Livraria da Folha

 
16/04/2010 - 09h16

Biografia de Zidane relata o polêmico episódio da cabeçada no italiano Materazzi

da Livraria da Folha

Citar Yazid como um dos melhores jogadores do mundo soa até como heresia. Afinal, quem é esse tal de Yazid? A alcunha nada mais é do que o nome do meio de "Zinedine Zidane".

Divulgação
Biografia de Zidane não deixa de fora a polêmica da cabeçada
Biografia de Zidane não deixa de fora a polêmica da cabeçada

Nesta biografia, os jornalistas Jean Philippe e Patrick Fort reconstituem 20 anos da vida do craque francês. Além de relatarem como o jogador se formou lapidou sua competitividade tornando-se um ícone do esporte, os autores traçam um panorama do futebol europeu, dando detalhes de partidas e campeonatos de destaque.

O episódio que não poderia ficar de fora é o polêmico gesto que encerrou sua carreira: a cabeçada no jogador italiano Materazzi na final da Copa do Mundo de 2006.

Veja o tratamento que os autores deram ao ocorrido no texto reproduzido abaixo.

*

(...)

Itália x França. Final da Copa do Mundo de 2006. Ainda faltam uns dez minutos para terminar a prorrogação. Se o placar não evoluir, a carreira de Zinedine Yazid Zidane terá fim como sequência de chutes a gol, por volta de 22h30.

Durante essa final, ele marcou, fez sermão aos colegas depois que o placar se igualou, defendeu, atacou, sofreu... Assumiu suas responsabilidades. Esteve à altura de sua missão e de sua reputação. Só um chute a gol ou pênalti perdido agora poderia ofuscar sua saída. Nada mais... ou quase.

Chega-se aos cento e sete minutos e quarenta e um segundos de jogo. Alou Diarra, que substituiu Vieira, contundido, leva perigo à meta adversária, pelo centro. Passa a bola a Florent Malouda, cujo chute chega à grande área. Com as duas mãos, Materazzi segura Zidane pela parte inferior da camisa. Essa falta pode valer um pênalti, mas, aparentemente, não é notada por nenhum dos árbitros.

O tiro de Malouda é rebatido; a bola avança em direção ao terreno francês. Em italiano, língua que ele fala fluentemente, Zinedine diz a seu oponente que, se ele quer sua camisa, ele a dará de boa vontade no fim da partida. Uma maneira irônica de fazê-lo entender que seu comportamento não é aceitável.

Envergonhado ou, como dirá ele, aborrecido com essa resposta, que teria achado arrogante - o Grande Zidane propondo oferecer sua última camisa, tão cobiçada, ao pequeno Materazzi! - o zagueiro italiano, então, multiplica os insultos.

Essa atitude também pode valer uma sanção. Mas os árbitros conservam o olhar voltado para o local onde a bola é disputada. Em direção oposta a essa zona de jogo, Zidane caminha devagar para retomar seu campo. De repente, ele se volta... e dá uma cabeçada em resposta aos insultos de seu adversário. Uma cabeçada no peito, que não compromete a integridade física do provocador.

Materazzi mede 1,93 m. Como observará Raymond Domenech com ironia, ele possui um físico imponente, mas, mesmo assim, cai de costas. Fica deitado no chão por um longo tempo. Uma atitude que o público do estádio interpreta como um pouco exagerada, enquanto o jogo é interrompido e um ajuntamento se forma ao lado do jogador caído no chão.

A prática da simulação ou do exagero é muito difundida no futebol moderno. O público sabe disso. E começa a vaiar.

Peter Schols/Reuters
Cabeçada de Zidane no italiano Materazzi marcou a final da Copa do Mundo de 2006 e a despedida dos gramados do jogador
Cabeçada de Zidane no italiano Materazzi marcou a final da Copa do Mundo de 2006 e a despedida dos gramados do jogador

O árbitro argentino, Horacio Elizondo, pergunta a um de seus assessores, Dario Garcia, se ele testemunhou o acidente. Resposta negativa. Então, o quarto árbitro intervém, o que não estava na área do jogo, mas que pode ver o vídeo da partida - se bem que recorrer a isso é proibido pelas regras da FIFA. Se não o fosse, o gol de Vieira contra a Coreia, por exemplo, teria sido validado. Parece que, apesar de suas negativas, foi uma sequência filmada que permitiu a esse quarto árbitro, o espanhol Luis Medina Catalejo, ver o golpe aplicado. É ele que indica a Elizondo o que fazer. O árbitro argentino tira o cartão vermelho do bolso, segura-o firmemente com a mão e, de peito inflado, olha-o com dureza e o brande a Zinedine Zidane.

Fim de carreira com uma expulsão! Um drama, ou quase...

"Zidane me agarrou o braço. Ele admitiu ter dado uma cabeçada, me perguntando: 'Mas o senhor não viu o que aconteceu antes?' Ele não me disse que tinha recebido uma gozação ou provocação de Materazzi. Mas isso também não foi uma recriminação. Ele parecia estar me explicando, de maneira muito correta e num espanhol perfeito, por que havia reagido assim", contará o árbitro ao jornal argentino Clarin.

Nas arquibancadas, os gritos se elevam. Não são dirigidos ao autor do golpe, que a maioria dos espectadores nem mesmo chegou a ver, mas aos que se decidiram por uma expulsão que eles não entendem muito bem - fora os que dispõem do circuito interno de televisão.

As câmeras capturaram tudo, menos o som. As palavras, que por vezes agridem mais que um gesto.

Os italianos, que conhecem bem o temperamento do ex-armador da Juventus, teriam adotado uma estratégia deliberada? Teriam lhe preparado uma armadilha?

A história do futebol está cheia de declarações guerreiras, de juramentos de jogadores que sabem como provocar para abater certos adversários. Os italianos, contudo, trataram de não declarar abertamente esse tipo de atitude. Quanto às suas intenções, a dúvida está lançada. Mas com relação à injustiça cometida, não há nenhuma dúvida. Materazzi não deixa o campo. Nem Cannavaro.

O adeus com fanfarra, a camisa com os agradecimentos, a volta olímpica, o eventual triunfo... Tudo se desfaz. Mesmo que os franceses ganhem, a festa não será mais a mesma.

Zizou sai do campo apertando maquinalmente os lábios e as mandíbulas. Cabeça baixa, ele passa diante da mesa onde repousa o troféu, que ele não tocará uma segunda vez depois de 1998. Desce as escadas que levam ao vestiário. É de lá que ele assiste ao fim da partida, pela televisão. Abatida, sem a tensão do França x Togo, quando as garrafas de água lançadas por ele e Abidal voavam baixo a cada oportunidade perdida.

"Por quê? Por quê?" Passada a incompreensão, os comentaristas, sem outro elemento além daquilo que viram, começam a condenar aquele que incensavam de maneira exagerada alguns minutos antes. Seu gesto seria "imperdoável", "indesculpável". Um processo sem apelação, e mesmo sem depoimentos, acaba de se abrir. Zizou, o queridinho, se torna, para todas as redes do mundo, Zidane, o culpado. Culpado, antes de tudo, por ter destruído o sono. A festa acabou. O rei modesto se transforma no rei maldito.

*

"Zinedine Zidane"
Autor: Jean Philippe e Patrick Fort
Editora: Sá Editora
Páginas: 256
Quanto: R$ 45,00
Onde comprar: 0800-140090 ou na Livraria da Folha.

 
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