tinha coração", disse ele, apontando para o próprio peito. "Para ela, a boneca era como um objeto de arte que continha um pedaço de seu coração."

Só Elliot podia ter entendido quanto sua esposa havia depositado dela mesma na boneca Barbie. Embora nunca houvesse acreditado em Barbie como um brinquedo comercializável, ele entendia por que Ruth tivera tanta certeza das vendas e do lucro. Muitas e muitas vezes, com confiança inabalável, Ruth havia dito aos que duvidavam de sua ideia que meninas pequenas só queriam ser meninas maiores. Ela falava com veemência e arrebatamento, porque não se referia a meninas quaisquer. Falava sobre uma menina em especial, aquela que, antes de se casar com Elliot, era conhecida como Ruthie Mosko.

 
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