Livraria da Folha

 
11/03/2010 - 17h40

Leia primeiro capítulo de clássico de Arthur C. Clarke que chega ao Brasil

GUILHERME SOLARI
colaboração para a Livraria da Folha

A Editora Aleph lança no Brasil "Fim da Infância", um clássico do escritor de ficção científica Arthur C. Clarke, conhecido por "2001: Uma Odisséia no Espaço" (esgotado no Brasil) e suas continuações "2010 (Vol. 2)", "2061 (Vol. 3)" e "3001: A Odisséia Final". As obras do autor transmitem uma sensação de deslumbramento do ser humano frente à imensidão do Universo e tecnologias superiores e cunhou uma frase famosa que traduz esse conceito recorrente em sua obra: "A tecnologia, quando avançada o bastante, se torna indistinta da magia".

Divulgação
Uma das maiores histórias de primeiro contato com alienígenas
Uma das maiores histórias de primeiro contato com alienígenas

Escrito em 1953, "Fim da Infância" foi uma das primeiras histórias de ficção científica de primeiro contato entre a humanidade como um todo e uma espécie alienígena. Apesar de histórias de conflitos com marcianos ("Guerra dos Mundos") ou de astronautas isolados que encontram civilizações espaciais ("Flash Gordon") já existirem, a obra foi a primeira a abordar um contato pacífico entre humanos e uma civilização extremamente avançada. Argumento que depois foi usado repetidamente tanto na literatura quando no cinema, em filmes como "Contatos Imediatos de Terceiro Grau", de Stephen Spielberg e "Contato", baseado no livro de mesmo nome de Carl Sagan e com Jodie Foster no elenco. "Ou estamos sozinhos no Universo ou não estamos. Ambas as afirmações são assustadoras", é outra máxima do autor.

A história de "Fim da Infância" mostra as interações da humanidade com uma raça de seres de tecnologia infinitamente superior à humana, chamados de "Senhores Supremos", e que trouxeram uma nova era de prosperidade e paz na Terra. Os alienígenas são vistos com suspeita por alguns, no entanto, pois se recusam a mostrar sua forma verdadeira, afirmando que a humanidade ainda não está preparada. Os visitantes também demonstram um estranho interesse pelas crianças humanas...

A edição brasileira possui nova tradução, traz o conto "Anjo da Guarda" de 1950, que deu origem ao livro, e também apresentará uma nova versão do 1º capítulo escrita por Clarke em 1989, que depois foi descartada pelo autor por conter inconsistências históricas. Por exemplo, quando criou o livro, o autor estimava que o homem chegaria à lua apenas na década de 70.

Leia abaixo o primeiro capítulo de "Fim da Infância".

*

I - A Terra e os Senhores Supremos

"O vulcão que erguera Taratua das profundezas do Pacífico já dormia há meio milhão de anos. Ainda assim, muito em breve", pensou Reinhold, "a ilha seria banhada por um fogo muito mais intenso do que as chamas que testemunharam seu nascer." Olhou em direção à plataforma de lançamento, e seu olhar escalou a pirâmide de andaimes que ainda cercava a Colombo. Sessenta metros acima do solo, a proa da nave apanhava os últimos raios do Sol poente. Esta seria uma das últimas noites que ela veria: logo estaria flutuando no dia eterno do espaço.

Aqui, debaixo das palmeiras, no alto da crista rochosa da ilha, imperava o silêncio. O único som do Projeto era o queixume esporádico de um compressor de ar, ou o grito indistinto de um dos operários. Reinhold aprendera a gostar destas palmeiras amontoadas: ao anoitecer, quase sempre vinha ali para contemplar o seu pequeno império. Entristecia-o pensar que elas seriam reduzidas a átomos quando a Colombo se erguesse para as estrelas, em meio a uma fúria flamejante.

A dois quilômetros dos recifes, o James Forrestal com seus holofotes vasculhava as águas escuras. O Sol agora já desaparecera de todo, e a rápida noite tropical vinha correndo do leste. Reinhold imaginava, com um leve sarcasmo, se o porta-aviões esperava encontrar submarinos russos tão perto da costa.

