Livraria da Folha

 
04/02/2010 - 17h01

Veja a relação entre o striptease alemão e o sucesso dos Beatles

GUILHERME SOLARI
colaboração para a Livraria da Folha

"Há algo profundamente errado com o modo como entendemos o sucesso".

Divulgação
Obra propõe uma nova maneira de encarar trajetórias de sucesso
Obra propõe uma nova maneira de encarar trajetórias de sucesso

Esta frase contida no primeiro capítulo de "Fora de Série: Outliers" sumariza a tese central do livro, que analisa casos de sucesso de diversos campos, fenômenos de excelência em sua área como Bill Gates ou os Beatles, e tenta descobrir o que há em comum entre eles. Apesar do tema que parece indicar um livro de autoajuda, a obra se diferencia, pois ao invés de apresentar fórmulas simplistas do tipo "os dez segredos para ficar rico", se baseia em uma série de estudos acadêmicos de história e psicologia. E adverte como o sucesso não é simples, as maneiras de chegar a ele também não são.

Aquilo que está "profundamente errado com o modo como entendemos o sucesso", segundo o autor Malcolm Gladwell, colunista do jornal "New Yorker", é que lidamos com o sucesso como unicamente dependente do valor pessoal. Aquela velha história contida nas diversas biografias de milionários que são lançadas todos os anos, nos quais eles relembram as origens difíceis e, tais quais os heróis de uma narrativa, vencem as adversidades por mérito individual. Segundo Gladwell, no entanto, existiria uma série de vantagens invisíveis de caráter cultural, histórico, psicológico, além de mera sorte, que fazem toda a diferença entre o medíocre e o gênio.

Nascendo na hora certa

Algumas conclusões são surpreendentes. Veja por exemplo o ano de nascimento de alguns dos principais magnatas da computação e internet:

Bill Gates - fundador da Microsoft - 1955
Steve Jobs - co-fundador da Apple - 1955
Paul Allen - co-fundador da Microsoft - 1953
Steve Ballmer - atual presidente da Microsoft - 1956
Eric Schmidt - CEO do Google - 1955

Segundo Gladwell, a extrema proximidade entre as idades não é mera coincidência. Todos eles estavam no início da faculdade no momento no qual a miniaturização dos computadores permitiu que eles coubessem em uma mesa e não mais em uma sala. Assim eles tiveram acesso mais fácil ao aparelho e tiveram tempo aprender a programação de um jeito novo e revolucionário. Se eles tivessem nascido cinco anos antes, provavelmente já teriam entrado no mercado de trabalho em alguma empresa como a Xerox ou IBM e se nascessem cinco anos depois, é provável que trabalhariam para aqueles que pegaram essa janela histórica de oportunidade.

O mesmo padrão é mostrado em outras categorias, como os grandes magnatas norte-americanos dos anos 1830 e os advogados judeus do início do século 20 em Nova York, que conseguiram paradoxalmente utilizar o preconceito a seu favor, criando o que hoje são as maiores firmas de advocacia do mundo.

Não que trabalho duro não esteja envolvido com o sucesso. Muito pelo contrário. Os indivíduos "fora de série" gastaram muitas horas aprendendo o ofício para chegar à excelência. Segundo o livro existe até mesmo uma quantidade mínima de prática: 10 mil horas de treino. E o melhor exemplo disso é uma certa banda de Liverpool.

Os Beatles e o que eles devem ao striptease alemão

Antes de estourarem como fenômeno musical, os Beatles fizeram diversas viagens a Hamburgo no início da década de 1960, onde tocavam em clubes de striptease. Esse evento era chamado de "nonstop striptease" e requeriam que as bandas tocassem ininterruptamente por jornadas de até oito horas. Como disse John Lennon em uma entrevista após a separação da banda:

"Melhoramos e ficamos mais confiantes. Isso foi inevitável com aquela experiência de tocar durante toda a noite. Ter uma platéia estrangeira ajudou também. Precisávamos nos esforçar ao máximo, colocar nosso coração e nossa alma naquilo para conseguirmos chegar até o fim."

Na época em que começaram a estourar, os Beatles já haviam se apresentado ao vivo mais de 1.200 vezes. Número superior ao alcançado pela maioria das bandas atuais em toda a sua carreira. Todos os criadores de software citados acima também tiveram um período semelhante de treinamento. É na união dessas 10 mil horas com as vantagens invisíveis que nascem os casos "fora de série".

"Fora de Série: Outliers" também mostra diversos outros casos, como um homem de QI 175 (o de Einstein era de 150) que trabalha fazendo trabalhos manuais em uma fazenda de cavalos, os motivos culturais por traz da grande incidência de desastres aéreos na Ásia e no Brasil - mostrando como grandes tragédias também ocorrem devido à união de diversos fatores, de forma bem semelhante ao sucesso - e como a tradição do cultivo de arroz acabou dando uma grande vantagem a estudantes de países como Japão e China.

É uma obra que propõe uma nova maneira de encararmos o sucesso. Não apenas idolatrando os vencedores e destratando os não-sucedidos, mas tentando analisar quais foram as oportunidades invisíveis que levaram aquela pessoa a se tornar alguém fora de série. Oportunidade, é claro, que eles também souberam muito bem como aproveitar.

 
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