Livraria da Folha

 
25/03/2010 - 13h47

Unidade do exército norte-americano treina matar cabras com olhar; leia trecho

da Livraria da Folha

Um general do exército que tenta atravessar paredes. Soldados que podem curar outros com o poder da mente. Estas e outras situações poderiam fazer parte de um enredo de ficção científica, mas é em uma comédia que elas acontecem.

Divulgação
Unidade norte-americana treina o desenvolvimento de poderes paranormais como matar cabras com o olhar e curar com a mente
Unidade norte-americana treina o desenvolvimento de poderes paranormais como matar cabras com o olhar e curar com a mente

Com estreia prevista para esta sexta (26), "Os Homens que Encaravam Cabras" conta a história de uma unidade militar dos Estados Unidos cujo objetivo era desenvolver poderes paranormais em seus alistados, fazendo-os capazer de levitar, entre outras coisas.

A história baseia-se no livro homônimo de não-ficção escrito pelo britânico Jon Ronson e publicado originalmente em 2004. O autor investiga a possível ligação entre estes testes paranormais e as atividades utilizadas durante a "guerra ao terror", comandada por George Bush após os ataques terroristas de 11 de setembro.

O filme conta com Geroge Clooney, Ewan McGregor e o ganhador do Oscar de melhor ator Jeff Brigdes no elenco. A direção fica por conta de Grant Heslov, responsável pelo roteiro de "Boa Noite e Boa Sorte".

Leia abaixo trecho de "Os Homens que Encaravam Cabras".

*

1. O General

Esta é uma história verdadeira. Estamos no verão de 1983. O major-general Albert Stubblebine III está sentado à mesa de seu escritório em Arlington, na Virgínia. Ele olha para a parede, sobre a qual estão penduradas suas inúmeras condecorações militares, que detalham uma longa e reconhecida carreira. Ele é o chefe de inteligência do exército norte-americano, com 16 mil soldados sob seu comando. No exército, ele controla a inteligência de interceptação de sinais, a área fotográfica e técnica e as várias unidades secretas de contrainteligência e unidades militares de espionagem espalhadas pelo mundo. Ele também seria o responsável pelos interrogatórios dos prisioneiros de guerra, se não fosse porque este é o ano de 1983, e a guerra é fria, e não quente.

Seus olhos passam das condecorações à própria parede. Há algo que ele sente que precisa fazer, embora o pensamento o assuste. Ele pensa na escolha que tem de fazer. Pode ficar em seu escritório ou se dirigir ao escritório vizinho. Essa é sua escolha. E ele já escolheu.

Ele se dirige ao escritório vizinho.

O general Stubblebine é bem parecido com Lee Marvin. De fato, na Inteligência Militar todos comentam que ele e Lee Marvin são gêmeos idênticos. Seu rosto tem traços bem marcados e é estranhamente calmo, como uma fotografia aérea de algum terreno montanhoso tirada por um de seus aviões de espionagem. Seus olhos, sempre observando ao redor e cheios de ternura, parecem falar por todo o rosto.

Na verdade, ele não tem nenhuma relação com Lee Marvin. O boato o agrada porque a mística pode ser benéfica a uma carreira em inteligência. Sua tarefa é avaliar as informações reunidas por seus soldados e reportar suas avaliações ao vice-diretor da CIA e ao chefe de Estado-maior do exército americano, que por sua vez as reporta à Casa Branca. Ele comanda soldados no Panamá, no Japão, no Havaí e em toda a Europa. Com tais responsabilidades, ele sabe que deve contar com seu braço direito no caso de algo dar errado durante sua jornada ao escritório vizinho.

Ainda assim, ele não pede a ajuda de seu assistente, o sargento George Howell. Isso é algo que ele sente que deve fazer sozinho.

Estou pronto?, pergunta-se. Sim, estou pronto.

Ele se levanta, sai de trás da mesa e começa a caminhar.