Pensar na Rússia fez com que se lembrasse, como sempre, de Konrad e daquela manhã na desastrosa primavera de 1945. Mais de trinta anos se passaram, mas a memória daqueles últimos dias, quando o Reich se desintegrava sob as ondas do Leste e do Oeste, nunca se desvanecera. Ainda conseguia ver os olhos azuis cansados de Konrad, e a barba dourada por fazer em seu queixo, quando apertaram as mãos e se despediram na cidadezinha prussiana arruinada, enquanto uma torrente ininterrupta de refugiados passava por eles. Fora uma despedida que simbolizava tudo o que acontecera desde então com o mundo: a divisão entre o Leste e o Oeste, pois Konrad escolhera a estrada para Moscou. Reinhold o considerara um tolo, mas agora não tinha tanta certeza.

Por trinta anos, imaginara que Konrad estivesse morto. Apenas na semana passada o coronel Sandmeyer, da Inteligência Técnica, havia lhe dado a notícia. Reinhold não gostava de Sandmeyer, e tinha certeza de que o sentimento era mútuo. Contudo, nenhum deles deixava que isso interferisse no trabalho.

- Sr. Hoffmann - o coronel começara, em seu melhor tom oficial -, acabo de receber algumas informações alarmantes de Washington. É claro que são extremamente secretas, mas resolvemos revelá-las para o pessoal de engenharia, para que compreendam a necessidade da pressa. - Fez uma pausa dramática, gesto que não surtiu efeito em Reinhold. De algum modo, já sabia o que viria a seguir.

- Os russos estão quase empatados conosco. Conseguiram um tipo de propulsão atômica. Pode até ser mais eficiente do que a nossa. E estão construindo uma nave às margens do Lago Baikal. Não sabemos até onde chegaram, mas a Inteligência acredita que ela possa ser lançada este ano. O senhor sabe o que isso significa.

"Sim", pensou Reinhold, "eu sei. A corrida começou... e podemos perder."

- Sabe quem é o chefe da equipe deles? - havia perguntado, sem esperar de fato uma resposta. Para sua surpresa, o coronel Sand- meyer empurrara sobre a mesa uma folha datilografada e, no alto dela, estava o nome: Konrad Schneider.

- O senhor conheceu muitos desses homens em Peenemünde, não foi? - perguntou o coronel. - Isso pode nos dar uma ideia dos métodos que usam. Gostaria que o senhor me preparasse notas sobre o maior número deles que puder: as especialidades, as ideias brilhantes que tiveram e assim por diante. Sei que estou pedindo muito, depois de todo esse tempo... Mas veja o que pode fazer.

- Konrad Schneider é o único que importa - Reinhold respondera. - Ele era brilhante. Os outros, apenas engenheiros competentes. Só Deus sabe o que ele pode ter feito em trinta anos. Não se esqueça de que ele deve ter visto cada um dos nossos resultados, e nós não vimos nenhum dos dele. Com isso, tem uma tremenda vantagem sobre nós.

Não pretendera, com aquilo, criticar a Inteligência, porém, por um momento, pareceu que Sandmeyer ficaria ofendido. Mas então o coronel deu de ombros.

- Tem suas vantagens e desvantagens, como o senhor mesmo me disse. O nosso livre intercâmbio de informações significa um progresso mais rápido, mesmo se deixamos escapar alguns segredos. Os departamentos de pesquisa russos não devem saber o que seu próprio pessoal faz durante metade do tempo. Vamos mostrar pra eles que a democracia pode chegar primeiro à Lua.

"Democracia... Besteira!", pensou Reinhold, mas não era louco de dizer. Um Konrad Schneider valia um milhão de eleitores. E o que Konrad já teria feito a esta altura, com todos os recursos da URSS por trás dele? Quem sabe, neste mesmo instante, sua nave já estivesse se afastando da Terra...

*

"Fim da Infância"
Autor: Arthur C. Clarke
Editora: Aleph
Páginas: 320
Quanto: R$ 46,00
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha.

 
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