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05/02/2010 - 14h29

Livro revela a origem e o significado dos sobrenomes italianos

da Folha Online

"Filius Quondam" traz uma extensa investigação sobre as origens e significados dos sobrenomes italianos, muitos deles encontrados entre os descendentes brasileiros. Não se trata de um dicionário de nomes, apesar de conter verbetes com diversos casos estudados de forma mais profunda, mas de uma análise a partir de fontes da linguística, antropologia, sociologia, geografia, história e psicologia.

Divulgação
Obra mostra de onde vieram e como se modificaram os nomes italianos
Obra mostra de onde vieram e como se modificaram os nomes italianos

A expressão latina "Filius Quondam" dá nome ao livro, pois é a origem de praticamente todos os sobrenomes italianos, que só foram se diferenciando a partir dessa raiz. Seu significado pode ser traduzido literalmente como "filho do outrora", "filho do que já foi", ou seja, "filho finado". Parte da fórmula medieval de dar nomes que seque a estrutura que o autor Ciro Mioranza explica no trecho abaixo:

"Nos textos medievais, a expressão se reduz somente a filius, quando o pai é vivo. Assim, Paulus filius Petri se refere a um tal de "Paulo filho do [ainda vivo] Pedro". A expressão reduzida aparece raras vezes nos textos, se comparada à forma filius quondam. Tal fato se relaciona com a baixa expectativa de vida que, na época, não ultrapassava os 45 anos. Por essa razão, não só se usa prevalentemente a expressão completa filius quondam (filho do falecido) como também passa a ser usada como referente a filho de pai finado ou ainda vivo".

Os sobrenomes italianos foram construídos historicamente, influenciados pelo latim, invasões bárbaras, contato comercial com outros povos, o caos da Idade Média e a consolidação do idioma italiano. Veja um exemplo do nome próprio "Guilherme":

"O antropônimo germânico Wilhelm, por exemplo, é latinizado inicialmente em Wilelmus ou Vilelmus; posteriormente, assume formas como Vilielmus, Guilielmus. Esta última se fixa como definitiva e dá origem ao italiano Guiglielmo e depois Guglielmo (Guilherme)."

O livro explica como diversos sobrenomes que encontrados até hoje tem origens em profissões, região natal ou características física, muitas vezes jocosas, e diversas outras fontes, como:

"Ferrari (ferreiros), Spada (espada), Lancieri (lanceiros), Soldati (soldados); Gentile (gentil); Malatesta (cabeça malvada); Rossi, Moro, Longhi, Grassi (ruivo, moreno, alto, gordo); Conte, Marchese, Nodari, Prete, Monaco, Zago, Marescalchi (conde, marquês, escrivão, padre, monge, sacristão, alveitar - encarregado dos estábulos reais); Orsi, Lupo, Leone, Picchi (urso, lobo, leão, pica-pau); Quercia, Frassino, Rovere, Bossi (carvalho, freixo, carvalho, buxeiro); Guerra, Nascinguerra, Pace, Rovinati (guerra, nascido na guerra, paz, arruinado)".

A obra também traz verbetes analisando alguns nomes separadamente, além de uma lista com todos os 8.103 municípios italianos e um capítulo sobre a história da nação.

Veja abaixo alguns dos nomes analisados em "Filius Quondam".

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ALIGHIERI [aliguiêri] - Sobrenome raro, presente hoje em 26 dos 8.103 municípios italianos, em grande parte situados na região da Toscana. Suas raízes etimológicas remontam ao nome germânico Alagair, Alagier (formado de ala, tudo, de todo, e gaira, lança, com um sentido impreciso, mas que se relaciona com a bravura e a destreza no manuseio da lança). Latinizado em variadas formas, como Alagherius, Alacherius, Alaghierus, o sobrenome se define com a expressão medieval latina filius quondam Alaghieri (filho do senhor Alaghierus) que, posteriormente, evolui para Alighieri. É o sobrenome do maior poeta medieval italiano, autor da Divina Commedia, Dante Alighieri (1265-1321).

