Livraria da Folha

 
24/02/2010 - 09h06

Com quatro anos, Senna já impressionava no kart; leia trecho de biografia do piloto

da Livraria da Folha

"Foi arrepiante. Ele tinha uns 4 anos e todo mundo ficou vendo ele andar no kart. Já na primeira volta na rua de terra, ficamos todos impressionados com a noção que ele já tinha." Assim, João Alberto, um dos vizinhos de Ayrton Senna, descreveu a primeira volta que o piloto deu no kart fabricado pelo pai.

Divulgação
Autor revela intimidades e glórias de um dos maiores ídolos do Brasil
Autor revela intimidades e glórias de um dos maiores ídolos do Brasil

Essa e outras histórias sobre a vida de um dos maiores ídolos do esporte brasileiro estão no livro "Ayrton: O Herói Revelado", de Ernesto Rodrigues, que acaba de ganhar uma edição de bolso pelo selo Ponto de Leitura, da Editora Objetiva.

Com o objetivo de deixar o leitor e os fãs mais próximos da imagem do piloto, o jornalista revela seu lado mais íntimo, com episódios desconhecidos da vida pessoal e profissional do tricampeão mundial de Fórmula 1.

Entre outras coisas, o autor fala sobre a relação de inimizade do piloto com Piquet, do impacto da sua morte, dos boatos de que ele era homossexual e da imagem de celebridade que se formou em sua volta.

Veja no trecho abaixo como se desenrolou parte da infância de Senna e seus primeiros contatos com o kart.

*

Incas Venusianos

Nos primeiros anos de vida, Ayrton não deu o menor sinal de que poderia se tornar o prodígio de precisão e concentração que assombraria o mundo do automobilismo. Dona Neyde e a irmã mais velha, Viviane, eram testemunhas diárias de seu jeito desastrado e de sua média preocupante de tombos, tropeções e batidas de cabeça, algumas delas fortes o suficiente para deixar grandes marcas pelo corpo e galos na cabeça.

Ser canhoto, naquela época, no Brasil, era motivo de preocupação até para educadores. Dona Neyde chegou a agradecer a oferta curiosa de uma professora de Ayrton: ela se ofereceu para forçar Senna a trocar a mão esquerda pela direita, na hora de escrever. A preocupação de dona Neyde com o que no futuro se chamaria de hiperatividade do filho a levou a procurar até um neurologista.

O resultado do exame foi tranquilizador. Ayrton não tinha nada de errado. Na verdade, era desajeitado, soube a mãe, por ser rápido demais em tudo o que fazia. Era voraz na hora de experimentar, veloz na hora de aprender. Faltava apenas descobrir um pouco mais de precisão na ocupação dos espaços físicos. E era apenas uma questão de tempo para o problema desaparecer, levando com ele o estilo e a fama de desastrado.

O neurologista não fez apenas um diagnóstico. Tateou um fenômeno.

Em 1964, Milton da Silva, cada vez mais bem-sucedido nos negócios, levou a família para a região mais alta e nobre do bairro de Santana, uma área onde, graças ao aclive geográfico, os moradores tinham uma das mais belas vistas da cidade. A nova casa, situada na esquina das ruas Pero Leme e Condessa Siciliano, tinha dois pavimentos, jardim e garagem. Era a mais confortável e bonita da rua.

Os pais de Senna eram admirados por serem pessoas simples, apesar da notória e crescente riqueza. Robinson Gaeta, morador da rua e amigo de Ayrton quando os dois tinham entre 4 e 7 anos, era um dos que admiravam a família Senna. O pai de Robinson, Martino, não escondia dele, também, a admiração que tinha pela beleza de dona Ney de. E dizia que a avó de Ayrton era chamada na vizinhança de Maria Bonita pelos mesmos motivos.

Dentro de casa, a preocupação de Senna era com a destruição do planeta pelos incas venusianos e, posteriormente, pelos seres abissais, vilões submarinos que emergiam do fundo do mar e provocavam terremotos, sempre no Japão. Todos exemplarmente derrotados, ao final de 39 episódios, por Nacional Kid, herói da tevê de Senna e dos meninos de sua geração. Alguns anos depois, Ayrton passou a ser um entusiasmado fã do desenho animado Speed Racer, um jovem piloto de competição, sempre disposto a lutar pelos amigos, pela justiça e para ser o melhor corredor do mundo, ao volante do Mach 5. Um carro construído pelo pai.

