Livraria da Folha

 
22/02/2010 - 11h22

"Poeta maldito" do século 19 perambulava pelas ruas e escrevia sobre botequins

da Livraria da Folha

Divulgação
Poesia de Verlaine invadiu cada botequim europeu pelo qual passou
Poesia de Verlaine invadiu cada botequim europeu pelo qual passou

Uma voz que ressoa pela cidade. Especialmente nos botequins, com trabalhadores espalhados pelos balcões, em um ambiente que é utilizado para compartilhar de experiências a porres, de amizades a tragédias. Um caminho a ser seguido pelos protagonistas dos versos e pelos olhos dos leitores.

No final do século 19, os críticos incluíram a "voz" de Paul Verlaine entre os chamados "poetas malditos". A expressão é do próprio Verlaine, eleito em 1894 o "Príncipe dos Poetas".

Em "A Voz dos Botequins e Outros Poemas" (Hedra, 2010), Verlaine conduz o leitor à sua vida desregrada pelas ruas de Paris, Rethel, Bruxelas e Londres. Esses versos foram originalmente publicados em 1944, e integravam o volume "Paralelamente a Paul Verlaine".

Por meio da nostalgia, a poesia singular de Verlaine expressa os arrebatamentos da alma e transpõe seus sentimentos em impressões delicadas e minúsculas diante de um cruel cotidiano que lhe atormentava.

Em 1880, ele mantinha um relacionamento com Lucien Létinois, um ex-aluno da instituição em que Verlaine ensinou durante dois anos e de onde foram expulsos por causa de sua "amizade". Motivo pelo qual o poeta afundaria-se novamente no álcool.

Com tradução de Guilherme de Almeida e organizado por Marcelo Tápia, o volume corresponde fielmente, quanto à seleção dos poemas e às recriações, à publicação original. No apêndice, há uma entrevista concedida por Verlaine a Jules Huret, em 1891, reunida depois em "Enquête sur l'évolution littéraire".

Leia abaixo três versos de Verlaine.

*

A Voz dos Botequins...

A voz dos botequins, a lama das sarjetas,
Os plátanos largando no ar as folhas pretas,
O ônibus, furacão de ferragens e lodo,
Que entre as rodas se empina e desengonça todo,
Lentamente, o olhar verde e vermelho rodando,
Operários que vão para o grêmio fumando
Cachimbo sob o olhar de agentes de polícia,
Paredes e beirais transpirando imundícia,
A enxurrada entupindo o esgoto, o asfalto liso,
Eis meu caminho - mas no fim há um paraíso.

*

O Luar Grisalho

O luar grisalho
Brilha no bosque;
De cada galho
Parte uma voz que
Roça a ramada. . .

Ó bem-amada.

Reflete o lago,
Espelho puro,
O vulto vago
Do choupo escuro
Que ao vento chora. . .

Sonhemos: é hora.

Um grande e brando
Quebrantamento
Vem, vem baixando
Do firmamento
Que o astro ilumina. . .
É a hora divina.

*

Canção de Outono

Estes lamentos
Dos violões lentos
Do outono
Enchem minha alma
De uma onda calma
De sono.
E soluçando,
Pálido, quando
Soa a hora,
Recordo todos
Os dias doudos
De outrora.
E vou à-toa
No ar mau que voa,
Que importa?
Vou pela vida,
Folha caída
E morta.

 
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