ANTONELLI [antonél.li] - Sobrenome muito frequente e pan-italiano, ou seja, que ocorre em todo o território da península itálica; presente hoje em 1.191 dos 8.103 municípios italianos, sua maior difusão se verifica nas regiões do Lácio, da Úmbria, do Abruzzo, da Toscana e da Lombardia; constata-se escassa presença dele no extremo sul, nas regiões da Basilicata, Calábria e Sicília. Claro derivado de Antonius, de elevado prestígio na Roma antiga, foi nome de imperadores, cônsules e frequente na nobre e aristocrática gens Antonia (tronco familiar dos Antonius). Suas raízes etimológicas são difíceis de interpretar: podem remontar ao grego antéo, antáo, opor-se e, portanto, que se opõe, lutador; podem derivar do latim antistes, chefe, ou antius, vanguardeiro, aquele que precede; podem, segundo a maioria dos linguistas, refletir um étimo etrusco, de significado desconhecido. A difusão do nome Antonius se deve tanto a seu prestígio na sociedade romana como, nos meios cristãos medievais, a santo Antônio de Pádua ou de Lisboa (1190-1231). Com o acréscimo do sufixo diminutivo latino -ellus, forma-se Antonellus. O sobrenome é, portanto, um patronímico e se fixa com a expressão medieval filius quondam Antonelli (filho do senhor Antonellus), que lhe confere a forma definitiva.

BEVILACQUA [bevilák.kua] - Sobrenome pan-italiano, ou seja, que ocorre em todo o território da península itálica, com expressiva incidência em todas as regiões da Itália, excetuando-se a Sardenha, onde é pouco representativo. Presente hoje em 1.387 dos 8.103 municípios italianos, seus índices de frequência mais consistentes se verificam no Piemonte, na Lombardia, no Vêneto, no Lácio, na Campânia e na Sicília. Composto de bevi (do latim bibere, beber), bebe, la (do latim illa, aquela), a, e acqua (do latim aqua), água, sua tradução literal é "bebe a água". É um dos tradicionais sobrenomes de cunho jocoso, segundo os linguistas e onomasiólogos [pesquisadores da origem dos nomes] italianos, conferido prevalentemente a cidadão que era conhecido apreciador de bons vinhos. Em documento do ano de 1037, já é citado um Petrus bibens aquam (Pedro que bebe água) e, em outro, do ano de 1056, fala-se de Gregorius qui dicitur bibit aquam (Gregório chamado "bebe água"). Variantes: Bevacqua, Beviacqua.

BONI [bôni] - Sobrenome muito frequente, de modo particular no centro-norte da Itália. Levantado em 956 dos 8.103 municípios italianos, sua incidência mais expressiva ocorre hoje nas regiões da Lombardia, do Vêneto, da Emília-Romanha, da Toscana e do Lácio; nas regiões meridionais é raro e esparso. Suas origens etimológicas remontam ao adjetivo latino bonus, bom, que se difundiu como nome próprio no período medieval, tanto na forma simples Bonus como em nomes compostos e sufixados. Patronímico, o nome de família se fixa com a expressão latina medieval filius quondam Boni (filho do senhor Bonus).

CASTELLI [kastél.li] - Sobrenome muito frequente e pan-italiano, ou seja, que ocorre em todo o território da península itálica. Presente hoje em 1.603 dos 8.103 municípios italianos, sua incidência mais expressiva é constatada na região da Lombardia; em escala menor, apresenta grande frequência nas regiões do Piemonte, Vêneto, Emília-Romanha, Toscana, Marcas, Lácio e Sicília. As origens etimológicas de Castelli remontam ao latim castellum, castelo, derivado de castrum, fortificação. À primeira vista, o sobrenome parece referir-se a construtor de castelos ou a proprietário de castelo. Mas não é a única motivação de seu surgimento. De fato, é geralmente interpretado como toponímico, ou seja, indicativo de cidadão residente em castelo ou nas proximidades de castelo, que era ponto de referência, ou ainda, e na maioria dos casos desses troncos familiares, de cidadão oriundo ou egresso de uma das 14 cidades denominadas Castello ou de uma das centenas de localidades de igual nome, todas elas surgidas em torno de um dos muitos castelos que, na Idade Média, se disseminavam por toda a Itália. A forma final deste nome de família se fixa com o uso da expressão italiana medieval Casata del Castello que, ao se referir a todos os descendentes desse ancestral comum, se pluraliza em Casata dei Castelli (clã, núcleo familiar dos Castelli).

