Em best-seller mundial, sobrevivente do WTC mostra a importância do acaso
FABIANA SERAGUSA
colaboração para a Livraria da Folha
| Divulgação |
 |
| Físico Leonard Mlodinow (foto) mostra a importância do acaso |
O físico norte-americano Leonard Mlodinow estava no World Trade Center em 11 de setembro de 2001, mas saiu ileso dos ataques terroristas. Seus pais também conseguiram sobreviver ao terror do Holocausto, antes de embarcarem e se conhecerem em Nova York. Demonstrações de sorte, acaso ou destino?
Em 1989, após ouvir de um médico que seu exame de HIV tinha dado positivo e que suas chances de morrer em menos de uma década eram maiores que 99%, Mlodinow decidiu mergulhar a fundo nas possibilidades matemáticas e desvendar os erros imprudentes disseminados por especialistas e estudiosos.
No livro "O Andar do Bêbado" (Jorge Zahar Editor), o físico conta que, depois do choque inicial do anúncio, percebeu a confusão do médico, estudou todas as fórmulas de probabilidades e chegou à conclusão de que, na verdade, havia mais de 99% de chances de que seu exame de HIV estivesse errado --já que ele não fazia parte de nenhum grupo considerado de risco. Ao refazer o exame, ficou comprovado HIV negativo.
Em entrevista exclusiva à Livraria da Folha, Mlodinow diz que mudou sua maneira de ver o mundo após pesquisar sobre aleatoriedade, e que o modo como enxergava as coisas não passava de ilusão. "A falha ou o sucesso pessoal ou profissional, a trajetória da nossa vida e o curso dos relacionamentos seriam totalmente diferentes se não fossem os acontecimentos aleatórios", afirma o físico --que escreve para o "New York Times" e já produziu roteiros de séries como "MacGyver" e "Star Trek".
Mas como detectar se um determinado sucesso tem a ver com a vocação? "Isso é difícil de dizer, porque vocação + má sorte pode significar uma falha, e a falta de dom + boa sorte pode resultar em sucesso." Por isso é tão difícil definir a influência da aleatoriedade, já que, de acordo com o autor, "o único jeito de saber qual dos dois foi fundamental é observar o caso por um longo tempo, repetindo a situação entre cem e mil vezes".
Com base em pesquisas, dados e relações entre causa e consequência, "O Andar do Bêbado" quebra a barreira dos números e das porcentagens e expõe conclusões surpreendentes, de forma simples e fácil --citando casos emblemáticos do mundo dos esportes e de Holywood.
Em um dos trechos, Mlodinow fala sobre uma série de livros que chegaram a ser rejeitados por diversas editoras, e que, depois, tornaram-se best-sellers internacionais, incluindo "O Diário de Anne Frank" (mais de 30 milhões de cópias vendidas) e "Harry Potter", de J.K. Rowlings.
Na entrevista abaixo, além de falar sobre como a aleatoriedade e o acaso são responsáveis pelos principais acontecimentos das nossas vidas, o físico norte-americano conta que seriam necessárias centenas de jogos para se definir com segurança a melhor equipe em uma Copa do Mundo, e anuncia seu próximo livro, feito em parceria com Stephen Hawking.
*
Livraria da Folha - Quais revelações do livro você acha que mais surpreende os leitores?
Leonard Mlodinow - Eu acho que é a questão sobre os testes médicos, e como a taxa de exames indicando "positivo", revelada pelos médicos, não corresponde ao significado verdadeiro das análises. Consequentemente, as pessoas ficam totalmente transtornadas pelo resultado positivo dos exames quando, na verdade, as chances de que este teste tenha dado errado são relativamente muito grandes.
| Divulgação |
 |
| Saiba como a aleatoriedade e o acaso determinam nossas vidas |
Livraria da Folha - De que maneira você acha que o seu livro pode transformar as pessoas?
Mlodinow - Para mim, escrever este livro fez com que eu mudasse minha maneira de olhar o mundo ao meu redor. É quase como se o mundo que eu pensei que enxergasse fosse apenas uma ilusão. Eu percebi que muitas coisas que eu achava que acontecessem por uma determinada razão muitas vezes eram extremamente afetadas pelo acaso. A falha ou o sucesso pessoal ou profissional, a trajetória da nossa vida e o curso dos relacionamentos seriam totalmente diferentes se não fossem os acontecimentos aleatórios. Eu acredito, claro, que existe vocação em certos casos, mas não em outros. Não há vocação, obviamente, em prever resultados em lançamentos de moedas. Eu acho que adivinhar quais serão os próximos sucessos de Hollywood faz parte do primeiro caso. Já em relação ao processo de construção de uma empresa, creio que tenha a ver com o último.
Livraria da Folha - E como podemos detectar se um determinado sucesso tem a ver com a vocação?
Mlodinow - Isso é difícil de dizer, porque vocação + má sorte pode significar uma falha, e a falta de dom + boa sorte pode resultar em sucesso. O único jeito de saber qual dos dois foi fundamental é observar o caso por um longo tempo, repetindo a situação entre cem e mil vezes. Isso na maior parte das vezes não é possível, obviamente, então eu recomendo que nós julguemos as pessoas por sua inteligência e ética no trabalho, entre outras coisas, e muito menos por simples resultados.
Livraria da Folha - O que as pessoas podem mudar efetivamente em seu dia a dia?
Mlodinow - Em primeiro lugar, as pessoas deveriam entender que falhar não significa que o sucesso não é possível ou que ainda não pode ser obtido. Falhar não significa que você é um perdedor, mas, sim, que deve continuar tentando. Como Thomas Watson disse: "Se você quer ser bem-sucedido, dobre suas taxas de tentativas erradas". A outra coisa é que, se você é muito bem-sucedido, não deixe que isso suba à sua cabeça, ou então, se você vir outras pessoas nesta boa situação, não as venere. Muitos daqueles que obtiveram muito menos sucesso devem ter feito seus trabalhos igualmente bem, mas tiveram menos sorte nas circunstâncias.
Livraria da Folha - No livro, você diz que as avaliações gastronômicas feitas por especialistas não condizem com a realidade. Então você não confia em nenhum ranking de "melhores receitas" ou "melhores bebidas"?
Mlodinow - Eu acredito que alguns são bons, mas não as classificações numéricas que as pessoas usam para tentar ligar seus gostos pessoais a algo científico. As classificações e contagens são errôneas e têm pouco significado.
Livraria da Folha - Para vencer a Copa do Mundo de futebol, é necessário que o time vença menos de dez jogos (número muito baixo se comparado ao necessário para determinar realmente o melhor). Em virtude disso, é provável que o Brasil, mesmo sendo o maior campeão mundial, tenha conquistado os títulos por mero acaso?
Mlodinow - Se um time é muito melhor que os outros, então é possível que ele vença sempre ou quase sempre seus adversários. Mas, se as equipes são razoavelmente equiparadas, precisaríamos de centenas de jogos para dizer, de forma confiável, qual é o melhor.
Livraria da Folha - "O Andar do Bêbado" se tornou um best-seller mundial. Quais as chances de que seu próximo livro também alcance o mesmo sucesso?
Mlodinow - As possibilidades são grandes, porque meu próximo livro será escrito em parceria com Stephen Hawking, e ele desafia as probabilidades em tudo aquilo que faz. O livro se chama "The Grand Design", e é sobre a origem do universo.
*
"O Andar do Bêbado"
Autor: Leonard Mlodinow
Editora: Jorge Zahar Editor
Páginas: 264
Quanto: R$ 29,90
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha.
