Livraria da Folha

 
23/03/2010 - 14h31

Livro examina as origens do Santo Daime; leia trecho

da Livraria da Folha

Raimundo Irineu Serra (1892-1971), conhecido simplesmente como mestre Irineu, foi o responsável pela criação da religião ayahuasqueira chamada de Santo Daime.

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Livro relata amplitude das práticas sociais que vão da cura ao crime
Livro relata amplitude das práticas sociais que vão da cura ao crime

Criado em Rio Branco na década de 30, o culto se formou a partir de um verdadeiro mosaico cultural. Diversos pesquisadores buscam entender as origens das matrizes daimistas.

Mestre Irineu, filho de escravos, migrou para o Estado do Acre, onde vivia da extração de látex. Cabo da Guarda Territorial e nomeado Tesoureiro da Tropa pelo marechal Rondon, foi na região que ele entrou em contato com a prática e a ayahuasca.

Mas a religião se formou de um sincretismo das práticas indígenas, do catolicismo, do esoterismo europeu e do espiritismo kardecista, além de uma grande influência das religiões afro-brasileiras. Todas elas compõem o corpo simbólico do Santo Daime.

"Álcool e Drogas na História do Brasil" traz essa e outras histórias narradas por 17 especialistas. O volume apresenta desde as revoluções acaloradas pelo álcool aos antigos boticários. Uma coletânea que proporciona uma reflexão sobre a prática em nosso país.

Abaixo, leia um trecho do livro sobre a ayahuasca, escrito por Beatriz Labate e Gustavo Pacheco, que exemplifica a dificuldade em procurar a procedência dos rituais.

Atenção: o texto reproduzido abaixo mantém a ortografia original do livro e não está atualizado de acordo com as regras do Novo Acordo Ortográfico. Conheça o livro "Escrevendo pela Nova Ortografia".

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A literatura antropológica e as origens do Santo Daime

Parece haver um consenso genérico de que três grandes matrizes culturais estariam presentes na formação do Santo Daime: a indígena ou amazônica (por meio da utilização da bebida e seus modos de preparo e consumo e alguns aspectos do ritual), a européia (por meio do catolicismo e do esoterismo) e a afro-brasileira (presença de entidades afro na cosmologia daimista). Vejamos as principais obras que se dedicaram à análise do culto. Lembramos que abordaremos aspectos específicos dessas obras - que tangem as origens do Daime - e não necessariamente os argumentos centrais de cada uma delas.

O primeiro trabalho escrito por um antropólogo sobre o Santo Daime foi um artigo de Clodomir Monteiro da Silva (19085, p.102-5). Para ele, no Daime destacam-se "traços das religiões mediúnicas de aculturação africana" mas a tônica predominante seria dada pelo "índio americano". Ele fala vagamente em "sobrevivência do Dohomey, principalmente entre os Fon", argumento que tentará desenvolver posteriormente. Em sua dissertação de mestrado (Monteiro da Silva, 1983), afirma o surgimento do culto do Santo Daime responde a necessidades e pressões do contexto macrossocial amazônico, no momento marcado pela crise econômica da borracha e pelo processo de migração urbana. As comunidades daimistas situar-se-iam a meio caminho entre as populações rústicas e urbanizadas, representando formas sociais alternativas à desorganização gerada pelo modelo de ocupação da terra. O Santo Daime seria um sistema cultural adaptativo ou um ritual de passagem, para os seringueiros expulsos dos seringais e os nordestinos fixados no exílio. O culto resultante do encontro entre a "cultura ameríndia" e a "cultura urbanizada" é descrito, ainda como um "transe xamânico individual e coletivo".

Em outro trabalho mais recente, Monteiro Silva (2003) dedica maior atenção à influência das religiões afro-brasileiras na formação do culto do Santo Daime, o qual é situado entre os cultos afro-amazônicos. Citando outros autores, argumenta que a expansão afro na Amazônia teria ocorrido a partir do início do século - antes da difusão, nos anos 30, do espiritismo kardecista e da umbanda pelas grandes cidades do país - através por meio das migrações do nordeste, sobretudo do Maranhão, para a Amazônia. O Santo Daime possuiria, por um lado, características xamânicas, provenientes da tradição aya-huasqueira associadas ao curandeirismo e, provavelmente, à pajelança e, por outro, seria resultado de influencia das religiões afro-brasileiras das regiões Norte e Nordeste, especialmente dos "cultos vodúnicos maranhenses". A associação com os africanos Fon do Daomé (atual República do Benim) se daria, segundo ele, por meio das seguintes evidências: a) a proveniência do Maranhão das famílias que fundaram o culto no Acre da casa da mina nação jêje-fon b) titango, tintuma e agrarrube, tipos de cipó que de acrdo com o autor compõem o chá, seriam entidades africanas ou afro-amazonicas associadas AA realeza do Benim; e c) as palavras "daime" e "juramidam" possuiriam um significado secreto associado ao culto de Dã, a serpente sagrada dos fon. Até recentemente, esse era o único artigo que abordava diretamente as influências maranhenses na gênese do Santo Daime (cf. Labate & Pacheco 2003) e, como se pode notar, de forma ainda embrionária. No nosso entender as evidências apresentadas pelo autor são insuficientes para sustentar qualquer conezão mais precisa entre o tambor de mina (ou crenças e práticas africanas oriundas do Benim) e o Santo Daime.

 
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