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20/01/2010 - 21h28

Livro explica a atuação da Igreja Católica durante a ditadura militar; leia trecho

da Folha Online

A relação de poder entre o Estado e a Igreja Católica é anterior ao imperador Constantino, líder romano cujo decreto tornou o cristianismo religião oficial em Roma.

Divulgação
dialoga com a historiografia anterior e posterior ao golpe civil-militar de 1964
Um diálogo com a historiografia anterior e posterior ao golpe de 64

Como outros períodos conturbados da história, a ação dos religiosos durante a ditadura militar brasileira desperta a curiosidade e esquenta o debate entre os historiadores.

"História, Metodologia, Memória" apresenta fontes históricas de diversas naturezas para explicitar as novas tendências metodológicas de pesquisa. Dessa forma, Antônio Torres Montenegro, um dos responsáveis pela criação da Associação Brasileira de História Oral, ensina como utilizar os relatos memorialísticos de forma inovadora.

Através do trabalho com relatos orais de memória, Montenegro reflete sobre a produção da inteligibilidade histórica. A pesquisa sobre documentos escritos é contemplada na análise de arquivos do antigo Departamento de Ordem Política e Social de Pernambuco (Dops-PE) de onde foi possível obter, após sua transferência para o Arquivo Público Estadual, amplo material procedente dos dois lados que antagonizavam durante o período ditatorial: entidades de esquerda e o próprio Dops.

Abaixo, leia um trecho do livro

*

A pesquisa histórica acerca da acirrada luta política que se estabelece nas décadas de 1950 e 1960 no Brasil não pode prescindir do estudo sobre a atuação da Igreja Católica. Foi em torno desse tema que escrevi os capítulos "Arquiteto da Memória: nas trilhas dos sertões de Crateús" e "Política e Igreja Católica no Nordeste (1960-1970)". A encíclica Fidei Donum, lançada por Pio xii e depois reafirmada e ampliada por João XXIII, é reveladora de uma política mundial dessa instituição contra o comunismo, o espiritismo e o protestantismo. Padres europeus, americanos do norte e canadenses são convocados para atuar inicialmente na África e em seguida na América Latina, onde há, segundo a Igreja, carência de vocações sacerdotais. Esse fato, associado ao avanço dessas três forças - comunismo, espiritismo, protestantismo -, é visto como um grande perigo para a Igreja, que corre o risco de perder a hegemonia religiosa sobre a população desses continentes. Desse modo, essa política mundial de Roma irá informar e ao mesmo tempo ajudar a situar a relação que se estabelece entre setores da Igreja Católica e as esquerdas antes do golpe de 1964; e também a lenta mudança política que se observa nessa instituição à medida que o regime se consolida e se apresenta autoritário e repressor dos movimentos sociais. Assim, um dos caminhos da pesquisa foi construído com base nas histórias de vida de alguns padres europeus que emigraram para o Brasil, sob os auspícios da encíclica Fidei Donum; as quais revelam como alguns deles, surpreendentemente, após o golpe de 1964, passaram a ser taxados de comunistas, presos e expulsos do país.

Finalmente, duas outras dimensões estiveram bastante presentes na elaboração dos textos que compõem este livro, sobretudo quando se coloca a questão da atuação da Igreja Católica e do governo dos EUA em relação ao Brasil. A primeira é a forma como uma parcela da classe política, econômica e mesmo religiosa do Brasil se alia a forças mundiais para enfrentar seus adversários internos, nomeados de comunistas, no período pré-golpe. Nesse sentido, procurei afastar qualquer sinal de pensar o Brasil como vítima do imperialismo, quer da perspectiva dos EUA, quer da Igreja Católica. Assim, o imperialismo em sua forma de atuação econômica, política e cultural foi pensado neste livro dentro de uma lógica muito próxima ao que escreve Edward Said (1995: 23):

_Uma das realizações do imperialismo foi aproximar o mundo,
e embora nesse processo a separação entre europeus e nativos tenha
sido insidiosa e fundamentalmente injusta, a maioria de nós deveria
agora considerar a experiência histórica do império como algo partilhado
em comum._

A segunda dimensão, que a documentação do período coloca ao
historiador, relaciona-se à complexa ligação que se estabelece entre os representantes do Estado e os da Igreja Católica, especialmente após o golpe de 1964. Colaboração e confronto permearão a relação entre Estado e Igreja, em que o estudo da atuação de um bispo (dom Antonio Fragoso), denunciado pelos seus próprios pares como comunista, constitui-se em uma história exemplar para a análise das lutas políticas do período e quiçá do futuro.

E pode-se pensar essa trama política, religiosa, social na perspectiva do tempo presente enquanto categoria histórica. Algo que vai além da própria história do tempo presente, pois remete ao conhecimento daquilo que se repete, embora nem sempre igual, e dessa forma possibilita ver também o que há de novo. "Tal vez menos de lo que solemos suponer. Este poco es lo importante" (Koselleck, 2001: 133). Porém, ao historiador - em sua senda de pesquisa, análise, crítica, aproximação e afastamento de objetos e questões, formulações metodológicas entre o sonhar acordado e o adormecer pensando - ainda se apresenta o desafio englobante da escrita. E nessa hora o poeta, por meio de suas metáforas hiperbólicas, talvez sintetize mais esse constante desafio:

_O que acontece é que escrever
é ofício dos menos tranquilos:
se pode aprender a escrever,
mas não a escrever certo livro.
Escrever jamais é sabido;
O que se escreve tem caminhos;
escrever é sempre estrear-se
e já não serve o antigo ancinho. (Melo Neto, 1995: 584)_

*

"História, Metodologia, Memória"
Autor: Antônio Torres Montenegro
Editora: Editora Contexto
Páginas: 192
Quanto: R$ 33,00
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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