Quero dizer, reflete consigo mesmo, basicamente, de que o átomo é feito? De espaço!

Ele acelera o passo.

Basicamente, de que sou feito? De átomos!

Agora, ele está quase correndo.

Basicamente, de que é feita a parede? De átomos! Tudo o que tenho a fazer é mesclar os espaços. A parede é uma ilusão. O que é o destino? Estou destinado a permanecer nesta sala? Ah, não!

Em seguida, dá de cara contra a parede.

Droga, pensa.

O general Stubblebine está perplexo diante de suas tentativas repetidamente frustradas de atravessar a parede. O que há de errado com ele que o impede de conseguir atravessá-
la? Talvez seus muitos afazeres não permitam que ele alcance o nível necessário de concentração. Não há dúvidas em sua mente de que a capacidade de atravessar objetos
será um dia uma ferramenta comum no arsenal dos serviços de inteligência. E quando isso acontecer, bem, é muito ingênuo acreditar que isso anunciaria o despertar de
um mundo sem guerras? Quem iria querer se meter com um exército capaz de fazer aquilo? O general Stubblebine, como muitos de seus contemporâneos, continua extremamente perturbado por suas memórias do Vietnã.

Esses poderes são alcançáveis; a única questão é: por quem? Quem, no exército, já está orientado a esse tipo de coisa? Que divisão do exército é treinada para operar no nível mais alto de suas capacidades físicas e mentais?

E então lhe surge a resposta.

As Forças Especiais!

É por isso que, no verão de 1983, o general Stubblebine pega um avião rumo a Fort Bragg, na Carolina do Norte. Fort Bragg é vasta - uma cidade protegida por soldados armados, com um supermercado, um cinema, restaurantes, campos de golfe, hotéis, piscinas, pistas de equitação e acomodação para 45 mil soldados e suas famílias. O general passa por esses lugares ao dirigir até o Centro de Comando das Forças Especiais. Esse não é o tipo de coisa que se revela a qualquer um. É para as Forças Especiais e mais ninguém. Ele ainda tem medo. O que está prestes a revelar?

No Centro de Comando das Forças Especiais, o general decide ir com calma.

- Eu venho até aqui com uma ideia - começa. Os comandantes das Forças Especiais consentem.

- Quando vocês têm uma unidade operando fora da proteção das unidades principais, o que acontece se alguém se machuca? - pergunta. - O que acontece se alguém é ferido? Como lidar com isso?

Ele examina os rostos vazios por toda a sala.

- Cura psíquica! - exclama.

Há um silêncio.

- É disso que estamos falando - diz o general, apontando para sua cabeça. - Se vocês usarem a mente para curar, provavelmente conseguirão sair com toda a sua equipe viva e intacta. Vocês não precisarão deixar ninguém para trás. - Ele faz uma pausa, e então acrescenta: - Protejam a estrutura da unidade por meio da cura física e psíquica! Os comandantes das Forças Especiais não parecem particularmente interessados em cura psíquica.

- Está bem - diz o general Stubblebine. Ele está sendo recebido com absoluta frieza. - Não seria uma ideia maravilhosa se vocês pudessem ensinar alguém a fazer isso? O general vasculha sua bolsa e, com um gesto dramático, dobra alguns talheres.

- E se vocês pudessem fazer isso? - diz o general. - Estariam interessados?

Há um silêncio.

O general Stubblebine percebe que está começando a gaguejar. Eles estão me olhando como se eu fosse louco, pensa para si próprio. Não estou apresentando isso da forma correta.

Ele olha ansiosamente para o relógio.

- Vamos falar sobre o tempo! - diz. - O que aconteceria se o tempo não fosse um instante? E se o tempo tiver um eixo X, um eixo Y e um eixo Z? E se o tempo não for um ponto, mas um espaço? A qualquer momento, podemos estar em qualquer lugar nesse espaço! O espaço é confinado ao teto desta sala, ou o espaço são 30 milhões de quilômetros? - O general ri. - Os físicos ficam loucos quando digo isso!

