Livraria da Folha

 
20/04/2010 - 19h48

Especialistas tentam decifrar a formação social do Brasil; leia trecho

da Livraria da Folha

Divulgação
Coletânea procura interpretar questões sociais do Brasil
Coletânea procura interpretar questões sociais do Brasil

Com a intenção de contribuir para o esclarecimento da enorme complexidade brasileira, Lilia Moritz Schwarcz, professora titular no departamento de antropologia da USP (Universidade de São Paulo), e André Botelho, professor adjunto da UFRJ (Universidade Federal do Rio) organizaram 29 textos que analisam diversos aspectos sociais do país.

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O resultado é a coletânea "Um Enigma Chamado Brasil". Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda, Oliveira Vianna, Manoel Bomfim e Octavio Ianni são alguns dos especialistas que assinam os artigos.

A compilação percorre o pensamento social de diferentes gerações: desde aqueles que se debruçaram sobre a construção do Estado durante o Império até os ensaístas clássicos da década de 1930, passando pelos teóricos do racismo científico, seus críticos na Primeira República, os modernistas nos anos 1920 e, finalmente, a geração pioneira dos cientistas sociais e seus primeiros discípulos.

Uma introdução às ideias fundamentais para a compreensão da sociedade brasileira, o livro contribui para o debate contemporâneo e introduz ideias fundamentais para o entendimento da sociedade brasileira.

Leia, abaixo, a apresentação do volume na qual os organizadores esclarecem a dificuldade em coletar os textos e os autores.

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Esse Enigma Chamado Brasil: Apresentação
André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz

Não é exagero afirmar que o pensamento social brasileiro, bem como seus principais intérpretes, vem ganhando atenção crescente, desde a década de 1990, não só nos círculos acadêmicos como do público mais geral. É isso que indicam os balanços realizados sobre a produção contemporânea da área e seu lugar no interior de instituições de pesquisa e ensino ou de associações científicas, como na Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - Anpocs, cujo Grupo de Trabalho Pensamento Social no Brasil vem se reunindo continuamente desde 1981. Além do mais, autores como Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, para citarmos apenas alguns nomes, têm saído das estantes das bibliotecas dos especialistas e entrado cada vez mais nos discursos dos políticos, nas páginas dos jornais diários e em matérias de televisão. Há um interesse crescente pelas interpretações que o Brasil recebe e recebeu, e uma nova curiosidade acerca destes "Brasis", desenhados, projetados e imaginados por tantos pensadores locais e estrangeiros.

O livro que o leitor tem em mãos expressa, portanto, esses sinais, percursos e movimentos. De um lado, representa um bom termômetro para aferir a consolidação da área de pensamento social, na medida em que, como mostra a história da divulgação científica, a disponibilidade para o diálogo com o público não especializado e com os jovens em formação costuma ser um dos sinais mais significativos da maturidade de um domínio do conhecimento. Por outro lado, sua mera existência já sinaliza uma nova demanda, expressa pela criação e expansão de disciplinas obrigatórias para o Ensino Médio na área de sociologia, além da curiosidade renovada em conhecer aqueles que vêm refletindo sobre o Brasil. Assim, concebemos este livro como uma introdução ao pensamento social no Brasil. Algumas orientações editoriais foram decisivas: ao lado da linguagem mais desataviada e avessa ao hermetismo conceitual, procurou-se evitar também as muitas citações e referências bibliográficas que, frequentemente, podem interromper o fluxo da leitura.

Tudo isso, claro, sem prejuízo da complexidade própria envolvida nas diferentes interpretações do Brasil aqui reunidas. Os ensaios foram organizados em ordem cronológica de nascimento dos intérpretes abordados, cujas biografias básicas o leitor encontrará ao final da leitura.

O livro apresenta as obras de 29 autores, as quais, tendo em vista as questões dos seus respectivos momentos históricos, e com os recursos intelectuais neles disponíveis, contribuíram de modo crucial para a compreensão da sociedade brasileira, dos seus problemas, dilemas e possibilidades. O resultado é uma visada geral sobre a nossa formação, nas várias dimensões desse processo - cultural, política e social - e tal como ele foi abordado por diferentes intérpretes em obras capitais da nossa tradição intelectual que, sinuosamente, remontam ao Império e chegam aos nossos dias. Estadistas e atores políticos do Império que, diante de problemas relativos à construção do Estado no plano político-administrativo, se viram desafiados a formalizar suas posições também no plano intelectual; os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos são alguns dos personagens que comparecem nas páginas que se seguem.

Não se trata, é bom deixar claro, de supor a tradição intelectual brasileira como contendo alguma unidade perene em si mesma, tampouco de considerar que todas as interpretações do Brasil que a compõem estejam respondendo a uma mesma questão ou que sejam equivalentes. Também não se imagina que os intérpretes do Brasil dialoguem entre si de maneira, apenas, harmoniosa. O pensamento social é feito de muitas contradições, ajustes e desajustes, e será frutífero entender esse painel, como uma grande e inesgotável multiplicidade.

Ainda que afinidades e continuidades entre interpretações contemporâneas ou entre interpretações de diferentes momentos históricos possam ser buscadas, isso não altera a pluralidade constitutiva da tradição intelectual brasileira. Esta, em verdade, se assemelha mais a uma arena de conflitos interpretativos e de disputas sobre, ao fim e ao cabo, o que é o Brasil, como o leitor perceberá ao final da leitura.

Não se trata igualmente de propor uma visão evolutiva, em que uma teoria supera a outra, mas antes mostrar como não há continuidade previsível nesse tipo de seara e arena. Talvez a única preocupação que una os diferentes ensaios que compõem o livro seja a articulação tensa entre autor, obra e recepção; procedimento necessário para evitar os males do anacronismo, esse problema incontornável, mas que aflige a todo aquele que quer se debruçar sobre o passado, com lentes mais adaptadas. Ir ao passado com perguntas do presente é tarefa da qual não se desvia ou que se evita. Mas cobrar do passado o presente é desajuste de análise, problema de interpretação. O desafio é indagar nossos autores, suas questões, problemas e soluções, e dar ao tempo o seu tempo.

Acrescentamos que as diferentes interpretações do Brasil também se tornaram, ao longo do tempo, como que matrizes de diferentes modos de sentir e pensar o país e de nele atuar. Justamente porque não operam apenas em termos cognitivos, mas constituem também forças sociais que direta ou indiretamente contribuem para delimitar posições e conferir-lhes inteligibilidade em diferentes disputas de poder travadas na sociedade, as interpretações do Brasil existem e são relidas no presente. E o reconhecimento de que essas interpretações, como outras formas de conhecimento social, não são meras descrições externas da sociedade, mas também operam reflexivamente, desde dentro delas, e tem permitido reverter a imagem, algo difundida no passado recente, da pesquisa do pensamento social como um tipo de conhecimento antiquário, sem maior significação para a sociedade e para as ciências sociais contemporâneas.

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"Um Enigma Chamado Brasil"
Organizadores: Lilia Moritz Schwarcz, André Botelho
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 448
Quanto: R$ 42,40
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha

 
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