Livraria da Folha

 
13/03/2010 - 09h03

Leia trecho de romance histórico de Bernard Cornwell sobre arqueiro bretão

da Livraria da Folha

Divulgação
O arqueiro Hook se alista na guarnição de Soissons em 1415
O arqueiro Hook se alista na guarnição de Soissons em 1415

Bernard Cornwell é um mestre dos romances históricos sobre grandes conflitos da Europa. Entre as suas séries estão a trilogia "As Crônicas de Artur", sobre o lendário rei bretão; "As Aventuras de um Soldado nas Guerras Napoleônicas", que segue o soldado Sharpe; e "Crônicas Saxônicas", sobre Alfredo, o Grande, o rei que libertou o território britânico dos vikings.

"Azincourt" é uma das raras obras de Cornwell que não faz parte de uma saga. O livro conta a história de Nicholas Hook, um arqueiro que se alista na guarnição de Soissons, e participa de uma das mais famosas batalhas já travadas.

O ano é 1415, quando o exército britânico, mesmo com um número bem menor de soldados, vence os franceses. Os ingleses saíram de casa confiantes na vitória, mas foram enfraquecidos pela defesa francesa de Harfleur.

Ao invés de voltarem para casa, como o bom senso mandava, Henrique V, convencido de que Deus estava do seu lado, insistiu em marchar de Harfleur para Calais e terminaram encurralados, numa batalha contra um inimigo que o excedia em seis para um.

Neste livro, o autor conta o episódio pelos olhos do arqueiro Hook, mostrando as horas de luta e o desespero de um exército cansado, doente e em um número bem inferior mas que consegue vencer a batalha.

Leia abaixo um trecho inicial de "Azincourt"

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AZINCOURT

Prólogo

Num dia de inverno de 1413, logo antes do Natal, Nicholas Hook decidiu cometer assassinato.

Era um dia frio. Durante a noite havia geado forte, e o sol do meio-dia não conseguira derreter o branco do capim. Não existia vento, de modo que o mundo inteiro estava pálido, congelado e imóvel quando Hook viu Tom Perrill na trilha funda que ia da floresta alta às pastagens do moinho.

Nick Hook, de 19 anos, movia-se como um fantasma. Era guarda-caça, e mesmo num dia em que a pisada mais leve poderia soar como gelo se partindo, ele se movia em silêncio. Agora andava contra o vento, saindo da trilha funda onde Perrill prendera um dos cavalos de tração de lorde Slayton ao tronco de um olmo derrubado. Perrill estava arrastando a árvore para o moinho, para fazer novas pás para a roda-d'água. Estava sozinho e isso era incomum, porque Tom Perrill raramente se afastava de casa sem seu irmão ou algum outro companheiro, e Hook nunca vira Tom Perrill tão longe da aldeia sem o arco pendurado no ombro.

Nick Hook parou no limite das árvores, num local onde arbustos de azevinho o escondiam. Estava a cem passos de Perrill, que praguejava porque os sulcos no caminho haviam congelado e ficado duros, o grande tronco de olmo se agarrava na trilha irregular e o cavalo empacava. Perrill havia batido no animal a ponto de tirar sangue, mas as chicotadas não tinham ajudado, e agora o rapaz estava simplesmente parado, chicote na mão, xingando o infeliz animal.

Hook pegou um flecha na sacola pendurada a tiracolo e verificou se era a que ele queria. Era de ponta larga, com espigão longo, destinada a cortar o corpo de um cervo, uma flecha feita para rasgar artérias de modo que o animal sangrasse até a morte caso Hook errasse o coração, mas ele raramente errava. Aos 18 anos havia vencido o campeonato dos três condados, derrotando arqueiros mais velhos e famosos em metade da Inglaterra, e a cem passos jamais errava.

Encostou a flecha na madeira do arco. Estava observando Perrill porque não precisava olhar para a flecha nem para o arco. O polegar esquerdo prendia a flecha e a mão direita esticou ligeiramente a corda até que ela se encaixou no pequeno entalhe reforçado com chifre na extremidade emplumada da flecha. Levantou o arco, os olhos ainda no filho mais velho do moleiro.

Puxou a corda sem esforço aparente, ainda que a maioria dos homens que não fossem arqueiros não conseguisse puxá-la até a metade. Esticou a corda até a orelha direita.

Perrill havia se virado para olhar a pastagem do moinho, onde o rio era uma tira sinuosa de prata sob os salgueiros despidos pelo inverno. Estava usando botas, calções, um gibão e um casaco de pele de cervo, e não fazia ideia de que sua morte estava a instantes de acontecer. Hook disparou. Foi um disparo suave, a corda de cânhamo soltando-se do polegar e dos dois dedos sem ao menos um tremor.