Silêncio. Ele tenta novamente.

- Animais! - diz o general Stubblebine.
Os comandantes das Forças Especiais se entreolham.

- Parar o coração dos animais - continua. - Explodir o coração dos animais. Essa é a ideia que quero propor. Vocês têm acesso a animais, certo?

- Hum - disseram os comandantes. - Na verdade, não...

A viagem do general Stubblebine a Fort Bragg foi um desastre. Recordá-la ainda o faz corar de vergonha. Ele acabou se reformado antecipadamente em 1984. Hoje, a história oficial da inteligência do exército, conforme esboçada em seu dossiê de imprensa, basicamente pula os anos de Stubblebine, 1981-1984, quase como se não tivessem existido.

De fato, tudo o que você leu até agora foi, durante as duas últimas décadas, um segredo da inteligência militar. A ousada tentativa do general Stubblebine de atravessar a parede de seu escritório e sua viagem aparentemente fútil a Fort Bragg foram mantidas em segredo até o momento em que ele me contou a respeito na sala 403 do Tarrytown
Hilton, no norte de Nova York, num dia frio de inverno dois anos depois do início da guerra contra o terror.

- Para dizer a verdade, Jon - ele disse -, eu bloqueei totalmente o resto da conversa que tive com as Forças Especiais. Ah, sim. Eu apaguei da minha mente! Eu fui embora.
Deixei a sala com o rabo entre as pernas.

Ele fez uma pausa e olhou para a parede.

- Você sabe - disse -, eu realmente pensava que fossem grandes ideias. Ainda penso. Eu apenas não descobri como o meu espaço pode atravessar aquele espaço. Simplesmente continuei esborrachando o nariz na parede. Eu não conseguia... Não. "Não conseguia" é o termo errado. Eu jamais me conduzi ao apropriado estado da mente. - Ele suspirou. - Para dizer a verdade, é uma decepção. O mesmo acontece com a levitação.

Certas noites em Arlington, na Virgínia, depois que Geraldine, sua primeira esposa, ia para a cama, ele se deitava no carpete da sala de estar e tentava levitar.

- E eu fracassei totalmente. Eu não conseguia tirar minha bunda gorda do chão, com o perdão da palavra. Mas ainda acredito que eram ótimas ideias. E sabe por quê?

- Por quê? - perguntei.

- Porque você não pode se permitir ficar ultrapassado no mundo da inteligência - ele disse. - Você não pode se permitir perder algo. Você não acredita nisso? Dê uma olhada nos terroristas que foram a escolas de aviação para aprender a decolar, mas não a aterrissar. E onde aquela informação se perdeu? Você não pode se permitir perder algo quando está falando sobre o mundo da inteligência.

Havia algo sobre a viagem do general a Fort Bragg que nenhum de nós dois sabia no dia em que nos conhecemos. Era uma informação que logo me levaria àquele que deve estar entre os recantos mais malucos na guerra contra o terror de George W. Bush.

O que o general não sabia - o que as Forças Especiais esconderam dele - é que eles na verdade consideraram suas ideias excelentes. Além disso, quando ele propôs o programa clandestino para explodir o coração de animais e eles lhe disseram que não tinham acesso a animais, estavam ocultando o fato de que havia uma centena de cabras em um estábulo a apenas alguns quilômetros dali.

A existência dessa centena de cabras só era do conhecimento de alguns poucos membros seletos das Forças Especiais. A natureza oculta das cabras foi ajudada pelo fato de que elas haviam sido privadas de sua capacidade de berrar; apenas ficavam ali paradas, abrindo e fechando a boca, sem emitir nenhum som. Muitas delas também tiveram suas pernas engessadas.

Essa é a história daquelas cabras.

*

Os Homens que Encaravam Cabras
Autora: Jon Ronson
Editora: Record
Páginas: 304
Quanto: R$ 42,90
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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