Livraria da Folha

 
27/02/2010 - 16h31

Leia trecho de livro de Agatha Christie sobre casal de detetives

da Livraria da Folha

Divulgação
Tommy e Tuppence precisam enfrentar tanto o tédio quanto vilões
Tommy e Tuppence precisam enfrentar tanto o tédio quanto vilões

Após adquirir os direitos de publicação de 35 romances de Agatha Christie, a editora L&PM lança o primeiro volume da leva: "Sócios no Crime".

O livro é o segundo com o casal de ex-detetives Tommy e Tuppence, que tenta levar uma vida normal. O sossego deles acaba, no entanto, quando o chefe do Serviço de Inteligência Britânica entra em contato propondo-lhes que reativem a agência de detetives internacional.

Prestando uma homenagem a grandes nomes da literatura policial, a dupla resolve seus casos utilizando técnicas de detetives célebres, como Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, o padre Brown, de Chesterton, e Hercule Poirot, da própria Agatha Christie.

Veja abaixo o início de "Sócios no Crime"

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SÓCIOS NO CRIME

Capítulo 1: Uma fada no apartamento

A sra. Thomas Beresford trocou de posição no divã e olhou melancolicamente para fora da janela do apartamento. A vista não se estendia muito e consistia apenas de um pequeno prédio de apartamentos do outro lado da rua. A sra. Beresford deu um suspiro e depois um bocejo.

- Quem dera - exclamou - que alguma coisa acontecesse!

O marido a encarou com ar de censura.

- Cuidado, Tuppence! Essa ânsia por sensações vulgares me choca.

Tuppence suspirou e fechou os olhos como se sonhasse.

- E então Tommy e Tuppence se casaram - entoou a jovem - e viveram felizes para todo o sempre. E seis anos depois eles ainda viviam felizes para todo o sempre.

É inacreditável - acrescentou - como tudo é sempre tão diferente daquilo que se imagina que será.

- Uma frase muito profunda, Tuppence. Mas nada original. Poetas célebres e teólogos ainda mais célebres já disseram isso antes. E, se me permite sugerir, já o disseram de forma melhor.

- Há seis anos - continuou Tuppence -, eu poderia jurar que, com dinheiro o bastante para comprar o que quisesse e com você ao meu lado como meu marido, a vida inteira seria uma doce e bela canção, como diria um desses poetas sobre os quais você parece saber tanto.

- Sou eu ou o dinheiro a causa do seu tédio? - Tommy perguntou com frieza.

- Tédio não é bem a palavra - respondeu Tuppence num tom gentil. - Já me acostumei com as graças recebidas, apenas isso. Do mesmo modo que nunca nos lembramos da dádiva que é poder respirar livremente pelo nariz até pegar um resfriado.

- Você gostaria que eu a tratasse um pouco com descaso? - sugeriu Tommy. - Saísse com outras mulheres e as levasse a casas noturnas, esse tipo de coisa?

- Inútil - retorquiu Tuppence. - Você apenas me encontraria lá com outros homens. E enquanto eu saberia perfeitamente bem que você não dava a mínima pelas outras mulheres, você jamais teria a mesma certeza de que eu não me importava com os outros homens. As mulheres são tão mais perspicazes.

- É apenas na modéstia que os homens conseguem as notas mais altas - murmurou o marido. - Mas qual é o seu problema, Tuppence? Por que tamanha insatisfação?

- Não sei. Eu quero que coisas aconteçam. Coisas excitantes. Você não gostaria de voltar a sair à caça de espiões alemães, Tommy? Pense nos dias vibrantes e cheios de perigos que já vivemos. Claro que eu sei que você mais ou menos ainda pertence ao Serviço Secreto, mas seu trabalho é pura rotina de escritório.

- Quer dizer que você gostaria que me mandassem para os mais inóspitos confins da Rússia disfarçado de contrabandista bolchevique de bebidas ou algo assim?

- Não adiantaria nada - disse Tuppence. - Eles não me deixariam ir com você, e sou eu quem deseja desesperadamente alguma coisa para fazer. Alguma coisa para fazer. É isso que eu repito para mim mesma o dia todo.

- A esfera de atuação feminina - Tommy sugeriu com um aceno de mão.

- Vinte minutos de trabalho após o café da manhã permitem que eu toque o barco perfeitamente. Você não tem queixas, tem?

- Você dirige a casa com tamanha perfeição, Tuppence, que chega a ser quase monótono.

- Gosto do reconhecimento - admitiu Tuppence.

- É claro que você tem o seu trabalho - continuou -, mas diga-me, Tommy, você nunca tem um desejo secreto por emoção, vontade de que aconteçam coisas?

- Não - discordou Tommy -, pelo menos acho que não. É muito bom querer que coisas aconteçam, mas podem ser coisas pouco agradáveis.

- Os homens são tão prudentes - Tuppence concluiu com um suspiro. - Você nunca tem um desejo louco e secreto por romance, aventura, vida?

- O que é que você anda lendo, Tuppence? - perguntou Tommy.

- Imagine como seria eletrizante - continuou Tuppence - se ouvíssemos uma batida vigorosa em nossa porta, fôssemos atender e entrasse um morto com passos cambaleantes.

- Se estivesse morto não poderia dar passos cambaleantes

- Tommy afirmou em tom de crítica.

- Você entendeu - explicou Tuppence. - Eles sempre entram com passos cambaleantes um pouco antes de morrerem e caírem aos seus pés, apenas sussurrando suas poucas últimas palavras enigmáticas: "O Leopardo Malhado", ou algo do gênero.

- Recomendo uma dieta de Schopenhauer ou Immanuel Kant - disse Tommy.

- Esse tipo de coisa seria bom para você - respondeu Tuppence. - Você é que está ficando gordo e acomodado.

- Eu não - retrucou Tommy com indignação. - Até porque você também faz exercícios para manter a forma.

- Todos fazem - concluiu Tuppence. - Quando falei que você está ficando gordo, na verdade estava usando uma metáfora para sugerir que, à medida que fica mais próspero, você fica cada vez mais mole e acomodado.

- Não sei o que deu em você - afirmou o marido.

- O espírito de aventura - murmurou Tuppence.

- Ainda assim é melhor do que um desejo por romance.

 
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