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14/02/2010 - 15h38

Presidente da Fiesp recomenda livro escrito por amigo de Lula

da Folha Online

Na coluna de Maria Cristina Frias, publicada na Folha de S.Paulo de hoje (14), o presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, recomendou a leitura de "Do Golpe ao Planalto".

Mastrangelo Reino/Folha Imagem
Texto: Paulo Skaf, presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), durante evento, no Mosteiro de São Bento, em São Paulo (SP), em homenagem ao ex-governador Franco Montoro, morto há 10 anos. (São Paulo (SP), 16.07.2009. Foto de Mastrangelo Reino/Folha Imagem)
Paulo Skaf durante cerimônia em homenagem ao ex-governador Franco Montoro

Segundo Skaf, "Este livro ajuda a diferenciar o que é versão do que é fato e, assim, melhor entender nossa história recente"

O autor da obra é o jornalista Ricardo Kotscho, assessor de imprensa em três das quatro campanhas presidenciais de Lula, secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República (2003 - 2004) e amigo pessoal presidente.

No volume, Kotscho, acostumado a escrever sobre outras pessoas, conta a sua própria história, do desastre aéreo que matou o ex-presidente Castello Branco, em 1967, a sua atuação na campanha das Diretas, em 1984.

O encontro e a amizade com Lula é o ponto alto da narrativa, laços que foram criados durante as greves do ABC. Abaixo, leia um trecho do livro.

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Divulgação
A amizade com Lula marcou de forma decisiva sua carreira jornalística
A amizade com o presidente marcou sua carreira jornalística

Nem podia imaginar que a missão a mim reservada por Mino Carta na revista iria determinar meus caminhos pelo resto da vida. A ordem que ele me deu foi simples e direta: "Você vai para o ABC e gruda no Lula. Quero matéria toda semana".
Voltando com Lula no carro que o levava para o sindicato depois de mais uma reunião de negociações salariais na FIESP, contei-lhe da missão que me fora confiada pelo Mino, e ele não gostou muito da idéia: "Ah, mais um barbudinho intelectual da USP pra me encher o saco...".

Nem era bem o caso, pois eu já havia abandonado pelo meio duas faculdades na USP (Comunicações e Ciências Sociais). Ainda pouco à vontade com a crescente notoriedade proporcionada pelas greves de metalúrgicos que desafiavam o regime, sempre cercado de repórteres e dirigentes sindicais, naquela época Lula não queria saber de política nem de políticos. O mundo dele se limitava ao sindicato, e o meu, à revista. Por alguma razão que até hoje desconheço, logo ficaríamos amigos de um freqüentar a casa do outro. Em outubro de 1978, não poderíamos nem sonhar que, 25 anos depois, numa manhã de domingo, prepararíamos juntos um churrasco à beira da piscina do palácio da Alvorada - com ele na Presidência da República, e eu como seu secretário de Imprensa e Divulgação.

Greves do ABC, prisão de dirigentes metalúrgicos, anistia, volta dos exilados, fundação do PT e da CUT, campanha pela Constituinte: na virada dos anos 70 para os 80 do século XX, tinha-se a impressão de que estava acontecendo tudo ao mesmo tempo, e tão rápido que não dava para ficar pensando no futuro. Tendo como pano de fundo a passagem da ditadura para a democracia, cada semana parecia ser decisiva na nossa vida. O repórter e o líder metalúrgico, agora barbudo como os intelectuais que desdenhava, foram se cruzando ao longo do acidentado caminho na luta pela redemocratização do país. O divisor de águas foi a campanha das Diretas, o maior movimento cívico da nossa história recente, que tive a oportunidade de acompanhar do princípio ao fim trabalhando na Folha de S.Paulo.