A flecha voou reta. Hook acompanhou as penas cinza, olhando enquanto a haste de freixo ligeiramente afunilada, com ponta de aço, acelerava rumo ao coração de Perrill. Ele havia afiado a ponta em forma de cunha e sabia que ela cortaria a pele de cervo como se fosse teia de aranha.

Nick Hook odiava a família Perrill, assim como os Perrill odiavam os Hook. A rixa durava duas gerações, desde quando o avô de Tom Perrill havia matado o avô de Hook na taverna do povoado cravando um atiçador de lareira em seu olho. O velho lorde Slayton havia declarado que fora uma luta justa e se recusou a castigar o moleiro, e desde então os Hook tentavam se vingar.

Nunca haviam conseguido. O pai de Hook fora morto a chutes no jogo anual de futebol e ninguém jamais descobrira quem o havia matado, mas todo mundo sabia que deviam ter sido os Perrill. A bola fora chutada para o meio dos juncos, atrás do pomar da casa senhorial, e uma dúzia de homens havia corrido atrás, mas apenas 11 saíram. O novo lorde Slayton riu da ideia de chamar a morte de assassinato.

- Se fôssemos enforcar alguém por matar num jogo de futebol - dissera ele -, iríamos enforcar metade da Inglaterra.

O pai de Hook era pastor. Deixou esposa grávida e dois filhos, e a viúva morreu dois meses depois da morte do marido, ao dar à luz uma menina natimorta. Faleceu no dia de são Nicolau, dia do décimo terceiro aniversário de Nick Hook, e sua avó dissera que a coincidência provava que Nick era amaldiçoado. Ela tentou tirar a maldição com sua própria magia. Golpeou-o com uma flecha, cravando fundo a ponta em sua coxa, depois lhe disse para matar um cervo com a flecha e que assim a maldição iria embora. Hook caçou ilegalmente um dos animais de lorde Slayton, matando-o com a flecha suja de sangue, mas a maldição permaneceu. Os Perrill viviam e a rixa continuou. Uma bela macieira no quintal da avó de Hook havia morrido, e ela insistiu que fora a velha senhora Perrill que havia enfeitiçado a árvore.

- Os Perrill sempre foram uns desgraçados pútridos comedores de bosta - disse sua avó. Ela pôs mau-olhado em Tom Perrill e seu irmão mais novo, Robert, mas a velha senhora Perrill devia ter usado um contrafeitiço, porque nenhum dos dois adoeceu. Os dois bodes que Hook mantinha na área pública desapareceram, e o povoado achava que haviam sido os lobos, mas Hook sabia que tinham sido os Perrill. Em vingança matou a vaca deles, mas isso não era o mesmo que matá-los.

- É seu trabalho matá-los - insistia a avó de Nick, mas ele nunca tivera oportunidade. - Que o diabo faça você cuspir merda - amaldiçoou ela - e depois o leve para o inferno. - Ela o expulsou de casa quando ele estava com 16 anos. - Vá morrer de fome, desgraçado - rosnou. Nesse ponto ela estava enlouquecendo, e não havia como discutir, assim Nick Hook saiu de casa e podia ter mesmo morrido de fome, mas esse foi o ano em que tirou o primeiro lugar na competição dos seis povoados, colocando uma flecha depois da outra no alvo distante.

Lorde Slayton fez de Nick um guarda-caça, o que significava que precisava manter a mesa do senhor cheia de carne de veado.

- É melhor você matá-los legalmente do que ser enforcado como caçador ilegal - havia observado lorde Slayton.

Agora, no dia de são Winebald, logo antes do Natal, Nick Hook olhava sua flecha voar na direção de Tom Perrill.

Iria matá-lo, sabia.

A flecha voou certeira, baixando ligeiramente entre as altas cercas vivas brilhantes de geada. Tom Perrill não tinha ideia de que ela vinha. Nick Hook sorriu.

Então a flecha oscilou.

Uma pena havia se soltado, a cola e a amarra deviam ter cedido e a flecha se desviou à esquerda, cortando o flanco do cavalo e se alojando em seu ombro. O cavalo relinchou, empinou e saltou à frente, arrancando o grande tronco de olmo dos sulcos congelados no chão.

Tom Perrill se virou e olhou para a floresta elevada, depois percebeu que uma segunda flecha poderia seguir a primeira, por isso se virou de novo e correu atrás do cavalo.

Nick Hook havia fracassado de novo. Era amaldiçoado.

*

"Azincourt"
Autor: Bernard Cornwell
Editora: Record
Páginas: 462
Quanto: R$ 49,90
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha.

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