Na rua, Senna era o menino que tinha sempre os brinquedos mais bonitos e caros, pelo menos na memória de Virgínia Bertinni, vizinha três anos mais velha. Muito tímido, Ayrton gostava de emprestar tudo o que levava para a rua:

"Ele era uma graça. Tão bonzinho que alguns até se aproveitavam e tentavam fazer ele de bobo. Tudo o que falavam para ele fazer, ele fazia. E pediam tudo emprestado. Ele sempre emprestava e ficava sentadinho na calçada, olhando."

Quando o menino entrou no kart pela primeira vez, a ternura que ele despertava deu lugar à incredulidade.

Seria assim por trinta anos.

João Alberto, um vizinho, seis anos mais velho que Senna, amigo de Viviane, estava entre as pessoas que testemunharam a primeira vez em que Ayrton se ajeitou no banco anatômico do kart fabricado pelo pai e acelerou:

"Foi arrepiante. Ele tinha uns 4 anos e todo mundo ficou vendo ele andar no kart. Já na primeira volta na rua de terra, ficamos todos impressionados com a noção que ele já tinha."

Em pouco tempo, aos sábados, domingos e feriados, Milton começou a levar Ayrton, os amigos e o kart para locais mais amplos e fechados, para que eles se divertissem com mais segurança. Podia ser um loteamento próximo à rodovia Fernão Dias, na saída de São Paulo para o sul de Minas, ou as áreas ainda em construção da Marginal do Tietê. O local preferido, por anos a fio, foi outro loteamento, situado na parte alta do bairro, o Palmas do Tremembé, futuro bairro de mansões, ainda vazio na época. João Alberto foi um dos primeiros adversários de Senna no volante:

"Não dava. Eu tinha uns 12 anos e não corria como ele, que tinha somente 6."

No início, Milton acompanhou o show de kart dos meninos com preocupação. Sempre havia um adulto por perto, ele ou Pedro, o motorista da família. Depois, aos poucos, o Ayrton foi ganhando autonomia. Aos 7 anos, já ia por conta própria até a oficina mecânica de Martino Gaeta, pai do amigo Robinson, para providenciar "uma graxinha" para as rodas do kart. E acabava ficando:

"Ele punha a graxinha no kart e ficava por lá. Adorava observar os carros e o trabalho na oficina."

Em 1968, durante um fim de semana na cidade de Itanhaém, litoral de São Paulo, a família tomou um susto que depois virou motivo de muitas risadas. Ayrton, então com apenas 8 anos, foi conduzido à casa de praia da família pelo delegado da cidade, que o flagrara dirigindo, sozinho, a camionete Veraneio do pai.

Ayrton era tão pequeno, que a primeira impressão do delegado foi de que o carro estava sem motorista.

Aos 10 anos, Senna tinha uma espécie de aventura secreta. Vizinhos de porta da família no alto da rua Condessa Siciliano, Norberto Vieira Lima, então com 18 anos, e a irmã mais nova, Vera, saíam com ele de carro, um Puma, e, sem que Milton e dona Neyde soubessem, entregavam o volante para ele. Ayrton, de acordo com Vera, mal conseguia alcançar os pedais:

"A gente colocava almofada para ele dirigir o carro. E ele adorava. Nunca aconteceu nada porque ele sempre foi muito ponderado. Ayrton era audacioso, sim, mas muito responsável, sabia o que estava fazendo."

Vinte e três anos depois daquelas escapadas para matar a fome precoce e intensa de dirigir, Senna foi visto por Vera em uma rua do bairro do Morumbi, logo depois de vencer o GP do Japão de 1993. Vera estava com o filho Renato, de 12 anos, e se aproximou da Mercedes em que Senna estava.

A surpresa e a satisfação foram tão grandes que Ayrton fez questão de que ela entrasse no carro com o filho, para que ele retribuísse as voltas de carro às escondidas nas ruas de Santana. Vera entrou e Ayrton pôs o filho dela no volante da Mercedes. Deram uma volta para lembrar os tempos do Puma.

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"Ayrton: O Herói Revelado"
Autor: Ernesto Rodrigues
Editora: Ponto de Leitura
Páginas: 704
Quanto: R$ 29,90
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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