Conquistado o direito de votar para presidente da República, fui convidado por Lula para ser seu assessor na primeira campanha, em 1989. Trabalhei novamente com ele em 94, percorrendo todo o país nas Caravanas da Cidadania, e em 2002, quando saiu vitorioso. Entre uma campanha e outra, eu voltava para as redações (JB, SBT, CNT, Bandeirantes, Época, Folha), mas nunca deixei de manter contato com o amigo, que os mais chegados chamavam de Baiano. Só quando Lula finalmente ganhou a eleição eu não voltei para uma redação: fui com ele para Brasília, e minha família ficou em São Paulo. Para quem havia começado a vida profissional em 64, o primeiro ano de duas décadas de ditadura militar, entrar no palácio do Planalto quarenta anos depois com um amigo eleito com quase 53 milhões de votos era como estar chegando ao fim de uma maratona sabendo que a corrida mais importante teria início no dia seguinte.

Na manhã de 2 de janeiro de 2003, subi ao terceiro andar do palácio e entrei no gabinete presidencial. O governo Lula propriamente dito estava começando após uma festança de posse como o Brasil nunca tinha visto. Marcada para as oito da manhã, a primeira audiência só foi se realizar uma hora depois. Hugo Chávez, presidente da Venezuela, pediu desculpas a Lula e explicou que havia perdido a hora porque passara a noite conversando com Fidel Castro no hotel.

Enquanto o visitante não aparecia, ficamos ali, tomando cafezinho e falando das emoções da véspera. Caminhando pelo recinto amplo e solene, olhei pelas janelas as colunas de Niemeyer, que fazem do Planalto um palácio único no mundo. Eu custava a acreditar que era tudo verdade. Apenas dezoito degraus separavam a sala que passei a ocupar na Secretaria de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, no segundo andar, do gabinete do presidente. Cada vez que eu subia aquela escada, pensava na enorme responsabilidade de quem estava naquele lugar e nos milhares de outros degraus que havíamos tido de subir para chegar lá.

Passados dois anos, na minha última viagem ao lado de Lula e de sua mulher, Marisa, na cabine presidencial do "Sucatinha" (como era chamado o avião menor da FAB, um Boeing 737), quando voltei definitivamente para São Paulo, ficamos lembrando dos muitos lugares e pessoas que conhecêramos juntos, do que dera certo ou errado e do que ainda não tinha sido possível fazer no governo. "Não podemos reclamar da vida...", brinquei, repetindo uma velha frase que servia de senha para não deixar a peteca cair.
Na despedida, no Pavilhão de Autoridades de Congonhas, era como se uma parte importante da minha existência - certamente a mais sofrida e, ao mesmo tempo, a mais rica e gratificante - tivesse ficado para trás, na pista do aeroporto. Só de uma coisa eu tinha certeza: não conseguiria viver mais nem um dia em Brasília, longe da família, cercado de políticos, jornalistas, crises, pedidos e compromissos, sem tempo para nada, morando sozinho num hotel. Havia cumprido meu destino, estava no lugar certo na hora certa, como aconteceu durante toda a vida, mas meu prazo de validade vencera.

Uma coisa é viajar a trabalho pelo jornal, ficar fora o tempo que for, sabendo que, na volta, você vai para casa. Outra, bem diferente, é passar dois anos rodando pelo Brasil inteirinho e pelo mundo (fomos para mais de vinte países naquele período) e voltar para um quarto de hotel em Brasília, ligar a televisão e telefonar para saber como está a neta, que você ainda nem conhece direito. Quando Lula e Marisa entraram no carro que os levaria do aeroporto para o apartamento deles em São Bernardo do Campo, falei para o presidente, como costumava fazer a cada final de expediente, ao me despedir na garagem do palácio do Planalto, quase sempre depois das nove da noite:

- Mais um dia ganho honestamente, meu velho...
- Eu, pelo menos, tenho certeza disso... - respondeu ele, com a mesma ironia sertaneja de quando nos conhecemos, no carro do sindicato, indo de São Paulo para São Bernardo do Campo, em 1978.

Lula parecia muito à vontade no papel de presidente da República, satisfeito com os resultados dos seus dois primeiros anos de mandato, que apontavam crescimento econômico e de geração de empregos, com índices de aprovação ao governo de cerca de 60%. Eu tinha apenas um plano: voltar para casa e escrever este livro, que resume quarenta anos da minha trajetória como repórter, do golpe de 1964 ao palácio do Planalto, com Lula, até novembro de 2004.

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"Do Golpe ao Planalto"
Autor: Ricardo Kotscho
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 368
Quanto: R$ 40,80
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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