Livraria da Folha

 
20/04/2010 - 20h28

Viúvo tenta se reaproximar do sexo oposto em romance bem-humorado; leia trecho

da Livraria da Folha

Um ano após a perda da sua mulher Hailey, Doug Parker se tornou um alcoólatra afundado em autopiedade. Não tirou nada do lugar em que ela deixou: o sutiã continua pendurado na maçaneta da porta, o livro, sobre a mesinha de cabeceira. Nada mais tem graça para o protagonista de "Como Falar com um Viúvo" e até os coelhos que insistem em aparecer no gramado de sua casa no subúrbio de classe média alta de New Radford o tiram do sério.

Divulgação
Os desencontros de um viúvo que tenta retornar à vida amorosa
Os desencontros de um viúvo que tenta retornar à vida amorosa

Mas Doug tem outras coisas com que se preocupar. Seu pai sofreu um AVC e não se lembra de quase nada. Sua mãe, uma ex-atriz de teatro, continua agindo como se ainda vivesse seus dias de fama. Sua irmã caçula e certinha, Debbie, conheceu o noivo durante o velório de Hailey, e Doug não consegue perdoá-la por isso. Seu enteado de 16 anos, que já foi um rapaz tranquilo, agora vive arrumando encrencas cada vez mais sérias.

E tudo se torna ainda mais confuso para Doug quando Claire, sua divertida e mandona irmã gêmea, grávida e prestes a se divorciar do marido, se muda para sua casa, disposta a arrancá-lo do estupor do luto e trazê-lo de volta à vida. E isso inclui começar a sair com outras mulheres.

Doug é jovem, charmoso e triste, ou seja, tem a química perfeita para protagonizar os mais inusitados encontros românticos. Em pouco tempo sua vida vira do avesso e lhe escapa totalmente ao controle, gerando uma hilária série de equívocos sexuais e episódios familiares tragicômicos.

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COMO FALAR COM UM VIÚVO

Capítulo 1

RUSS ESTÁ CHAPADO. Dá para ver pelo branco dos seus olhos, que está mais para um rosa embaçado sob a luz bruxuleante da varanda. Também dá para ver pelos aros escuros das pupilas dilatadas, pela forma como as pálpebras tremulam indolentes, a meio mastro, e pelo jeito descuidado com que ele se apoia no guarda que, mesmo puto de raiva, o mantém de pé na porta da minha casa, como se os dois fossem companheiros de porre cambaleando pela madrugada depois de encerrado o expediente do bar. Já passa um pouco da meia-noite. Quando a campainha tocou, eu estava, como sempre, esparramado no sofá, meio adormecido, totalmente bêbado, me torturando com a ta refa de puxar lembranças aleatórias da minha mente como fósforos de uma cartela, riscando um de cada vez e lentamente ateando fogo a mim mesmo.

- O que houve? - pergunto.

- Ele se meteu numa briga com outros garotos em frente a uma loja de conveniência - responde o guarda, sem largar o braço de Russ.

Posso ver agora os lanhos e hematomas no rosto dele e um arranhão feio em forma de foice no pescoço. A camiseta preta está irremediavelmente deformada e rasgada na gola e a orelha dele sangra no lugar onde o brinco foi arrancado.

- Você está bem? - pergunto a Russ.

- Vá à merda, Doug.

Faz um tempinho que não o vejo, e ele desenvolveu alguns pelos faciais, uma pequena mosca logo abaixo do lábio inferior.

- Você não é o pai dele? - indaga o guarda.

- Não, não sou.

Esfrego os olhos com as mãos, tentando me recompor. O uísque acabara de me embalar com sua última canção de ninar e, na minha recém-perturbada quietude, tudo ainda parece estar acontecendo debaixo d'água.

- Ele disse que você era pai dele.

- Ele meio que me deserdou - diz Russ com amargura.

- Sou o padrasto - explico. - Ao menos era.

- Você era - repete o guarda com a expressão de quem provou comida tailandesa estragada, lançando-me um olhar enfezado.

O guarda é um cara troncudo - e teria mesmo que ser para aguentar Russ, que aos 16 anos é encorpado e forte, com mais de 1,80m.

- Você tem idade para ser irmão dele.

- Fui marido da mãe dele - esclareço.

- E onde está ela?

- Ela se foi.

- Ele quer dizer que ela morreu - diz Russ com desdém. Ele ergue a mão e desenha um arco descendente, assoviando e depois chiando entre os dentes para criar o efeito sonoro de uma explosão. - Tchau, tchau.

- Cale a boca, Russ.

- Venha me calar, Doug.

O guarda aperta os dedos grossos em volta do braço de Russ.

- Fique calado, meu filho.

- Não sou seu filho - rosna Russ, tentando em vão escapar das mãos de ferro do guarda. - Não sou filho de ninguém.

O guarda o imprensa com facilidade contra o batente da porta para conter seus braços irrequietos, depois se vira para mim.

- E o pai?

- Não sei.

Viro-me de novo para Russ.

- Cadê o Jim?

Russ dá de ombros.

- Foi passar uns dias na Flórida.

- E a Angie?

- Foi com ele.

- Deixaram você sozinho?

- Só por duas noites. Eles voltam amanhã.

- Angie - repete o guarda.

- A mulher do pai dele.

O guarda parece aborrecido, como se estivéssemos lhe causando uma dor de cabeça. Meu desejo é explicar tudo, mostrar que a coisa não é tão ruim quanto parece, mas aí me lembro de que na verdade é, sim.

- Então o garoto não mora aqui?

- Morava - respondo. - Quer dizer, esta era a casa da mãe dele.

O guarda, um sujeito de meia-idade com um bigode grisalho e olhos cansados, diz, aborrecido:

- Olhe aqui, seja o que for que ele andou fumando, não encontrei nada ao revistá-lo. Meu turno está para acabar e não pretendo passar mais uma hora fichando o garoto por causa de uma briga idiota num estacionamento. Tenho três filhos. Ele está bancando o durão agora, mas chorou ao entrar na viatura e me pediu que o trouxesse para cá. Então, das duas, uma: posso levá-lo para a delegacia e fichá-lo por uma série de infrações ou você pode deixá-lo entrar e me prometer que isso nunca mais vai se repetir. Russ me encara emburrado, como se a culpa fosse toda minha.

- Isso jamais vai se repetir - garanto.

- Tudo bem, então.

O guarda solta Russ, que agita o braço no ar com violência e dispara casa adentro e escada acima, direto para o quarto, lançando-me um olhar de puro ódio que perfura a névoa do meu estupor etílico como um arpão.

- Obrigado, seu guarda - agradeço. - Ele é um bom menino, mas teve um ano difícil, só isso.

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"Como Falar com um Viúvo"
Autor: Jonathan Tropper
Editora: Sextante
Páginas: 272
Quanto: R$ 29,90
Onde comprar: Pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha.

 
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