DI CAPRIO [dikáprio] - Sobrenome bastante frequente e difundido em grande parte do território italiano. Levantado em 187 dos 8.103 municípios italianos, sua incidência mais expressiva se registra hoje nas regiões da Campânia, do Lácio e da Lombardia. Suas origens etimológicas remontam ao vocábulo latino capreus, derivado de capra, cabra, e, portanto, relativo a caprinos, ou seja, criador de cabras. A anteposição de preposição di, de, indicativa de função, de procedência, pode reforçar a ideia de criador e mercador de caprinos, mas pode também relembrar habitante oriundo ou egresso de uma das muitas localidades chamadas Caprio, Caprie, Capriolo, cujas denominações evocam a intensa criação de caprinos nessas áreas. Eventualmente, mas menos provável, pode referir-se a cidadão oriundo da famosa ilha de Capri, cujo nome deriva do grego kápros (javali) ou do etrusco capra (terreno de sepultura) ou do latim capreae (terra das cabras).

LOMBARDI [lombárdi] - Sobrenome muito frequente e pan-italiano, ou seja, que ocorre em todo o território da península itálica. Presente hoje em 2.195 dos 8.103 municípios italianos, sua incidência mais expressiva se registra nas regiões da Campânia, do Lácio, da Toscana e da Lombardia; com índices de frequência consideráveis, é constatado em todas as demais regiões da Itália, excetuando-se a Sicília, a Sardenha, o Trentino-Alto Ádige e o Friuli-Venécia Júlia, onde sua presença é menos consistente. Suas origens etimológicas e históricas remontam ao vocábulo germânico langbarden (composto de langa, longa, e barda, barba, ou seja, de longas barbas), designativo do povo dos longobardos que dominaram a Itália de 568 a 774; ao serem vencidos pelos francos (outro povo germânico), se concentraram na região que foi chamada Langobardia, Longobardia, depois Lombardia, e em alguns feudos esparsos, como o de Benevento, ao norte de Nápoles. Toponímico, este nome de família relembra a área de origem do patriarca medieval iniciador desse tronco familiar; talvez étnico, se o patriarca fundador desse tronco familiar se considerava e se dizia de genuína ascendência longobarda, lombarda. Cumpre salientar que, no período medieval mais recente (século XIV em diante), o termo lombardo corria em grande parte da Europa e na Itália como sinônimo de mercador, banqueiro, cambista, usurário; em tal caso, o nome de família se reporta a cidadão que exercia uma dessas funções ou atividades. Sua forma final se fixa com a expressão italiana medieval Casata del Lombardo que, ao referir-se a todos os descendentes desse ancestral comum, se pluralizou em Casata dei Lombardi (clã, núcleo familiar dos Lombardi).

MERCADANTE [merkadánte] - Sobrenome bastante frequente e pan-italiano, ou seja, que ocorre em todo o território da península itálica. Levantado em 258 dos 8.103 municípios italianos, sua incidência mais expressiva foi constatada nas regiões da Sicília, Campânia, Lácio, Lombardia e Piemonte. Suas origens etimológicas remontam ao vocábulo latino mercatus, mercado, negócio, comércio, do qual derivam, no latim medieval, mercatante e mercante, que evoluem para o italiano antigo mercadante, mercante, com o claro significado de mercador, comerciante. Este nome de família relembra, portanto, a profissão do ancestral fundador desse tronco familiar.

TAFFAREL [taf.farél] - Sobrenome raro e típico do norte da Itália. Levantado em 30 dos 8.103 municípios italianos, sua presença se concentra hoje quase exclusivamente na área limítrofe entre as regiões do Vêneto e do Friuli-Venécia Júlia. Suas origens etimológicas remontam ao vocábulo árabe tayfuri, fabricante e vendedor de louças, ou do termo igualmente árabe taifur, inconstante, volúvel, inconsequente. Introduzido na Itália em decorrência das fortes relações comerciais das repúblicas marítimas, como Veneza e Gênova, com o Oriente muçulmano, o termo sofreu diferentes evoluções ou transformações fonéticas, fixando-se no italiano em tafuro, taffuro e tafaro, taffaro. Mediante o acréscimo do sufixo diminutivo -ello, na forma truncada ou apocopada -el, típica dos falares regionais setentrionais, tem-se Taffarel. O nome de família relembra a profissão do ancestral iniciador do tronco familiar ou um apelativo que lhe foi conferido em função de sua personalidade, de seu temperamento ou de suas atitudes comportamentais.

 
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